A história do assalto de 128 milhões de dólares que chocou o mundo e a perseguição policial que se seguiu

CNN , Ivana Kottasová
7 fev 2022, 08:26
A vitrina na Sala das Joias continua vazia. Fotografia: Sebastian Kahnert/picture alliance/Getty Images

Foram precisas pelo menos nove valentes machadadas para partir a vitrina do histórico Cofre Verde de Dresden. Assim que o vidro se estilhaçou, os dois assaltantes encapuzados agarraram em 21 objetos valiosos cravejados de diamantes e desapareceram.

Foi no dia 25 de novembro de 2019. No espaço de poucos minutos, algumas das joias mais valiosas do mundo evaporaram-se.

Os seis homens acusados de realizar um dos maiores roubos de joias da história estão a preparar-se para ir a julgamento na Alemanha, que começou no dia 28 de janeiro. Mas perdura o mistério do que aconteceu às joias que eles alegadamente roubaram.

Esta é a história de um assalto que surpreendeu o mundo – e do meticuloso trabalho da polícia que levou à captura dos seis membros do gangue familiar que a polícia afirma terem sido os responsáveis.

Com mais de 4300 diamantes, os tesouros roubados do Cofre verde valiam pelo menos 113 milhões de euros (128 milhões de dólares), segundo o Ministério Público. No entanto, a diretora da Coleção de Arte de Dresden, Marion Ackermann, disse que o valor material não chega sequer para começar a refletir a sua incalculável importância histórica e cultural.

Quase todos os objetos roubados foram feitos durante o reinado de Frederico Augusto III, o último Eleitor da Saxónia e mais tarde conhecido como Frederico Augusto I, o primeiro rei da Saxónia.

Entre os objetos, estava um fecho para chapéu de 1780 decorado com 15 diamantes grandes e mais de 100 diamantes pequenos e uma espada de 96 centímetros e bainha que no total contavam mais de 800 diamantes.

O histórico Cofre Verde situa-se no Castelo de Dresden. 
Fotografia: Zoonar GmbH/Alamy Stock Photo

Mas não foi apenas o imenso valor do saque que captou a atenção do mundo, foi o descaramento com que alegadamente o ataque foi realizado.

Roy Ramm, consultor de segurança e antigo comandante de operações especiais na New Scotland Yard em Londres, disse à CNN que crimes desde tipo são cada vez mais raros.

“A segurança técnica foi melhorando ao longo dos anos com sistemas de alarme CCTV e todo o tipo de proteções de alta tecnologia, então há um alto risco de os ladrões serem detetados rapidamente e apanhados em flagrante. É preciso ter informações privilegiadas e um plano muito detalhado”, disse.

De acordo com os investigadores, quatro meses antes do assalto um suspeito foi à cidade de Magdeburgo, a 290 km a noroeste de Dresden, buscar um Audi S6 azul escuro usado: o carro da fuga.

O registo do veículo já tinha sido cancelado, mas a polícia disse que o gangue foi ainda mais longe para disfarçar as suas origens, mudando a cor para prateado, deixando apenas o teto escuro.

"O que isto me diz é que estas pessoas planearam isto ao pormenor. Pensaram em como fazer o assalto, como a polícia iria reagir e, ao mesmo tempo, pensaram em maneiras de atrapalhar a atividade da polícia ou de conseguirem ganhar tempo”, disse Ramm.

"Se alguém que fosse a passar visse o carro a sair do local e conseguisse dar uma descrição do veículo, quando a polícia começasse a investigá-lo a investigação tornar-se-ia mais complicada, mais difícil e demoraria mais tempo a solucionar.”

E a polícia diz que as preparações do gangue não se ficaram pelo carro de fuga.

Dias antes do assalto, as barras da janela por onde os ladrões entraram no cofre foram cortadas, segundo as autoridades. A retirada da grelha de metal terá causado estranheza aos transeuntes, então os suspeitos cobriram as pistas colocando as barras no lugar temporariamente, disse a polícia.

A janela estava num ponto cego, portanto, não aparecia nas câmaras de segurança e toda aquela zona estava em “completa escuridão”, disse o Ministro da Cultura e do Turismo do estado da Saxónia, ao responder a um inquérito do parlamento. Um sensor de movimento que devia ter sido acionado pelos ladrões não disparou. O ministro disse que o alarme tinha disparado no dia anterior ao crime e os seguranças não conseguiram voltar a ligá-lo. A CNN contactou o Ministério Público para saber mais pormenores sobre a falha do alarme, mas ninguém quis responder porque a investigação está em curso.

O assalto

25 de novembro de 2019

4h55

Um incêndio numa caixa de distribuição de energia perto do Cofre Verde provoca um apagão na zona.

4h57

Uma câmara de segurança capta dois ladrões a entrar na sala das joias. Um deles usa um machado para partir o vidro de uma vitrina.

4h59

A polícia recebe uma chamada sobre um arrombamento no Cofre Verde.

5h04

É enviado o primeiro carro da polícia. Pouco depois, 16 carros de patrulha são enviados para perseguir os suspeitos.

