Anthony Fauci acaba aos 82 anos carreira de serviço público sempre fiel à ciência

Agência Lusa , AM
20 dez 2022, 06:52
Anthony Fauci

Fauci, que faz 82 anos na véspera de Natal, tem sido cientista médico no Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, desde há 54 anos, 38 dos quais como diretor

Anthony Fauci vai acabar uma carreira de serviço público, de cinco décadas, no final deste mês, marcada pela pandemia do HIV no início e do novo coronavírus no final, sempre sob o princípio de “fidelidade à ciência”.

Em extensa entrevista à The Associated Press, Fauci afirmou que sai excitado pelas perspetivas de avanços como as vacinas anti-covid de próxima geração, mas também preocupado por as mentiras estarem a marcar um “tempo profundamente perigoso” para a saúde pública e a ciência.

“As mentiras abundam e nós quase que já as normalizámos”, disse. “Estou preocupado com o meu próprio campo de conhecimento, mas também com o país”, desenvolveu.

Fauci, que faz 82 anos na véspera de Natal, tem sido cientista médico no Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, desde há 54 anos, 38 dos quais como diretor.

Por ser capaz de explicar em termos simples e diretos a complexidade científica, Fauce foi conselheiro de sete presidentes dos EUA, desde Ronald Reagan até Joe Biden, em uma série longa de surtos - HIV, Ebola, Zika, gripe aviária, gripe pandémica, até os ataques com anthrax em 2001.

“Manter-se fiel à ciência e nunca ter medo de dizer a alguém a verdade – mas há verdades inconvenientes em que existe a possibilidade de o mensageiro ser atingido”, disse Fauci, acrescentando: “Isto não deve preocupar. Você apenas tem de continuar a dizer a verdade”.

Com um eufemismo típico, acrescentou: “Isto serviu-me muito bem com uma exceção em que a verdade gerou uma grande quantidade de hostilidade para comigo da parte de uma administração” presidencial.

Apesar de toda a sua influência nas respostas nacionais e internacionais às doenças infecciosas, foi só com a pandemia do novo coronavirus, no início de 2020, que Fauci se tornou um nome conhecido em praticamente todas os lares – ao dar as últimas atualizações em conferências de imprensa diárias na Casa Branca e em frequentes entrevistas aos meios.

Mas Fauci acabou por contraditar Donald Trump, então na Casa Branca, quando este procurou minimizar a gravidade e a ameaça do vírus e promover tratamentos alternativos nºao testados.

Trump e os seus aliados começaram a atacar Fauci, que chegou a receber ameaças de morte.

Com o mundo a preparar-se para entrar em mais um ano com a covid-19, Fauci continua a ser um alvo para a extrema-direita, mas também permanece uma voz de confiança para milhões de norte-americanos.

Sob a sua direção, investigadores nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em Inglês) estabeleceram as fundações científicas para um desenvolvimento rápido de poderosas vacinas contra o novo coronavírus.

Uma análise divulgada na semana passada pelo Commonwealth Fund apurou que as vacinas salvaram 3,2 milhões de vidas só nos EUA e preveniram 18,5 milhões de hospitalizações.

Com uma nova vaga de infeções a caminho por causa do inverno, Fauci está desapontado por apenas 14% das pessoas elegíveis para o reforço da vacina – atualizada e com proteção contra estirpes da omicron – tenham sido vacinadas.

“Isto não faz qualquer sentido, quando se sabe que se tem uma vacina que salva vidas”, disse.

Mas também já está a pensar nas vacinas de próxima geração, que vão melhorar a prevenção de infeções, e cita desenvolvimentos prometedores, como o das vacinas por via nasal.

Além dos ataques políticos, o público teve dificuldade em compreender por que razão os seus conselhos de saúde e de outros mudaram à medida que a pandemia avançava, como as máscaras não serem consideradas necessárias ao início e depois terem sido tornadas de uso obrigatório.

Fauci afirmou que uma das lições da pandemia é a necessidade de comunicar melhor, de entender que é normal que as mensagens mudem à medida que os cientistas fazem descobertas.

“Isto não significa que esteja a fazer um volte-face. Significa que está a seguir a ciência”, explicou.

Desde há décadas que Fauci participa em progressos científicos que salvam vidas. Enquanto jovem investigador nos Institutos Nacionais de Saúde, ajudou a desenvolver terapias altamente efetivas para o tratamento para raras, mas à data fatais, doenças nos vasos sanguíneos, conhecidas como vasculites.

Depois apareceu a crise da sida com dias que Fauci, que tratava doentes em um hospital dos NIH, recorda como “muito negros e muito difíceis”, explicando: “Enquanto médico, você é formado para curar pessoas. E não estávamos a curar ninguém. Toda a gente estava a morrer à nossa frente”.

Fauci criou uma Divisão Sida que, juntamente com farmacêuticas e universidades, liderou a investigação em medicamentos que acabaram por transformar o HIV em uma doença crónica gerível.

Mais tarde, na presidência de George W. Bush, Fauci ajudou a desenvolver o PEPFAR, um plano presidencial de ajuda de emergência, para levar medicação contra o HIV a países pobres. Este programa está creditado com o salvamento de mais de 20 milhões de vidas nos últimos 20 anos.

Mas levou anos a conseguir os primeiros medicamentos contra a sida – e no final dos anos 1980 e no início da década de 1990, ativistas furiosos protestaram contra o que consideravam a indiferença governamental.

Fauci reuniu-se com os ativistas e tornou prática padrão os representantes dos doentes terem uma voz nas decisões do governo sobre a investigação médica.

Infelizmente, diz, esta experiência não pode ajudar a superar as divisões políticas que estão a prejudicar a saúde pública.

Os ativistas da sida “eram teatrais. Eram iconoclastas. Eram provocadores. Confrontavam. Tudo isto. Mas a mensagem central que passavam era uma mensagem correta”, avançou. “Isto é completamente diferente do que se está a ver agora com a covid, onde abundam as mentiras, as teorias da conspiração, as distorções da realidade”.

Apesar deste ambiente de rancor, Fauci está excitado com progressos científicos recentes contra doenças, como vacinas para a malária, tuberculose e, talvez um dia, o HIV. Razão esta pela qual declara que não se vai retirar, se bem que vá sair de funções públicas.

“Vou continuar a dar aulas, escrever e tentar encorajar e inspirar pessoas a irem para a ciência, a medicina e a saúde pública”, disse. “Há muitas coisas que estão em aberto e devem ser encerradas algum dia, porque é o que a ciência vai fazer”.

E.U.A.

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