Catarina viu a mãe ser morta pelo padrasto e quase perdeu a vida. Está sozinha numa instituição enquanto a Justiça decide se pode ir viver com o pai

18 jun 2023, 14:00
Criança

A história de Catarina é pesada para a sua idade. Seria para qualquer adulto. Vítima de violência doméstica, viu a mãe morrer diante dos seus olhos, às mãos do seu companheiro. Está numa instituição, presa na lentidão da justiça

Catarina, nome fictício, tem 15 anos. Viu a mãe, vítima de violência doméstica, ser morta à sua frente, pelo padrasto, e ao tentar defendê-la quase perdeu a vida. Esteve meses internada e sofreu sequelas que vão durar para o resto da vida. Agora está numa instituição enquanto a justiça tarda em decidir se pode ou não ir viver com o pai, que está no Brasil. Ou ficar com uma tia-avó que veio para Portugal para estar junto dela.

Os meses passam e Catarina está sozinha numa instituição. Do outro lado do Atlântico espera e desespera o pai. O seu advogado, João Massano, lamenta, em declarações à CNN Portugal, a lentidão do caso: “A culpa do atraso é da burocracia processual que tem vindo a imperar neste processo e impedido a entrega da menor ao pai.”

Até ao momento o tribunal não tomou nenhuma decisão e o tempo vai passando com pedidos e elaboração de “relatórios”, explica João Massano. O advogado escusa fazer mais comentários sobre o processo, porque este ainda decorre, mas lamenta que a opção tenha sido colocar a adolescente numa instituição.

Os pais separaram-se quando Catarina ainda era pequena e a mãe voltou a casar. O pai esteve sempre presente na vida da filha, mesmo quando a mãe e o padrasto vieram do Brasil para Portugal, em 2019. Do novo casamento nasceram três crianças. Meios-irmãos de Catarina. O mais velho ainda não tem dez anos.

A violência doméstica tornou-se uma realidade na família, com queixas apresentadas pela mãe de Catarina. Em 2021, o casal separou-se e a mãe foi viver com os filhos para um local desconhecido do padrasto. Na verdade, além da violência doméstica, Catarina também foi alvo de abuso sexual. Mesmo assim, o padrasto tinha direito a visitas supervisionadas com os filhos.

Catarina defendeu a mãe, lutou pela vida e agora espera pela Justiça

Em outubro de 2022, o padrasto descobriu onde viviam e concretizou as ameaças feitas no passado. Em frente a Catarina e aos três filhos menores tirou a vida à ex-mulher. Na altura com 14 anos, Catarina tentou defender a mãe e foi brutalmente agredida. Acabou ela própria internada no hospital, gravemente ferida, a lutar pela vida.

Esteve internada meses, foi submetida a duas cirurgias e terá mais pela frente. As lesões deixaram sequelas físicas, mas as marcas mais profundas estão escondidas dentro de si. E, agora, está sozinha numa instituição. Perdeu a mãe, está longe dos irmãos e da família que lhe resta. E aos 15 anos já viu mais do que muitos adultos poderão imaginar.

O padrasto foi detido e está acusado de um crime de homicídio qualificado consumado, um crime de tentativa de homicídio qualificado, um crime de abuso sexual de criança agravado, quatro crimes de violência doméstica agravado e um crime de detenção de arma de fogo. 

Atualmente, decorre um processo de Promoção e Proteção de Menor e já foi requerido que a adolescente deixe a instituição e seja colocada junto de um familiar. Seja o pai, que se encontra no Brasil e quer a filha consigo, seja uma tia-avó, e também madrinha, que se mudou, entretanto, para Portugal para estar com Catarina. Mas até agora o Tribunal não se pronunciou.

“A instituição é o último reduto, no sentido de não haver mais hipóteses”

Melanie Tavares é psicóloga e coordenadora do Instituto de Apoio à Criança e não tem dúvidas que em casos de violência doméstica, de extrema violência, “é fundamental, num processo traumático, o suporte familiar e o suporte social”. E por isso, admite, seja neste caso ou situações semelhantes, que “a primeira decisão que se devia ter é pelo acolhimento familiar. É aquela que é mais indicada, desde que haja condições de alguém da família, de ser cuidador”. Até porque “a instituição é o último reduto, no sentido de não haver mais hipóteses”.

O caso de Catarina fez manchetes e aberturas de jornais e muitos, provavelmente, recordam-se da história. Melanie Tavares lembra que a adolescente “perdeu todas as suas referências e ainda está numa instituição. Tem alguém que quer cuidar dela, e isto está a ser vetado pela quantidade de burocracia". "Isto só está a potenciar problemas de saúde mental.”

De alguma forma para a psicóloga, Catarina está “num processo de dupla vitimização. Foi vítima de violência doméstica e está a ser vítima do sistema”. 

Questionada sobre se em situações mais extremas e violentas, que envolvem crianças, a justiça devia ser mais célere, a psicóloga não podia estar mais de acordo. "Até para reparar o dano. Nós sabemos que quanto mais tempo passa, mais se cristalizam os traumas e, portanto, até a sintomatologia acaba por agravar-se, porque com certeza que esta criança tem aqui, provavelmente, um quadro depressivo, eventualmente um quadro de ansiedade generalizado, que são aqueles sintomas mais comuns de um tipo de vivência traumática este género. Depois vê-se completamente abandonada à sua sorte.”

Um sofrimento que é comum a muitas crianças vítimas de violência doméstica, lembra Melanie Tavares. “Nestes casos de violência doméstica, as crianças são as principais vítimas porque, depois de passarem por aquilo tudo, ainda vão viver para um sítio que não lhes diz nada.”

Catarina já terá pedido para sair da instituição, mas a falta de resposta deixa-a ainda mais frágil. O Estado terá falhado antes, na proteção da família e continua a falhar agora, mantendo Catarina afastada de quem lhe quer bem.

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