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As “Capetas da Honestidade” na Netflix

1 ago 2023, 19:42

Rui Santos escreve sobre o desempenho da Seleção Nacional feminina no Mundial da Nova Zelândia e diz que… “elas foram um exemplo”

Já se ultrapassara o primeiro minuto dos 8 de tempo extra que a árbitra inglesa Rebecca Welsh concedera para compensar as paragens de um jogo que sempre foi muito interessante e com uma resposta colectiva excelente por parte de Portugal quando a leoa Ana Capeta atirou à base do poste esquerdo da baliza norte-americana defendida por Alyssa Naeher.

Para fazer ainda mais história, complementando a que já fizera (primeira participação de Portugal em Mundiais de futebol feminino e primeiro golo, marcado pela madeirense Telma Encarnação, nestes certames), o remate de Capeta só tinha de ter sido dirigido um palmo mais para a direita do poste esquerdo e a Seleção Nacional iria ser falada em todo o globo terráqueo, não apenas pela qualificação para os ‘oitavos’ mas, sobretudo, se a bola tem entrado, porque isso corresponderia a eliminar a Seleção dos Estados Unidos, bicampeã mundial e número 1 do ranking FIFA, à frente da Alemanha e da Suécia.

Um poste não pode ter mais de 12 cm de espessura pelo que, mesmo considerando que depois ainda teriam de se esgotar mais de 6 minutos e pico, estamos a falar de meio palmo para que a façanha corresse o Mundo num ápice e em Portugal a chegada das ‘navegadoras’ concorresse com a chegada do Papa. Ai o virote que seria na contradança dos senhores ministros…

As vitórias morais  dominaram muitos anos o universo das Seleções masculinas. Tivemos muitos momentos de “bola ao poste”, tivemos muitos momentos de “quase”, tivemos muitos “capetas” e a sensação de que poderíamos ir mais longe acompanhou-nos no masculino durante décadas.

O recrutamento em Portugal é ainda muito mais pequeno, no feminino, mas mesmo num contexto muito desfavorável, considerando o histórico de outras seleções, o salto em frente das nossas ‘navegadoras’ pode ser muito mais rápido, se se aproveitar, entretanto, o balanço que esta participação na Nova Zelândia nos deve dar.

Já li opiniões avulsas, de adeptos sempre insatisfeitos, segundo as quais o treinador Francisco Neto podia ter sido mais ousado no jogo inaugural com os Países Baixos, principalmente na primeira parte desse encontro. Visto agora, sem atender a coisa nenhuma, talvez. Houve cautelas na estreia. Cautelas que, todavia, devem ser consideradas normais. De resto, a maturidade tática revelada pela Seleção portuguesa foi um dos pontos altos do desempenho luso. Muito bem, Francisco Neto!

Esta estreia da Seleção feminina num Campeonato do Mundo foi o reencontro com o futebol numa versão mais próxima das suas origens mas naturalmente com uma indiscutível componente de modernidade. Isto é: o jogo pelo jogo, a competição honesta, tudo dentro de um princípio de organização mais ou menos inegociável, mas com doses equilibradas nas quatro dimensões que dominam o futebol — a técnica, a táctica, a física e a mental. Em todas essas dimensões, Portugal foi uma equipa crescida, e só não foi mais longe em ambição porque encontrou pela frente duas equipas com outro histórico e traquejo: os Países Baixos e os Estados Unidos.

Chamam-lhes as “navegadoras”. Eu prefiro “A Seleção Honesta” ou a “Dona Honestidade”. Pelo futebol honesto que praticaram: a disponibilidade e a entrega, a alegria, a responsabilidade, a doação. As Capetas (quase, quase…) da Honestidade.

Valeu a pena acordar cedo, mesmo que tenha sido para ver a Capeta a atirar ao poste da… Netflix.
 

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