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Major-general

Ao fim de nove meses, vamos a factos

27 nov 2022, 12:19

Na sua brilhante apresentação durante a CNN International Summit no passado dia 21 de novembro, Richard Quest, a propósito da importância e qualidade da informação, repetiu vezes sem conta “Evidence my boy, evidence”.

Também aqui ao analisarmos um dos mais complexos fenómenos da atividade humana, a Guerra, devemos ater-nos sobretudo aos eventos em si mesmos, por outras palavras, aos factos. Só assim seremos capazes de chegar ao âmago das questões e também discernir sobre a sua possível evolução, sem entrar no domínio da fantasia ou futurologia baratas. Deste modo, é sempre preferível optar por analisar factos e extrair as conclusões mais adequadas e pertinentes sobre os mesmos. A futurologia de pacotilha deve ser deixada aos profissionais dessa área.

Posto isto, volvidos 9 meses de guerra na Ucrânia vamos às evidências. Sim porque estas não mistificam, nem enganam. Passam invariavelmente incólumes às múltiplas narrativas, mais ou menos obtusas ou distorcidas da realidade.

Desde logo como primeiro e mais saliente facto a destacar é sem dúvida a circunstância irrefutável de que o exército da Federação Russa tem vindo a ser derrotado no terreno. Inicialmente em Kiev, depois em Kharviv e agora em Kherson.  

Como segundo facto incontroverso temos mesmo de admitir que a Ucrânia conquistou a iniciativa operacional e não para de somar vitórias no campo de batalha.

Em terceiro lugar, surge outra evidência inquestionável. A nível diplomático a estratégia russa tem-se revelado um autêntico desastre. Pois surge sempre com uma postura que varia entre a arrogância, a ameaça, a intimidação e a vitimização. Queixa-se inclusivamente de algo inconcebível: russofobia! Verdadeiramente espantoso, só encontrando paralelo nas melhores e mais refinadas ações de propaganda hitleriana engendradas por Goebels durante a segunda Grande Guerra.  

Em quarto lugar e diretamente relacionado com o anteriormente mencionado, a verdade é que a Rússia se encontra hoje muito mais isolada no plano internacional, adotando uma postura ameaçadora em tudo reveladora de fraqueza estratégica e de que poderá a estar a entrar num beco sem saída. Por outras palavras, a colapsar.

A opção pelas vulgares artimanhas de intimidação quando se está a perder é já muito antiga e disso mesmo encontramos exemplos na própria natureza, particularmente no reino animal. Muitos machos "enchem o peito", parecem gigantes, mas no fundo não passam de balões à beira de rebentar.

O que se passa no terreno, no tipo de ataques bárbaros às estruturas de fornecimento de energia, a hospitais e outras infraestruturas críticas é disso exemplo paradigmático. É o desespero total. Ataques cobardes às populações indefesas por pura incapacidade de se defrontar cara a cara, no campo de batalha, com o bravo exército ucraniano.

As provocações recorrentes ao Ocidente são mais uma evidência. Desde as ameaças de uso de armas de destruição em massa, passando pelos cortes no fornecimento do gás e do petróleo, tudo serve.

Porém o dito Ocidente Alargado já provou que consegue viver sem essas fontes de energia fóssil provenientes do território russo. Nesta fase de transição, agora mais célere, para as fontes de energia renováveis é sempre possível encontrar outros fornecedores. Esta chantagem sobre todos nós traduziu-se no acelerar desses processos de transição para as referidas fontes de energia limpas. Tocou a rebate e o Ocidente Alargado, governantes e populações, compreenderam em definitivo que os valores da liberdade, da democracia e da tolerância são inegociáveis e que a Ucrânia tem de ser apoiada enquanto for necessário. Não é altura para esmorecer e muito menos para procurar soluções diplomáticas sedentas de compromisso a qualquer preço. Estas até poderão servir a paz imediata, no entanto a história dos conflitos é pródiga em exemplos de que estas soluções precipitadas provocam novos conflitos e com uma dimensão mais violenta e devastadora. Também na Ucrânia e sem surpresa, estes ataques sistemáticos às infraestruturas críticas produziram exatamente o efeito contrário ao esperado pela Federação Russa. A motivação das populações para combater o invasor nunca foi tão elevada e notória como agora.

Finalmente as sanções económicas e tecnológicas, não obstante algumas narrativas contrárias, parecem estar a produzir os efeitos esperados. O estado de desespero é claro. A poderosa Rússia procura adquirir mísseis e drones ao Irão e munições de artilharia à Coreia do Norte. Quem diria? Esta guerra não cessa mesmo de nos surpreender!

Infelizmente e vistas todas estas evidências, esta guerra está mesmo para durar. A Ucrânia conquistou a iniciativa e não vai querer certamente perdê-la. Os sinais vindos do ocidente são cada vez mais inequívocos. As fábricas de material de guerra de um e de outro lado do Atlântico encontram-se em regime de laboração acelerada e os indispensáveis pacotes de apoio financeiro continuam a ser consecutivamente aprovados.

Em síntese, Putin convicto de que esta aventura expansionista não passaria de mais um “passeio domingueiro” em tudo semelhante ao que teve lugar em 2014 na Crimeia, acabou por encontrar um novo “David”. Este já tinha mais do que uma mera fisga para se defender e assim foi resistindo. Eis senão quando o “adormecido Adamastor”, agora confortavelmente instalado nas águas do Atlântico Norte e também há pouco tempo apelidado de “morto cerebral”, resolve erguer-se desse estado letárgico e dizer a “Golias”: Nós estamos aqui e não vamos permitir mais um combate desigual. Duas vezes, uma na Geórgia e outra na Crimeia, já foi demasiado.

Basta, uma terceira jamais!

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