Criança de quatro anos ficou esquecida na carrinha escolar. Quem é responsável e o que lhe pode acontecer?

17 abr, 18:00
Transporte escolar

Dificilmente se trata de um crime porque não terá havido dolo. Caso contrário podia haver pena de prisão

Uma criança de quatro anos deixada mais de duas horas sozinha na carrinha escolar pode ser considerada uma “situação de abandono” cuja responsabilidade cai no responsável pelo transporte. Embora a legislação preveja responsabilidades criminais para este tipo de casos, é preciso verificar a existência de dolo - a intenção deliberada de abandonar a criança - para que se avance com um processo criminal. Só assim são aplicáveis as medidas adequadas.

Quando uma educadora de uma creche de Fafe ligou ao pai de um dos seus alunos a perguntar onde estava a criança, o pai informou a mulher que o avô do menino o tinha levado, como de costume, de manhã. A criança foi deixada na carrinha escolar, que faz o consequente transporte para a creche. Só que o menino nunca chegou à educadora, porque ficou esquecido no interior da viatura.

Entre cerca das 09:00 e as 12:00 a criança esteve sozinha na carrinha. Acabou por ser encontrada, no mesmo local onde tinha sido deixada pelo avô, na viatura disponibilizada pela junta de freguesia local. O advogado Paulo Saragoça da Matta admite que esta se trata de uma situação de abandono, mas ressalva que dificilmente será um caso criminal.

O especialista em Direito Penal explica à CNN Portugal que, para que esse fosse o caso, era preciso verificar a existência de dolo, uma intenção deliberada de abandonar a criança, o que não terá acontecido.

Segundo Vânia Costa Ramos, especialista em Direito da Família, a responsabilidade criminal só se configura “quando há risco de vida ou exposição ao abandono intencional". Caso se conclua que o incidente foi “resultado de um infeliz esquecimento, sem a presença de dolo, é provável que o Ministério Público opte pelo arquivamento do caso”, frisa o advogado, Paulo Saragoça da Matta.

No fundo, para que aquelas molduras penais se pudessem vir a aplicar, o Ministério Público teria de entender este caso como propositado.

Paulo Saragoça da Matta concorda: "A vida da criança tinha de estar em perigo" para se efetivar um crime de abandono, sendo "necessário que se comprove" que esse abandono ocorreu com dolo. Apesar de o advogado indicar que o mais provável é que o Ministério Público arquive o caso, é essencial que sejam realizadas investigações aprofundadas para esclarecer todas as circunstâncias do incidente e identificar as possíveis falhas no sistema de transporte escolar.

Em todo o caso, refere Paulo Saragoça da Matta, exposição ao abandono é um crime público. O mesmo é dizer que se o Ministério Público entendesse que houve o tal dolo poderia abrir uma investigação sem necessidade de queixa.

De acordo com o Código Penal português, consiste uma situação de exposição ou abandono "quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se; abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir.

Ora, não é crível que aquela fosse uma situação que colocasse a criança em perigo. Em todo o caso, um menor é considerado alguém indefeso, pelo que se pode ter verificado o segundo ponto. Neste caso, e segundo o Código Penal, pode haver uma pena de prisão de um a cinco anos.

Situação diferente seria se o abandono tivesse sido responsabilidade de um ascendente ou descendente (um pai, por exemplo), onde a moldura penal se agravaria para dois a cinco anos de prisão.

Em último caso há dois cenários que não se verificaram: ofensa à integridade física grave, com uma pena de prisão que pode ir de dois a oito anos de prisão; morte da criança, com pena de prisão de três a dez anos.

Quanto à criança, ainda foi transportada para o hospital por precaução, mas acabou por ter alta logo depois.

A GNR tomou nota do incidente e encaminhou o processo ao Ministério Público junto ao Tribunal de Fafe. Agora, cabe às autoridades decidir se algum procedimento será instaurado ou se o caso será arquivado.

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