A reação da China à guerra na Ucrânia pode estar a pôr em risco os seus cidadãos

CNN , Análise de Simone McCarthy
1 mar 2022, 08:00
Bandeiras da Rússia e da China. Foto: AP

Os cidadãos chineses na Ucrânia encontram-se numa situação tensa, com os planos de uma retirada do país afetado pela guerra – a ser colocada em prática semanas após os países ocidentais terem apelado aos seus cidadãos que partissem – a estagnarem, deixando aqueles que permanecem muito preocupados com as potenciais reações negativas devido à reação da China à invasão russa.

Um plano para voos charter para retirar cidadãos da Ucrânia foi suspenso no fim de semana, devido à intensificação dos combates no país, com o enviado especial da China a Kiev a afirmar, no sábado à noite, que os cidadãos precisam agora de "esperar até que seja seguro partir."

"Há misseis pelo ar, explosões e armas no terreno e os dois exércitos estão a lutar um contra o outro… Como é possível garantir a segurança (para partir) nestas circunstâncias?", disse o embaixador Fan Xianrong, num vídeo publicado na conta da embaixada nas redes sociais, no sábado, três dias depois de a embaixada ter divulgado planos para voos de evacuação.

Há cerca de 6 mil cidadãos chineses na Ucrânia, segundo a comunicação social estatal chinesa. Ao contrário de cidadãos de muitos outros países, não receberam instruções para abandonar o país antes de ter começado a invasão, com as autoridades chinesas a recuarem nos avisos dos EUA e seus aliados sobre um ataque iminente da Rússia.

Mas agora, alguns dos que permanecem ou têm residência permanente no país expressaram preocupação quanto à sua segurança – e não apenas devido ao agravamento do conflito.

Pequim, que cultivou laços cada vez mais estreitos com Moscovo, recusou-se até agora a condenar explicitamente a Rússia, ou a descrever as suas ações como uma invasão. A imprensa estatal da China também adotou um ponto de vista pró-russo na cobertura doméstica, enquanto as publicações online em apoio à Ucrânia e ao seu presidente foram censuradas.

Entretanto, tem havido uma onda de sentimento pró-russo, bem como de misoginia contra mulheres ucranianas, nas redes sociais altamente restritas e censuradas da China, onde as vozes nacionalistas dominam geralmente.

Tais "comentários repugnantes" foram mais tarde revelados pela imprensa ucraniana, aumentando as suspeitas da comunidade chinesa, segundo Sun Guang, um vlogger chinês que vive na Ucrânia há duas décadas e ali constituiu família com a mulher, que é ucraniana.

"Assim que me veem, com um rosto chinês, pensam que estou aqui para sabotar ou para apoiar a Rússia", disse Sun à CNN, realçando que foi parado e questionado por vários residentes quando foi comprar mercearias, nesse dia.

"Penso que a situação atual na Ucrânia não é segura para os chineses", afirmou, ao mesmo tempo que apela online às pessoas na China para que mostrem maior empatia. "A Ucrânia está a sofrer com a guerra e há pessoas a morrer, todos os dias", acrescentou.

Um jovem que se descreveu como estudante na Ucrânia também disse numa publicação numa rede social, no sábado, que ele e os seus amigos tinham medo de se identificar como chineses. "Em abrigos antiaéreos e estações de metro em Kiev, as pessoas questionam os estudantes chineses sobre se eles concordam com os comentários online, fazendo com que muitos alunos tenham medo de continuar no metro", afirmou.

"Quero também pedir desculpas aos ucranianos, sobretudo às mulheres ucranianas", disse.

A plataforma chinesa de rede social ao estilo do Twitter, a Weibo, tomou medidas – ao afirmar, na sexta-feira, que removeu 542 comentários de 74 contas, consideradas afirmações inapropriadas.

A embaixada da China também voltou atrás nos conselhos emitidos na quinta-feira que incentivavam os cidadãos a mostrarem bandeiras chinesas nos seus carros para proteção. Na sexta-feira, uma declaração sobre as práticas de segurança aconselhou os cidadãos chineses a não "se identificarem ou exibirem sinais de identificação."

Em declaração em vídeo, no sábado, o embaixador Fan pediu aos cidadãos chineses na Ucrânia para não "entrarem em discussões com os habitantes" nem "filmarem por curiosidade." Numa nota pessoal, apelou aos cidadãos chineses que "entendessem os sentimentos (ucranianos)" e disse em linguagem clara: "Respeitamos a independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia."

Os peritos afirmam que as decisões da China quanto aos planos de evacuação e as alterações das recomendações podem ter como base avaliações erróneas sobre a agenda da Rússia ou erros de cálculo sobre o quão grave seria uma invasão – ou o quão rapidamente terminaria.

A China ignorou, até 18 de fevereiro – menos de uma semana antes de as forças russas se deslocarem em várias direções – informações dos serviços secretos dos EUA que davam conta de que uma invasão poderia estar iminente, enquanto Moscovo negava que tencionava avançar com a invasão.

"Nessa altura, a China pode ter entendido que tinha o dever ou a obrigação moral de proporcionar apoio político à Rússia… e desacreditar uma "campanha de informação ocidental contra a Rússia", afirmou Li Mingjiang, professor associado e reitor de Relações Internacionais na Universidade Tecnológica de Nanyang e na Escola de Estudos Internacionais de Singapura, que realçou que tudo isto se desenrolou no seguimento de uma reunião entre o líder chinês Xi Jinping e o presidente russo Vladimir Putin.

"Nesse contexto, seria muito difícil para as autoridades chinesas se prepararem seriamente e tomarem medidas para a retirada de cidadãos chineses na Ucrânia, de outro modo, as palavras e as ações da China não estariam em sintonia," afirmou, acrescentando que Pequim pode não ter acreditado que a invasão estava iminente.

Em resposta a uma pergunta sobre se esperou demasiado tempo a pedir aos cidadãos que partissem, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China disse, na segunda-feira, que tinha "emitido avisos de segurança relevantes em tempo útil" e que o ministério e a embaixada na Ucrânia estavam "a trabalhar dia e noite" para salvaguardar os cidadãos.

Quanto a se a evacuação iria continuar, o porta-voz Wang Wenbin disse que a China estava a "trabalhar na elaboração de planos viáveis para assistir os cidadãos chineses na Ucrânia numa retirada voluntária e segura", mas a situação atual era "extremamente instável".

Alfred Wu, professor associado na Escola de Política Publica de Lee Kuan da Universidade Nacional de Singapura, afirmou que a resposta da China pode dever-se a uma "desvalorização" da situação – bem como à determinação do apoio ocidental à Ucrânia e à capacidade das forças ucranianas.

"Pensavam essencialmente que a guerra acabaria num período muito, muito curto de tempo, talvez menos do que uma semana… e os (cidadãos chineses) estariam protegidos ao abrigo do (novo) regime da Rússia", afirmou Wu. Mas, agora, há a perceção de que "a guerra tem dois lados", afirmou.

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