Mesmo sem o título, os «quartos» da Champions são crédito importante para que o técnico basco tenha condições de arrancar para segunda época no Dragão. Mas a margem será menor
Julen Lopetegui foi escolha inesperadaO FC Porto chegou aos quartos de final da Champions, desempenho muito positivo para uma equipa portuguesa (apesar da mancha final da derrota 6-1 em Munique
Que balanço se pode fazer depois de Munique e do clássico da Luz? Terá o difícil mês de abril alterado as contas ao primeiro de três anos de contrato de Lopetegui?
A Maisfutebol Total
E fica a ideia de que Lopetegui teve em 14/15 um «ano I» muito marcado pelas mudanças num plantel com grandes talentos, mas ainda jovem. A confirmar-se que o título desta temporada irá para o Benfica, o «ano II», que tudo indica vai mesmo existir, terá margem bem menor para o técnico basco.
O primeiro ano de Lopetegui
Miguel Lourenço Pereira, analista de futebol, radicado em Madrid e natural do Porto, comenta à Maisfutebol Total
Também natural do Porto, João Nuno Coelho, formado em Sociologia e autor de livros sobre a história do futebol e a forma como se vive a paixão pelo jogo em Portugal, aponta à Maisfutebol Total
Álvaro Costa, radialista e portista confesso, vê coisas positivas no global da época do dragão, mas é crítico na rota que está a ser seguida: «O que me preocupa mais nem são os resultados desportivos desta época, que teve alguns momentos positivos, mas sim o modelo que se pretende. O segundo lugar em si dá acesso à Champions. É digamos a base de cada época. A questão é a possibilidade de o Benfica arrancar para a tal hegemonia. E para um ciclo de vitórias mais regulares, o modelo Fundos, estufa/ laboratório, aliás conhecido e reconhecido, mas que não permite identificação mínima dos jogadores com «místicas» e estruturas e perfil de jogador «à Porto», o que quer que isso signifique em 2015…»
E ainda sobre o modelo: «Os adeptos decidirão, mais tarde ou mais cedo, que modelos pretendem, e o tal regresso aos jogadores «à Porto» é o quê? O Rúben Neves, o André André, o Gonçalo, o Leandro Silva, o Hernâni e resta o Quaresma… é isso? Porque, como dizia o meu Pai, «o futebol, filho, é bola na rede»... Aplica-se em 1969, 1978, 1987 ou 2015».
O que deve mudar em 15/16?
Álvaro Costa tem visão especialmente crítica sobre a dependência do atual plantel portista ao que considera ser «a real politik
«Vejamos: Danilo e Jackson estão out, aparentemente Casemiro e Oliver… Se existe cláusula mais ampla em relação a Tello também pode alguém bater ao Barcelona, o que seria o mínimo para o catalão partir. Não sei como vai ficar Brahimi e Alex Sandro... e até o próprio Herrera, que pelo que sei não terá ficado muito contente com o que se passou na Luz… Se não incluir Marcano, Campaña, José Ángel, já temos, sei lá, uma equipa nova... Vejo muito comentador responsável, a falar que, sim, para o ano e tal e coisa... Mas com quem? Seria a terceira época de relançamento estilo, agora é que é? E se o campeonato ainda não acabou, gostava de dizer que o jogo do Nacional foi o momento mais lamentável e esse jogo para mim terá mesmo decidido esta época interna.»
O Dragão e o mito de Sísifo
João Nuno Coelho, também preocupado com as saídas que podem estar a preparar-se no Dragão, lembra-se de Sísifo (que, por ter desafiado os deuses, teve como punição ter que empurrar uma pedra até ao topo de uma montanha e, porque esta cairia sempre, teria eternamente que a ir buscar para voltar a fazer a escalada): «Era bom que continuassem todos, principalmente os jogadores de top e os que estão a caminho de o ser. Mas sabemos que não vai ser assim. Este é o crónico problema do Porto nos tempos que correm – os melhores jogadores estão sempre na porta de saída, porque não é possível mantê-los muito tempo dado o poder dos clubes das grandes ligas. O clube corre o risco de viver permanentemente como Sísifo: ter que construir de novo a equipa todas as temporadas.»
Já Miguel Lourenço Pereira vê essas alterações com maior naturalidade: «O FC Porto é um clube vendedor e aprendeu a viver com essa realidade. Para além do negócio Danilo, fechado já, é muito provável que também saia Jackson Martinez, uma promessa antiga, e ninguém se surpreenderia se Alex Sandro, que ainda não renovou e acaba contrato em junho de 2016 também seja agora vendido. São três pilares importantes aos que haveria que juntar as mais do que prováveis repescagens de Oliver e Casemiro pelos clubes de Madrid. Metade de um onze titular. Isso vai obrigar o clube a mexer-se bem e por isso é importante manter o treinador com a equipa. Será forçosa a incorporação de dois laterais e um avançado – o jogo de Munique deixou isso claro – e apesar dos rumores por confirmar das chegadas de Bueno, Sérgio Oliveira e André André, para o meio-campo, parece claro que há um défice de extremos desequilibradores, como foi Tello no seu melhor momento face à juventude de Hernâni e a inconstância de Quaresma. De como foram geridas as saídas – há um grande contingente de emprestados e alguns futebolistas como Quintero, Reyes e Adrian Lopez com um grande ponto de interrogação sobre a cabeça - dependerá muito a qualidade das incorporações sendo que não me surpreenderia nada que o modo como foi incorporado Casemiro se possa repetir com Lucas Silva ou Odegaard, dois jogadores referenciados pelo clube».
Lições de Munique
Frente ao Bayern Munique, o FC Porto terá vivido, esta época, dois momentos extremos: um dos melhores (brilhante vitória 3-1 no Dragão) e um dos piores (goleada sofrida na Baviera, 6-1).