5h05

A polícia é avisada de um veículo suspeito.

5h10

É registado um incêndio numa garagem subterrânea em on Kötzschenbroder Strasse.

Cerca das 4h50 de segunda-feira, dia 25 de novembro de 2019, o gangue entrou em ação, segundo a polícia.

Primeiro, os ladrões ou os seus cúmplices incendiaram uma caixa de distribuição de energia perto do Cofre Verde. Isto provocou um apagão na iluminação da rua, deixando a zona numa escuridão total.

Às 4:57, dirigiram-se ao cofre.

A polícia disse que um vídeo da câmara de segurança mostrou que os ladrões sabiam para onde se dirigir. Depois de entrarem no edifício pela janela do espelhado Salão dos Tesouros, a polícia pensa que eles terão corrido para a Sala Heráldica em direção à Sala das Joias, onde estão em exposição as peças mais valiosas do museu.

As imagens das câmaras de segurança mostram que os ladrões demoraram poucos minutos a entrar no museu, partir a vitrina, pegar nas joias e sair. Os ladrões não conseguiram roubar todas as peças, porque algumas estavam cosidas nas caixas, disse Ackermann à televisão pública ZDF.

Mas antes de fugirem, os ladrões pulverizaram um extintor de incêndios na sala para cobrir as pistas, disse a polícia.

"Muitas vezes, as pegadas são usadas para identificar o tipo de calçado usado pelos criminosos”, disse Ramm. “Frequentemente, eles livram-se das luvas e de todo o tipo de coisas, mas esquecem-se de se livrar dos sapatos. Então, tudo o que atrapalhe o rasto forense é – digo isto com hesitação – útil.”

A polícia disse que os ladrões fugiram no Audi e que, apenas 13 minutos depois da câmara CCTV ter capturado as primeiras imagens da entrada no cofre, o carro do gangue tinha sido abandonado e incendiado numa garagem subterrânea a cinco km do local. A polícia ligou o carro ao assalto quase de imediato.

“É incrivelmente difícil usar um veículo e não deixar lá ADN”, disse Ramm. “Há imensos casos no mundo em que quantidades minúsculas de ADN foram encontradas e tal foi suficiente para ligar a pessoa a um carro. Então, ao incendiarem o carro, apagaram todo e qualquer ADN.”

A operação da polícia, com o código Operação Epaulette, nome de um dos objetos roubados naquele dia, começou no momento em que a equipa de segurança do museu fez a primeira chamada de emergência – os ladrões ainda estavam no edifício.

Os dois seguranças do cofre viram o assalto desenrolar-se nos monitores de segurança, mas não intervieram. Essa decisão foi mais tarde questionada pela polícia, mas Ackerman disse que a equipa de segurança seguiu o protocolo.

Ramm disse que os detetives começaram por verificar o museu em si.

“Estas coisas só acontecem se os ladrões tiverem informações privilegiadas”, explicou. “Têm de saber se há, por exemplo, feixes laser na sala, têm de saber se há detetores de pressão no local. É incrivelmente arriscado fazer o que eles fizeram.

“É possível que tenham feito uma vasta pesquisa sobre o edifício”, disse Ramm.

Em março de 2020, o Ministério Público da Saxónia disse que estava a investigar quatro elementos da segurança do museu. A semana passada, o Ministério Público disse à CNN que a investigação estava em curso. Um porta-voz disse que foi apresentada uma queixa criminal contra dois guardas, alegando que “não reagiram adequadamente e não impediram o roubo.”

Ele disse que outros dois seguranças foram investigados. Um era suspeito de entregar documentos sobre o Cofre Verde e sobre os sistemas de segurança aos assaltantes e foi detido dias depois do assalto. O outro segurança foi libertado depois de uma investigação.

O porta-voz acrescentou que um quarto segurança estava a ser investigado, dado que “há evidências de uma ação relacionada com o sistema de alarme, que pode ter facilitado o assalto.”

A investigação

25 de novembro de 2019, 13h00

A polícia de Desden, o Ministério Público e a Coleção de Arte do Estado dão uma conferência de imprensa para anunciar que dezenas de peças “de valor inestimável” foram roubadas.

25 de novembro

A polícia da Saxónia e da Alemanha lançam uma enorme investigação, destacando 40 agentes criminais para o caso.

28 de novembro

A polícia oferece uma recompensa de 500 mil euros em troca de informações sobre o assalto.

2 de dezembro

É feita uma encenação do crime.

20 de dezembro

A polícia diz que recebeu 1100 dicas públicas. Os técnicos forenses recolheram mais de 700 vestígios em três locais de crimes. Cerca de 50 testemunhas foram interrogadas.

5 de março de 2020

A polícia publica o esboço de um suspeito.

2 de setembro

Fazem buscas em Berlim a um homem suspeito de vender aos assaltantes cartões SIM registados sob nomes falsos.

9 e 16 de setembro

Em Berlim, fazem buscas em locais onde a polícia pensa que o carro foi modificado.

