Devemos ser amigos dos nossos colegas de trabalho?

15 out 2023, 11:00
Colegas de trabalho (Pexels)

Ter amigos no trabalho tem tantas vantagens como desvantagens, segundo apontam especialistas. Se por um lado tem a capacidade de criar um bom ambiente de trabalho e um sentimento de pertença a um grupo, por outro, se os limites não estiverem bem delineados, pode ser um foco de problemas. Há, assim, algumas dicas que parecem ser essenciais para guiar estas relações

Entreajuda, companheirismo e espírito de equipa são palavras muitas vezes associadas a um bom ambiente de trabalho. As empresas lutam por esta atmosfera que se considera saudável e produtiva e até desenvolvem atividades fora do local de trabalho para a promover. Mas será que devemos ser amigos dos colegas de trabalho?

“Não podemos dizer que sim totalmente nem que não totalmente”, admite Liliana Dias. A psicóloga de bem-estar, saúde e organizações garante que tudo começa na definição de amizade feita por cada um e nas “necessidades das pessoas relativamente ao trabalho”.

Mas se há quem mostre algumas dúvidas, há também quem não tenha tantas reservas quanto ao tema. “Não vejo impedimentos. Eu sou amiga dos meus colegas de trabalho”, afirma a investigadora do CoLABOR Dora Fonseca.

“As relações recíprocas no local de trabalho - e não necessariamente pessoais - dão satisfação e suporte emocional, reduzem o stress, atenuam as preocupações habituais do trabalho e têm a capacidade de criar um sentimento de pertença a um grupo”, reconhece Liliana Dias, apontando uma série de vantagens.

Para além destes aspetos positivos, a psicóloga reforça ainda o “aumento da produtividade e do engagement” que decorre das amizades no trabalho, bem como a entreajuda entre os trabalhadores, que se tornam “mais colaborativos”. “Os trabalhadores ajudam-se”, garante a psicóloga, que vai mais além e fala em “comprometimento”: “Muitas vezes, as pessoas não deixam o trabalho por causa destas relações, que os tornam leais ao local de trabalho”.

As amizades laborais têm “as mesmas vantagens que as amizades fora do trabalho”, afirma Dora Fonseca. Ainda assim, constata, há um ponto em que os amigos do trabalho conseguem superar os restantes: “Se falarmos de questões laborais, estes amigos vão identificar-se mais facilmente com as nossas dores do trabalho, enquanto os outros podem não entender tão bem”.
Mas, se à primeira vista tudo parece funcionar bem, fazer amizades no trabalho pode não ser tanto um mar de rosas. “Há desafios específicos”, alerta a psicóloga de bem-estar, saúde e organizações, e o primeiro deles prende-se com a falta de “consciência dos limites”.

“Se não se tiver os limites claros, estas relações podem ser um motivo de distrações face ao trabalho e criar conflitos lá dentro que não têm nada a ver com trabalho”, explica Liliana Dias. A psicóloga alerta para um “esbordar” destas amizades para o patamar mais pessoal, pondo em causa “questões de privacidade”.  “É importante saber o que contar e o que não contar aos colegas e saber o que não pertence ao contexto de trabalho”, já que, como explica, facilmente pode existir um passa-a-palavra e o que era pessoal deixa de o ser.

A “mistura de esferas”, como lhe chama Dora Fonseca, pode ser um problema, como aponta também a investigadora, que se afirma adepta das amizades no trabalho. “É preciso ter cuidado e separar bem as coisas. Se não se separar bem as duas esferas - a pessoal e a do trabalho - pode haver problemas”, entre os quais o fim das amizades ou prejudicar o trabalho, diz a investigadora.

Tem um colega de trabalho favorito? Cuidado, esse é o segundo grande problema apontado pela psicóloga Liliana Dias, que o descreve como “o risco de favoritismo”. “Ter um colega favorito - o amigo muleta - pode criar dinâmicas que não são salutares”, afirma, explicando que, nesses casos, “perdoar comportamentos que não são bons em contexto de trabalho e que não se perdoaria a outros colegas” é muito comum.

Ouvidos os argumentos a favor e contra, há ainda uma questão a ser esclarecida. 
Devemos manter as amizades do trabalho para lá do espaço e do horário laboral? “Não é um não redondo”, diz Liliana Dias, mas a psicóloga sublinha que esses comportamentos podem “fragilizar a interação com os outros” e que é “importante manter um ambiente inclusivo”.