Que lições ficam?
Lourenço Pereira elenca: «Em Munique o que houve, sobretudo, foi uma grande equipa, uma das melhores do Mundo, a jogar no máximo das suas possibilidades, sem cometer erros, a procurar ter a iniciativa e de orgulho ferido. O Bayern foi uma equipa intransponível nessa noite e nem o FC Porto que vimos na primeira mão teria evitado uma derrota. A goleada, como passou no Mineirão, no duelo entre Real e Bayern no ano passado ou entre o Bayern e o Barcelona há dois anos foi mais um estado de ânimo. Depois do terceiro golo, um hino ao futebol, a impotência tomou conta dos jogadores do FC Porto, muitos deles ainda «verdes emocionalmente» e facilitou a goleada ao Bayern. A diferença entre os dois clubes não é tão grande mas uma má noite pode acontecer a qualquer equipa, não creio que, com aquele rival, seja merecedor de um drama por parte dos adeptos e do clube».
Mesmo assim, o autor de «Sonhos Dourados – 20 Histórias, 20 Mundiais» aponta o triunfo portista na primeira mão como históricos: «O jogo da primeira mão não foi o melhor momento da época - foi o melhor momento dos últimos anos. Não só porque o FC Porto se superou em todos os sentidos – tanto a nível coletivo como tático, tanto o treinador como os jogadores – mas sobretudo porque o rival é uma equipa superlativa. Para colocar as coisas em perspetiva, convém lembrar que esta é a primeira vitória do FC Porto sobre um dos três maiores – creio que é consensual – clubes do mundo na competição em fase a eliminar desde que a equipa bateu o Dínamo de Kiev em 1987. Mesmo nos anos de Mourinho os rivais nunca foram equipas deste nível e contra o Manchester United em 2009 a eliminatória foi mais disputada mas sem um triunfo deste estilo. Foi uma das grandes noites europeias do futebol português, precisamente pelo elevado nível de exigência.»
João Nuno Coelho tem sobre a goleada de Munique leitura clara: «Antes de mais o que falhou em Munique é que a equipa do Bayern tem melhores jogadores, mais experientes, mais maduros, mais rodados, mais bem pagos. E a equipa do Porto continua a ter debilidades facilmente identificáveis, nomeadamente na sua defesa, agravadas pela ausência dos dois laterais. Acontece ainda que o Bayern fez uma primeira parte de sonho, pondo totalmente a nú as tais debilidades. Para que as coisas fossem diferentes seria necessária uma enorme capacidade de superação dos jogadores do Porto aliada a nova noite de desacerto do adversário. E já agora preencher melhor o meio-campo, e não apenas na zona central – aliás viu-se que com a entrada de Ruben e Evandro a equipa melhorou muito.»
«Nesse sentido», reforça João Nuno Coelho, «a vitória clara na primeira mão acabou por funcionar ao contrário do que se pensava: acicatou a equipa alemã e enganou a do Porto. As diferenças foram abismais – desde logo visíveis na forma como eles chegavam sempre primeiro à bola.»
Álvaro Costa aconselha a leitura da «opinião de Rob Hughes, no New York Times
«O 3-1 em casa criou ilusões, fantasias e responsabilidades excessivas para este conjunto de jogadores. A gestão do Lopetegui sobre o Reyes é o sindrome Costa e Nuno Andre Coelho com resultados desastrosos, incluindo o valor de mercado do atleta», avisa Álvaro Costa.
A goleada ao Basileia e o percurso na Champions
O desastre de Munique não estraga o essencial da boa campanha portista na liga milionária, na visão de João Nuno Coelho: «A goleada de forma alguma apaga o percurso fantástico que o Porto fez na Champions (apenas uma derrota em 12 jogos), muito acima do esperado para a dimensão do futebol português, mas deixou uma sombra sobre esse percurso, sem dúvida. O jogo mais vistoso e espetacular da época foi, sem dúvida, o jogo com o Basileia. Mas foi com o Basileia… Ganhar convincentemente a uma das três melhores equipas do mundo terá que ser sempre o momento da época, quando não se conquistam títulos.»
E ainda o nulo no clássico
Terá sido uma surpresa, a forma como o FC Porto se apresentou na Luz
«Para uma equipa que sabia que só uma vitória, e por dois golos, lhe dava a liderança o esquema com que a equipa entrou na Luz não foi o mais correto», comenta Miguel Lourenço Pereira.
«Lopetegui, tal como fez contra o Lille, quis jogar a controlar o encontro a partir da acumulação de jogadores com bom toque de bola no meio-campo, mas esqueceu-se que este jogo se assemelhava mais a uma eliminatória em que a equipa partia com dois golos de atraso. Faltou verticalidade e contundência ao jogo ofensivo do Porto. Faltou, sobretudo, o mesmo querer que foi evidente na receção ao Bayern. Tendo em conta o desgaste físico e emocional desses dois jogos, acho que o Lopetegui entrou na Luz em modo de contenção de danos mais do que atrás do título».
Os 3-0 ao Sporting
Álvaro Costa só ficou surpreendido… «em parte» pelo modo como o FC Porto surgiu no decisivo jogo da Luz: «Estaria sempre condicionada pelo resultado de Munique e ao contexto do jogo. Se não vejamos: empatar na Luz não é um mau resultado em si, acresce que os pontos fortes foram bem controlados, mérito do mister. O "problemazito" é que era preciso algo mais: ganhar.»
O comunicador vê dois grandes momentos na época portista até agora, para lá do 3-1 ao Bayern, que acabaria por não ter efeitos práticos: «Os melhores momentos foram os 3-0 ao Sporting