17 de novembro

Três suspeitos são detidos em Berlim. As forças especiais e mais de 1600 agentes da polícia estão envolvidos na operação. São apreendidos discos rígidos, computadores, telemóveis, machetes, machados e armas de “starter” em 20 apartamentos, duas garagens, um café e fazem buscas a vários veículos.

17 de novembro

A polícia descobre que os dois suspeitos ainda em fuga são os gémeos de 21 anos Abdul Majed R. e Mohamed R.

24 de novembro

A Interpol lança um alerta vermelho para a detenção dos gémeos.

14 de dezembro

Mohammed R.é detido num carro no bairro de Neukölln em Berlim.

17 de maio de 2021

Abdul Majed R. é detido num apartamento em Neukölln.

19 de agosto

Um sexto suspeito, chamado Ahmed R. é detido num apartamento no bairro de Treptow em Berlim.

12 de setembro

Os seis suspeitos principais são acusados.

28 de janeiro de 2022

O julgamento começa em Dresden.

Em setembro de 2020, a polícia disse que tinha recebido centenas de dicas e fez buscas em várias propriedades em Berlin que estariam relacionadas com o assalto.

Também descobriram mais detalhes sobre o carro da fuga - incluindo onde terá sido pintado ou modificado – e lançaram uma imagem de um dos suspeitos.

Depois, a 17 de novembro de 2020, quase um ano após o roubo dos tesouros preciosos do Cofre Verde, a polícia lançou uma enorme operação de segurança em Berlim, com forças especiais e 1638 agentes de toda a Alemanha.

O alvo eram cinco membros do infame “clã Remmo”, uma das famílias criminosas mais poderosas da Alemanha, que opera principalmente em Berlim.

Ralph Ghadban, cientista político e perito em clãs na Alemanha, disse que a forma como o assalto alegadamente foi efetuado e o número de suspeitos e os possíveis cúmplices envolvidos mostra o poder deste clã.

“O clã protege e ajuda os seus membros. Pode ter milhares de membros e pode dominar e aterrorizar bairros inteiros da cidade”, disse, acrescentando que a ação “determinada e rápida” durante o assalto é um dos cartões de visita do clã.

A polícia anunciou a detenção de três dos cinco suspeitos principais durante a operação em Berlim.

A polícia identificou os dois suspeitos ainda em fuga como sendo os gémeos Abdul Majed R. e Mohamed R.; foi lançada uma enorme caça ao homem para os encontrar.

A Interpol emitiu um alerta vermelho para a detenção dos gémeos, mas Mohammed só foi detido um mês depois num carro em Berlim, no bairro de Neukölln – território do “clã Remmo”.

Abdul Majed continuou foragido durante mais cinco meses antes de ser detido a 17 de maio de 2021.

Um sexto e último suspeito do caso foi detido em agosto de 2021, segundo a polícia.

Um mês depois, os procuradores à frente do caso acusaram finalmente os seis homens por crimes como assalto de gangue violento e fogo posto. Três dos suspeitos são irmãos e os outros três são primos deles. Dois dos acusados foram anteriormente condenados por roubarem uma moeda comemorativa de ouro de 100 quilos conhecida por “Big Maple Leaf” (grande folha de ácer) do Museu Bode de Berlim e estão agora a cumprir as respetivas penas.

A CNN contactou os representantes dos acusados para obter um comentário.

Os suspeitos podem estar presos, mas para a polícia a investigação está longe de terminar.

“Num caso desta natureza, em que os objetos são insubstituíveis, a maioria dos detetives com quem trabalhei ao longo dos anos diria que o trabalho ficou a meio, pois os objetos não foram recuperados”, disse Ramm.

A vitrina na Sala das Joias continua vazia. 
Fotografia: Sebastian Kahnert/picture alliance/Getty Images

Então, o que aconteceu às preciosas joias que foram roubadas daquela vitrina naquele dia de novembro de 2019?

Ramm e outros peritos acreditam que o cenário mais provável é aquele que os curadores do museu mais receavam: que os objetos roubados terão sido fragmentados: as pedras vendidas e os metais preciosos derretidos.

“Tudo isso requer organização”, disse Ramm. “É muito raro que as pessoas que roubaram os objetos sejam as pessoas que se descartaram deles. Tem de haver uma rede e é por isso que a polícia está muito interessada em apreender os telemóveis, os computadores, tudo o que possa revelar as ligações entre as seis pessoas que em breve vão levar a julgamento e outros grupos criminosos.”

Discos rígidos, computadores e telemóveis foram apreendidos durante a gigantesca investigação da polícia, mas os tesouros roubados desapareceram sem deixar rasto.

O Cofre Verde continuou fechado ao público durante meses, devido à investigação e depois à pandemia do coronavírus. Quando reabriu, em maio de 2020, o armário vandalizado foi reparado, mas continuou vazio, propositadamente.

O julgamento deve durar até ao fim de outubro. Se forem condenados, os suspeitos enfrentam penas pesadas.

 

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