"Não estamos a sugerir nem por um segundo que se possa apanhar a doença de alzheimer no sentido de uma infeção viral ou bacteriana": investigadores clarificam resultado de estudo

CNN Portugal , MJC
29 jan, 22:23
Cérebro

Não há provas de que a doença possa ser transmitida entre pessoas através de atividades quotidianas

Cinco pessoas que receberam uma hormona de crescimento humano das glândulas pituitárias (da hipófise) de dadores falecidos desenvolveram Alzheimer precoce. Segundo um estudo desenvolvido no Reino Unido, as hormonas utilizadas estavam contaminadas com proteínas que "semearam" a doença.

Portanto: “Não estamos a sugerir nem por um segundo que se possa apanhar a doença de alzheimer no sentido de uma infeção viral ou bacteriana”, garante John Collinge, coautor da investigação e diretor da Unidade MRC Prio, citado pelo Guardian. “Aconteceu apenas quando as pessoas foram inoculadas acidentalmente com tecido humano ou extratos de tecido humano que continham essas sementes, o que felizmente é uma circunstância muito rara."

Os especialistas sublinham que não há provas de que a doença possa ser transmitida entre pessoas através de atividades quotidianas.

A equipa afirma que a nova investigação, publicada na revista Nature Medicine, confirma a ideia de o alzheimer ter semelhanças com as doenças causadas por príons, inclusivamente no mecanismo através do qual as proteínas envolvidas se espalham pelo cérebro. As doenças priónicas, que incluem a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), o kuru e a BSE, são causadas por proteínas infecciosas que se propagam no cérebro. Estas doenças ocorrem normalmente de forma espontânea, no entanto, mais raramente, podem surgir de uma mutação genética ou ser transmitidas através de um tecido nervoso infetado.

Segundo os investigadores, entre 1959 e 1985, pelo menos 1.848 pacientes no Reino Unido receberam hormona de crescimento humano extraído das glândulas pituitárias de cadáveres. No entanto, a prática foi proibida em 1985, depois de se ter descoberto que alguns pacientes morreram posteriormente de DCJ, uma vez que alguns lotes estavam contaminados com priões (proteínas infecciosas) causadoras da DCJ.

Dos 80 casos deste tipo no Reino Unido, descobriu-se também que alguns tinham uma proteína chamada beta-amilóide no cérebro quando morreram – uma característica da doença de alzheimer. Embora não estivesse claro se eles teriam desenvolvido sintomas de Alzheimer, outras pesquisas mostraram que a beta-amiloide estava presente em alguns dos lotes da hormona e que, quando administrados a camundongos, estes desencadeiam uma doença semelhante à doença de alzheimer.

A equipa estudou depois os dados de oito pessoas que tinham sido encaminhadas para a Clínica Nacional de Príons entre 2017 e 2022. Concluiu-se que todos receberam hormonas de crescimento humano de cadáveres, mas não tinham DCJ. Cinco apresentavam sintomas de demência que coincidam com os critérios clínicos para a doença de Alzheimer, com início aos 38 anos de idade. Três desses pacientes tiveram exames cerebrais consistentes com o diagnóstico, enquanto dois tinham biomarcadores que preenchiam os critérios para Alzheimer.

Além disso, depois de fazer testes genéticos nos pacientes para os quais havia amostras disponíveis, a hipótese de se tratar de doença de Alzheimer hereditária também foi excluída.

Os investigadores acrescentam que os pacientes apresentaram alguns sintomas diferentes daqueles típicos da doença de alzheimer, que surge espontaneamente ou está ligada a um risco genético, considerando que isto pode dever-se ao facto de a sua doença ter uma origem diferente ou surgir de diferentes “estirpes” de beta-amilóide.

Os resultados, dizem, oferecem indícios de que a doença de alzheimer pode surgir como resultado do tratamento com a hormona contaminada. No entanto, os investigadores sublinham que, uma vez que o tratamento com esta hormona já não é utilizado, não existe o risco de uma nova transmissão por esta via. 

"Embora o novo tipo de alzheimer aqui relatado seja de grande interesse científico, pois revela uma nova forma de propagação da doença, não há razão para temê-lo, pois a forma como a doença foi causada foi interrompida há mais de 40 anos", confirmou Andrew Doig, professor de bioquímica da Universidade de Manchester, ao Guardian. "A transmissão de doenças de cérebro humano para outro cérebro não mais deverá acontecer."

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