O atleta mais completo do mundo disse adeus e olha para Marte

9 jan 2017, 10:29
Ashton Eaton

Anatomia de uma foto

«Estou a decidir o que fazer a seguir. Ser a primeira pessoa em Marte era porreiro.»

Ashton Eaton apresenta-se assim desde esta semana na rede social Twitter. Até aqui, ele era o atleta mais completo do mundo. Bicampeão olímpico e mundial do decatlo, a super-disciplina do atletismo. Correm os 100m, os 400m, os 1500m, os 110m barreiras. Fazem salto em comprimento e altura, lançam o peso, o disco e o dardo. Mais o salto à vara. Também lhes chamam super-homens.

Eaton é o melhor atleta de sempre no decatlo, bateu por duas vezes o recorde do mundo. Agora, isso já é história. O que nos leva a esta foto.

Phil Noble/Reuters

A imagem mostra Eaton no Rio a passar a fasquia na vara, antepenúltima prova do decatlo, mas aponta para lá do estádio, para lá deste mundo. Talvez nem ele lhe imaginasse outro sentido naquela altura. Pouco mais de quatro meses depois, olha-se para ela e lá está, um universo que se abre.

É assim que se sente Eaton. E também Brianne Theisen-Eaton, a mulher de Ashton, também ela atleta entre atletas, vicecampeã do mundo e medalha de bronze no Rio no heptatlo, o paralelo feminino do decatlo. Nesta quarta-feira eles anunciaram o fim das carreiras, quando estavam no topo.

Aos 28 anos, ele quase a completar 29, decidiram que não querem mais ter vida de atleta. Já não têm o mesmo gozo, dizem, não sentem a mesma motivação para se levantarem todos os dias e irem treinar, treinar e treinar mais. Anunciaram-no nas redes sociais e no site que partilham, weareeaton.com.

As razões de Ashton: «Chegou a minha hora de dizer adeus ao atletismo. De fazer algo novo. Francamente, não há muito mais que queira fazer no desporto. Dei os anos fisicamente mais robustos da minha vida à descoberta e perseguição dos meus limites nesta área. Alcancei-os? Na verdade não sei se alguém os alcança. Parece que tendemos a ficar sem tempo ou vontade antes de esgotarmos o nosso potencial. Isso torna a humanidade ilimitada, a meu ver. E acho isso inspirador.»

As razões de Brianne: «Quando cortei a meta nos 800m no Rio estava mentalmente exausta. Nunca me senti tão agradecida por acabar nada na vida. Senti que nunca mais queria voltar a fazer outro heptatlo. E esse sentimento confundiu-me.» (...) «Já não tenho a paixão que tinha pelo atletismo porque sei que não consigo ir mais longe no desporto. Dei tudo o que tinha e recuso-me a voltar e fazê-lo pela metade porque respeito este desporto demasiado. Por isso, decidi retirar-me.»

A decisão de ambos não aconteceu logo a seguir aos Jogos e não foi, no limite, conjunta, contam. Brianne disse à CBC que tinham conversado sobre o assunto, mas nenhum deles queria condicionar o outro com a sua decisão. E que uma manhã, durante uma corrida, ela sentiu que tinha chegado ao fim. «Foi como um raio, um sentimento visceral de que não queria fazer mais aquilo.» Não comentou com Eaton mas nesse dia, ao jantar, ele disse-lhe que não queria continuar a fazer atletismo: «Fiquei chocada – não por ele querer abandonar – mas por estas duas coisas terem acontecido no mesmo dia.»

Ashton e Brianne conheceram-se em 2007, ambos como atletas-estudantes na Universidade do Oregon. Ele norte-americano, ela chegava do Canadá, o país que representou sempre ao longo da carreira. Casaram-se em 2013 e viveram juntos os anos de ouro das suas carreiras.

Ashton Eaton experimentou outras disciplinas do atletismo antes de se concentrar no decatlo. Foi segundo nos Campeonatos do Mundo de 2011 e desde então ganhou todas as grandes competições. Dois Jogos Olímpicos, dois Campeonatos do Mundo, três Mundiais de pista coberta, dois recordes do mundo.

Brianne Theisen, agora também Eaton, ganhou a medalha de prata nos Mundiais de 2013, depois nos de 2015, e no Rio de Janeiro chegou ao bronze. Apoiavam-se, assistiam às provas um do outro. Ashton até esteve no centro de uma mini-polémica no Rio, por ter sido filmado na bancada com um boné do Canadá. Foi criticado nas redes sociais, esse espaço onde tudo se diz e tudo se replica hoje em dia, teve que vir dizer que não era menos americano por estar a apoiar a mulher.

Agora, ambos dizem que têm muitas ideias para o futuro, mas ainda não decidiram exatamente o que vão fazer. Não é fácil passar a viver outra vida, como diz Brianne, a recordar uma conversa que teve com a sua psicóloga de desporto sobre a reforma. «Disse-me que a razão por que é difícil acabar a carreira é porque ela é a toda a nossa identidade e tudo o que conhecemos. É difícil para qualquer atleta que se retire, porque tem de se redefinir, descobrir uma nova comunidade e novos gostos.»

Mas têm muitos planos. E aquela coisa sobre Marte não é só uma piada, garante Ashton. «É uma ideia bastante séria e um objetivo que tenho», contou por estes dias à ESPN. «Mas tenho de pensar na minha família, no meu futuro, na família que posso vir a ter um dia, com filhos. E a Brianne não gosta muito da ideia», continua, desconcertante: «Porque, especialmente se formos na primeira nave espacial, há uma boa hipótese de não ter sucesso. Quero mesmo fazer a minha família passar por isso?»

Patrocinados