SEF já sinalizou 95 vítimas de tráfico humano em Portugal em apenas seis meses

26 jul 2023, 18:03
Operação do SEF

Número de sinalizações feitas pelo SEF de potenciais vítimas quase triplicou. E todas estão ligadas ao caso BSports Academy. Mas o número final será maior. Maioria das vítimas detetadas são traficadas para a “exploração laboral” na “agricultura”. Segundo os relatórios do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, o crime tem aumentado em Portugal nos últimos anos

Desde 1 de janeiro até final de junho de 2023, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sinalizou 95 vítimas de tráfico humano em Portugal. Em 2022, o número total – do ano inteiro – tinha sido de 32. Ou seja, em apenas seis meses, o valor quase triplicou. Estas vítimas estão quase todas ligadas ao caso BSports Academy.

Segundo informação avançada à CNN Portugal, o SEF explica que "na sequência das operações levadas a cabo no primeiro semestre do ano em curso, e que foram já reportadas ao Observatório do Tráfico de Seres Humanos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) sinalizou um total de 95 presumíveis vítimas associadas ao crime de tráfico de seres humanos (TSH), das quais 57 adultos e 38 menores". O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sublinha, no entanto "que se tratam de dados provisórios".

O SEF adianta ainda à CNN Portugal que "relativamente às nacionalidades das presumíveis vítimas deste crime, tratam-se de 20 nacionalidades distintas, estando entre as mais relevantes a colombiana, a brasileira e a mexicana, com 22, 17 e 12 presumíveis vítimas registadas". Recorde-se que estes são dados relativos ao primeiro semestre de 2023.

Olhando apenas para o SEF, e para anos anteriores, em 2021 foram sinalizadas 54 vítimas; em 2020 foram identificadas 59 e, em 2019, tinham sido assinaladas 86. O número este ano, que representa apenas seis meses, é já mais alto que os valores dos últimos quatro anos.

Vejamos o seguinte quadro com informação também avançada pelo SEF, relativamente às vítimas sinalizadas e nacionalidades mais relevantes, entre 2018 e 2022:

Ano Vítimas Nacionalidades mais relevantes
2018 59 moldava e sul africana
2019 86 moldava, romena e angolana
2020 59 indiana, paquistanesa e romena
2021 54 moldava, romena e marroquina
2022 32 colombiana, brasileira, guineense-Bissau

Dados nacionais com números de todas as policias

Também o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) divulga, anualmente, os dados com base na informação enviada por todas as polícias que investigam este crime. SEF, GNR, PSP e PJ. Mas há também denúncias de Organizações Não Governamentais (ONG) e outras entidades. 

Olhando para os últimos quatro relatórios, de 2018 a 2021, (aqui já com os dados de todas as entidades) é fácil perceber que este crime tem aumento. O número apenas baixou em 2020 e isso facto pode estar relacionado com a pandemia de covid-19, que limitou a deslocação de pessoas em todo o mundo.

De referir, ainda, que nem todas as sinalizações se comprovam como verdadeiros casos de Tráfico Humano. As sinalizações são feitas perante suspeitas e, felizmente, muitas situações acabam por ter outras explicações e as investigações são encerradas. Por isso, as vítimas também são descritas como "presumíveis". Os dados aqui apresentados são das sinalizações.

Sinalizações  
2018 203
2019 281
2020 229
2021 318

Em relação aos menores envolvidos no Tráfico Humano, os números revelaram-se mais ao menos estáveis, com exceção de 2020. 

Menores sinalizados  
2018 29
2019 25
2020 5
2021 24

Da análise dos relatórios Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) também se conclui que a grande maioria das vítimas sinalizadas tinha como destino a exploração laboral. E que esta representa uma percentagem cada vez maior. Por exemplo, em 2021, 80% das vítimas sinalizadas eram para exploração laboral sendo que destas 74% era na área da agricultura. Em segundo lugar a uma distância considerável (11%) aparece a construção civil.

Depois da exploração laboral, mas com valores bastantes inferiores, aparece a exploração sexual. No caso do tráfico de menores já houve situações detetadas para adoção, mas são pontuais.

Além disso, nos últimos 5 anos (entre 2017 e 2021), em termos absolutos, o número de vítimas sinalizadas do sexo masculino é superior às do sexo feminino. Apenas em 2017, o sexo feminino teve um valor superior chegando aos 58%.

O último relatório disponível para consulta, o de 2021, mostra ainda que foram sinalizadas vítimas de 25 nacionalidades (em 2020 tinham sido 17 nacionalidades): 

- Continente africano: 51,3%

- Continente europeu: 31,6%

- Continente asiático: 12,4%

- Continente americano: 4,7%

O caso chocante de uma jovem de 17 anos raptada no Gana

Nos seus relatórios anuais o Observatório do Tráfico de Seres Humanos divulga casos decorridos durante o ano mencionado, sejam detenções, sejam condenações. Algumas destas histórias são chocantes e mostram-nos uma realidade, da qual às vezes se parece duvidar. 

Num desses relatórios encontramos o caso de uma jovem de 17 anos que foi alvo de exploração sexual por parte de uma cidadã estrangeira. Uma mulher que acabou condenada em 2019, num tribunal português (Porto), a seis anos de prisão e a pagar uma indeminização à vítima de 100 mil euros. A arguida estava acusada do crime de tráfico de pessoas para exploração sexual.

Mas até chegar a Portugal, onde acabou resgatada em 2017, o percurso da menor foi todo marcado por abusos. Fora raptada no Gana, mantida em cativeiro e transportada até à Líbia. Durante esse trajeto, incluindo no deserto, foi alvo dos mais variados abusos. Acabou por ser levada por traficantes de pessoas num barco e acabou em Itália.

Em Itália recebeu documentos e foi acolhida num centro de imigrantes. Todavia, dois homens da sua nacionalidade (Gana), e também traficantes, conseguiram desviá-la do centro. Foi levada para um apartamento em Roma, onde foi novamente alvo de abusos.

Depois trouxeram a vítima de Roma até à cidade do Porto e, mais uma vez, ficou retida numa casa, sob as ordens da mulher condenada. Esta ameaçou fazer mal aos pais conseguiu subjugar a menor e submetê-la a tudo o que queria. Foi obrigada a prostituir-se nas ruas da cidade e todos os ganhos dessa atividade revertiam a favor da, entretanto, condenada. A menor manteve relações sexuais com cerca de 10 homens por noite, durante o período em que foi explorada. 

Adolescente aliciado numa rua em Luanda

Noutro relatório encontramos o caso de um suspeito, de nacionalidade estrangeira, de tráfico de seres humanos detido no Aeroporto de Lisboa e a quem foi decretada prisão preventiva. Foi detido na posse de documentos de um adolescente de 15 anos.

O menor foi aliciado pelo homem, numa rua de Luanda, em Angola, para uma viagem à Europa. No decorrer da viagem disse-lhe que seguiriam para Cabo Verde, onde um grupo aguardava a sua chegada. Assim que chegou a Lisboa, o adolescente fugiu e acabou por ser encontrado pelo SEF.

Segundo a investigação, a abordagem ao menor aconteceu em fevereiro de 2020, numa rua em Luanda. O detido perguntou-lhe se queria passear para o estrangeiro com outro menor, ao que este acedeu. Na viagem só vinham os dois. Não havia outro menor.

Após a fuga do menor, no aeroporto de Lisboa, o arguido fugiu e regressou para o seu país de destino, local onde lhe foi recusada a entrada. Acabou obrigado a regressar ao aeroporto de Lisboa, onde foi detido. Na sua posse ainda tinha os documentos do adolescente.

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