"O meu neto não pára de chorar". Familiares de ucranianos de coração nas mãos

25 fev 2022, 15:55
Ucranianos

A Europa parou na passada madrugada com a ofensiva militar da Rússia contra a Ucrânia. Já foram registadas baixas e feridos, e o açambarcamento nas superfícies comerciais reflete o cenário de terror. Em Portugal, quem mais sofre são aqueles que deixaram a Ucrânia ainda crianças e hoje receiam uma chamada perdida de um familiar que lá ficou.

Lyudmyla Serhiyenka dormia tranquilamente esta quinta feira de manhã quando o telemóvel tocou. Era o marido da sua prima, que vive em Donetsk, no sudeste da Ucrânia. "Bom dia", disse automaticamente ao atender. "Bom dia nada! Começou a guerra", , ouviu do outro lado. Lu - como lhe chamam as pessoas mais próximas - recebeu assim a notícia: A Rússia invadira a Ucrânia. Sem pensar duas vezes, a jovem de 25 anos desatou a contactar todos os seus familiares no país – os que deixou para trás com apenas 14 anos para viver em Lisboa com os pais. 

O que vejo na internet é assustador", conta Lu à CNN Portugal.

Lutando para conter as lágrimas, Lu recorda agora a intervenção militar russa na Crimeia em 2014, situação "muito parecida", diz: "Tudo começou com uma revolução, mas acabou por se transformar numa guerra". Custou-lhe a vida de um dos 11 tios, morto a proteger Lugansk em 2015, cinco dias depois do seu aniversário. "Preparava-me para regressar a Portugal de umas férias e disseram-me que tinham encontrado os restos mortais. Foi horrível.". Lembra-se das últimas palavras de Andriy quando foi chamado para combater: "Se toda a gente recusar, quem vai?". Muitos amigos foram e regressaram, ele nunca mais voltou.

Lyudmyla Serhiyenka (Imagem: DR)

"O meu neto não pára de chorar"

Em Évora, no Alentejo, Nadia e Mykhaylo Kovalenko estão em contacto com os dois filhos e quatro netos desde as 6 horas. A caseira de 62 anos chora em pânico, apesar de a família garantir estar fechada em casa, em segurança. "Eu sei que estão mal, estão muito nervosos e o meu neto não pára de chorar", conta. "Dizem para ter calma. Sou diabética, estão preocupados".

O casal deixou Vatutine, na Ucrânia, há cerca de 20 anos, em busca de trabalho. Tencionavam regressar ao seu país durantes as férias, entre junho e julho, mas agora não conseguem prever o que o futuro reserva. Os bilhetes que compraram com antecedência aguardam na gaveta o final da guerra. 

"Só há reservas de comida para 15 ou 20 dias"

Olena Pasenko, 27, vive em Portugal deste os sete. Conta à CNN que entrou no quarto dos pais, esta quinta de manhã, e percebeu imediatamente o que se passava. Contactou o seu irmão, que vive em Cherkasy com o filho e a mulher, que lhe garantiu que "para já estão tranquilos no que toca a bombardeamentos". Não ficou menos preocupada, sobretudo depois de recorrer às redes sociais para se atualizar.

"Os postos de gasolina estão a fechar, as pessoas não conseguem abastecer, e só há reservas de comida para 15 ou 20 dias", o que resulta em "supermercados completamente vazios". Nas caixas de multibanco também começa a faltar dinheiro, disse-lhe um tio. Podiam ter sido preparados? Podiam, mas não acreditavam que o cenário atual se concretizasse. "E não havia condições financeiras para um abastecimento maior". 

Olena não encontra palavras que descrevam a "angústia e ansiedade" que sente, sobretudo pelos pais. A impotência revolta-os. "Não podemos fazer nada a não ser um sharing maior, para que ninguém deixe de lutar", explica. Os amigos da família ficaram sem as suas casas à conta dos bombardeamentos, explica, casas essas que "tinham 20 anos e foram construídas com dinheiro que juntaram em Portugal". Mas o pior foi "a falta de investimento do Governo ucraniano para que as tropas fossem mais fortes", o que levou muitas pessoas a largarem os empregos para ajudarem no combate ao longo dos últimos sete anos.

Miúdos mais novos do que eu foram voluntariamente para a guerra com coletes à prova de bala usados, comprados na Polónia pelos pais", lamenta. 

Helena Pasenko (Imagem: DR)

"Matar pessoas não é uma solução"

"As coisas estão de tal forma que ninguém sabe como proceder", diz Mykola Hlynskyy, de 26 anos, soltando um pesado suspiro. Filho único, vive em Portugal há 18 anos, mas a família está quase toda na Ucrânia, perto da fronteira com a Polónia. Houve bombardeamentos a cerca de 30 quilómetros da zona de residência, mas os seus familiares estão bem e, por enquanto, fechados em casa.

As pessoas estão aterrorizadas. Não sabem se vão manter as suas casas e não há abrigos ali perto", diz. 

O primo de Mykola, da mesma idade, foi um dos vários ucranianos chamados para combater pelo seu país. Recusou o convite mais do que uma vez. "Matar pessoas não é uma solução, queremos resolver as coisas pela paz e não pela força", exclama. Tem ex-militares na família, outrora combatentes no Afeganistão. 

Regressar à Ucrânia é uma possibilidade? Mykola diz que não, mas é-o acolher familiares em Portugal. "Estamos à espera de respostas, eles querem vir", remata. Respostas que (ainda) faltam sobre tudo, incluindo sobre as próximas horas de um futuro desconhecido.

Mykola Hlynskyy (Imagem: DR)

 

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