Para além de os restantes colegas de trabalho deverem ser convidados para essas saídas, como aponta Liliana Dias, é também importante manter as pessoas com quais não se identifica tanto próximas. “Aproximarmo-nos apenas de pessoas parecidas connosco pode prejudicar os limites de crescimento e de diversidade. Devemos dar-nos também com pessoas diferentes de nós, porque também é importante para o crescimento da carreira”, conclui a psicóloga.

E se falarmos de amizades entre trabalhadores e chefias?

Se no caso de amizade entre partes iguais - dois trabalhadores - os especialistas levantam alguns problemas, enquadrarmos este tipo de relação entre chefias e colaboradores torna-se ainda mais complicado e controverso. 

“Este é um assunto ainda mais sensível”, garante Liliana Dias, psicóloga de bem-estar, saúde e organizações. Também a investigadora Dora Fonseca, que afirma ser a favor de ter amigos no trabalho, levanta uma série de questões.

Em causa está “uma questão de assimetria”, em que uma parte da relação - o chefe - tem “mais poder” do que a outra - o trabalhador. “O chefe pode invadir o espaço do colaborador, que não consegue dizer não, porque fica mais difícil fazê-lo”, aponta Liliana Dias.

A investigadora do CoLABOR, Dora Fonseca, fala em ações que, mesmo sendo inconscientes, podem fazer florescer problemas no local de trabalho. E explica: “O trabalhador pode procurar um maior facilitismo junto do chefe e o chefe pode beneficiar os amigos, mesmo até inconscientemente”.

“O chefe tem mais responsabilidade em estabelecer os limites e deve garantir o espaço e o cumprimento dos papéis”, diz a psicóloga Liliana Dias, que atribui um papel de maior responsabilidade à chefia. O respeito pelo espaço individual deve guiar uma relação de amizade entre um chefe e um trabalhador, aliado, diz Dora Fonseca, ao profissionalismo.

E se já era necessário ter cuidado com os encontros fora do local e do horário de trabalho entre colaboradores, quando se transpõe esse cenário para uma amizade entre um chefe e um trabalhador a coisa fica ainda mais complicada.

“Se se fizerem iniciativas fora do trabalho é mais difícil. Deve ser uma iniciativa para todos, para não haver a ideia de preferidos do chefe”, alerta Liliana Dias.

O meu amigo, a empresa onde trabalho, uma vaga: o que fazer?

Imaginemos o seguinte cenário: tem um amigo desempregado que, por acaso, até trabalha na mesma área e fica livre um posto de trabalho na empresa com a qual colabora. Diria ao seu amigo para se candidatar e trabalharem juntos? O que se deve fazer numa situação destas?

Em primeiro lugar, é preciso atentar às políticas da empresa sobre relações, avisa a psicóloga Liliana Dias. Se não existir nada a indicar o contrário, tudo passa a uma “questão individual”: queremos ou não divulgar a vaga a essa pessoa?

Para Dora Fonseca, a resposta é só uma: deve-se falar e transmitir o conhecimento sobre a vaga disponível na empresa. “A partir daí, lava-se as mãos e o trabalhador não tem de interferir mais, tal como o amigo não deve esperar mais nada do amigo”, diz a investigadora do CoLABOR.

Mas atenção: “É importante ter conhecimento da pessoa, devemos refletir se conhecemos mesmo a pessoa do ponto de vista profissional”, afirma Liliana Dias. A psicóloga não se fica, no entanto, por aí e, recomendando “cuidado extra”, garante: “Corremos o risco de conhecer uma faceta da pessoa que pode pôr em risco a amizade”. 

Uma vez aceite como membro da equipa, a amizade deve transpor-se para o ambiente laboral? “Uma coisa não exclui a outra”, garante Dora Fonseca, que acrescenta: “As pessoas podem ter a relação que quiserem desde que conheçam o código ético da empresa e o cumpram”.

Se quer ter amizades no trabalho, há dicas essenciais

As especialistas Liliana Dias e Dora Fonseca deixam as dicas que consideram essenciais para fazer e manter as amizades com os colegas de trabalho, de modo que nem o trabalho nem as relações fiquem comprometidas.

  • Alinhar as expectativas, percebendo se a relação de amizade é mútua
  • Ser cuidadoso para não interferir com os limites do outro
  • Haver decoro na informação que se partilha para evitar “microagressões”
  • Ser profissional e ético
  • Não se cingir às amizades que dão conforto e expandir a rede
  • Não perturbar o equilíbrio, o respeito e a equidade da empresa

Empresas

Mais Empresas

Patrocinados