Da "tática" da amnésia às gravações do acidente. As contradições durante o julgamento da morte de Sara Carreira

25 out 2023, 18:00

Nas primeiras duas sessões de julgamento do acidente que levou à morte da cantora Sara Carreira, foram lançadas dúvidas sobre as provas que levaram à acusação de Ivo Lucas, Paulo Neves, Cristina Branco e Tiago Pacheco. Tony Carreira, que se constituiu como assistente, pede que haja mais "humanidade" nos seus testemunhos e critica "táctica" de amnésia assumida por alguns destes arguidos

Acusações de “amnésia” táctica, constantes dúvidas sobre a velocidade dos veículos envolvidos no acidente em cadeia na A1 e uma interrogação de Tony Carreira: “Porque é que o teste de álcool foi feito cinco horas depois do acidente?". As contradições adensaram-se nos primeiros dois dias do julgamento de Sara Carreira, com arguidos a contrariarem a versão do Ministério Público e a insistirem que não se lembram dos detalhes do acidente.

30km/h ou 80km/h? Paulo Neves contraria versão do Ministério Público

Uma das grandes novidades do julgamento surgiu já depois de todas as testemunhas indicadas pelo Ministério Público terem sido ouvidas. A defesa de Paulo Neves, que é acusado de conduzir a 30 km/h e sob influência de álcool, chamou Fábio Montez, da Direcção de Investigação Criminal da GNR, para o questionar sobre a fiabilidade da informação sobre a velocidade a que os veículos circulavam.

Este perito garantiu que “a qualidade das imagens” registadas na gravação da Brisa “é fraca”, “devido ao sistema de gravação” e que, por isso, as filmagens dos momentos antes do acidente em cadeia ficaram “queimadas”. Depois, explicou como determinou a velocidade dos veículos envolvidos no choque. “Determinei um ponto e, a partir desse ponto, retirei 4 segundos a todos os veículos, quando tirei os 4 segundos é que consegui perceber a velocidade dos veículos". 

Perante a insistência da Defesa sobre como pode ser fiável este método de cálculo da velocidade a que ia o carro a partir de imagens estáticas e, particularmente sobre o tempo que demorou (3 meses), esta testemunha sublinhou que, embora não se tenha conseguido “uma fiabilidade exata”, “acho que cheguei a uma conclusão bastante boa".

"Pergunte à GNR porque o teste de álcool foi feito 5 horas depois do acidente"

As respostas deste especialista surgem depois de Paulo Neves ter negado repetidamente que, na noite do acidente, estaria a circular na faixa da direita na A1 a uma média de 30 km/h antes de o carro onde estava Cristina Branco colidir com o seu, como consta na perícia da GNR ao acidente. “Tenho muitas dúvidas”, afirmou, “estava a conduzir a 70 ou a 80 quilómetros por hora”.

Já relativamente à taxa de alcoolemia que lhe foi feita após o acidente e que indicou que estaria a conduzir com 1,18 gramas por litro de sangue (acima por permitido por lei – 0,5 gramas por litro), Paulo Neves disse “ter que aceitar” o resultado do teste, já que tinha estado com “dois colegas a lanchar, a beber vinho e a comer queijo”. “Conscientemente eu pensava que estava bem". 

Mas os contornos deste teste à taxa de alcoolemia estiveram nestes dias de julgamento envoltos em controvérsia. Paulo Neves só o realizou entre quatro a cinco horas depois do acidente no hospital, sendo que essa demora pode ter influenciado o resultado, sugeriu o cantor Tony Carreira esta terça-feira. "Pergunte à GNR porque o teste de álcool foi feito 5 horas depois do acidente", disse.

Ivo Lucas diz que não se recorda de excesso de velocidade

“Não íamos com pressa de chegar”, esta foi uma das poucas certezas que o ator Ivo Lucas deu ao tribunal, sublinhando que não se recordava se ia, ou não, acima dos 120 quilómetros por hora. O Ministério Público afirma que o namorado de Sara Carreira circulava a 130 km/hora na faixa central da A1 e não conseguiu desviar-se do carro de Cristina Branco, que antes tinha colidido com o de Paulo Neves. 

O arguido revelou ainda que também não se recordava em que via o carro estava a transitar, mas garantiu que, antes do acidente, tinha avisado um casal de amigos, com quem iam passar o fim de semana, em Salvaterra de Magos, que se iam atrasar.

Lucas também disse não se recordar porque embateu contra o veículo de Cristina Branco. “Foi tudo muito rápido e as minhas memórias são flaches”, justificou. 

Veículo de Cristina Branco “não estava vísivel”, mas oito carros passaram por ele antes do acidente

Cristina Branco, que também foi acusada de homicídio negligente, após ter colidido com o carro de Paulo Neves, contrariou novamente a posição do Ministério Público de que a fadista deveria ter colocado o triângulo de sinalização do acidente. Não o fez, explica, porque estava “confusa e em estado de choque” e porque “estavam carros a circular”, entre os quais recorda a passagem de um camião.

O facto de não ter existido este tipo de sinalização já tinha levado a defesa de Ivo Lucas a atribuir à fadista as culpas do acidente, porque o veículo desta "não estava visível, e não havia qualquer sinalização de que existia um objeto imóvel na estrada”.

No entanto, em tribunal, o militar da GNR que elaborou o relatório final da investigação ao acidente disse que pelo menos oito viaturas passaram pelos carros de Cristina Branco e de Paulo Neves antes de o veículo onde iam Ivo Lucas e Sara Carreira ter colidido com o da fadista.

Tiago Pacheco nega conduzir a 150 km/h e diz que apenas viu “umas luzes laranja”

Tiago Pacheco, que naquela noite embateu contra o veículo onde estavam Sara Carreira e Ivo Lucas, também rejeitou a tese do Ministério Público de que estava a conduzir a uma velocidade entre 146,35 e 155,08 Km/h, afirmando que circulava a cerca de 85/86 Km/h minutos antes do acidente.

Já confrontado por não ter reduzido a velocidade ao aperceber-se da colisão à frente, Pacheco disse que “não sentia necessidade de o fazer”, por não ter visto sinalização que indicasse um acidente, notando apenas "luzes laranja" na faixa de rodagem.

Tony Carreira pede “humanidade” aos arguidos e acusa-os de “táctica” de amnésia

O pai de Sara Carreira, que tem assistido ao julgamento com a ex-mulher Fernanda Antunes, lançou duras críticas aos testemunhos dos arguidos em tribunal esta terça-feira, afirmando que a maioria não tem tido “uma percentagem mínima de humanidade”. orque aconteceu com eles podia ter acontecido com eles ou com qualquer um. Mas no mínimo é assumir o que aconteceu", disse.

À saída do tribunal de Santarém, disse sentir-se "desiludido”. “A maior parte dos arguidos, de uma forma global, optou por uma táctica de advogados que é a amnésia", sublinhou, salientando que tem "muita compaixão para dar e vender, mas não por mentiras". "A amnésia está na moda dentro dos tribunais”.
 

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