"É uma matéria muito movediça". Como o caso de Rui Pinto pode vir a interferir no caso de outros piratas informáticos portugueses

4 mar, 18:39
Rui Pinto em França (AP)

Da estratégia das defesas à jurisprudência, o cibercrime é uma área onde "ainda há muito espaço para inovar" e o desfecho deste caso pode vir a ter influência no desenrolar de outros casos mediáticos

O criador do Football Leaks, Rui Pinto, vai ser julgado por 244 crimes relacionados com o acesso aos emails do Benfica e de outros clubes, empresas, advogados, juízes, procuradores, Autoridade Tributária e Rede Nacional de Segurança Interna, numa altura em que outros piratas informáticos se preparam para enfrentar a justiça. Para os especialistas, este caso “é pioneiro”, mas também “ambíguo” e pode vir a construir as bases para julgar outros casos ligados ao cibercrime, como o dos hackers Diogo Santos Coelho e Zambrius.

“Estes julgamentos têm um carácter pioneiro, sobretudo pela dimensão e impacto, no entanto, são julgamentos de primeira instância. Se, no futuro, tivermos tribunais superiores a pronunciarem-se sobre futuros recursos, aí sim, poderá ser fixada jurisprudência. É um terreno onde há muito espaço para inovar”, admite Rogério Alves.

O especialista admite que a área do cibercrime, apesar de se encontrar em ascensão, não tem “muita produção jurisprudencial”, mas sublinha que, muitas vezes, estes casos envolvem “terrenos movediços” do ponto de vista jurídico. Particularmente quando um pirata informático descobre que crimes estão a ser praticados, através de um acesso ilegal.

“Não há dúvidas que nós estamos perante situações que são um pouco ambíguas, pode haver crime, mas não deixa de haver interesse publico. É quase como se alguém fizesse um assalto a uma casa e por via desse assalto descobrisse uma rede de tráfico de droga. Isso não justifica o assalto, mas não deixava de ter alguma utilidade”, explica o jurista.

Este é o caso do pirata informático português que se encontra a colaborar com as autoridades portuguesas e estrangeiras no âmbito do caso Football Leaks, entregando o acesso a todos os dados que obteve através de atividade ilícita. Neste caso, o hacker deu a conhecer várias informações “obscuras” acerca de transações do mundo do futebol. No entanto, antes de ser detido, Rui Pinto tentou extorquir dinheiro à empresa Doyen para que as informações não fossem tornadas públicas.

“Tudo tem de ser ponderado. Não é só a avaliação da conduta. É preciso também avaliar qual a intenção. É uma matéria muito movediça”, insiste Rogério Alves, que admite que estes casos possam também servir de exemplo para as defesas dos hackers.

No início de fevereiro, o pirata informático português de Viseu que está em risco de ser extraditado para os Estados Unidos, Diogo Santos Coelho, falou em exclusivo com a CNN Portugal e admitiu querer seguir o exemplo de Rui Pinto e “colaborar com as autoridades” portuguesas. Responsável pela criação do maior fórum de piratas informáticos do mundo, o jovem diz-se disposto “a tudo o que for necessário, seja para ajudar a apanhar outras pessoas ou até ajudar a justiça portuguesa em casos semelhantes”.

Na altura, a defesa de Diogo Santos Coelho, a cargo de João Medeiros e Inês Almeida e Costa criticou o que diz serem “diferenças de tratamento absolutamente aberrantes” entre Rui Pinto e o seu cliente. “Num caso as autoridades portuguesas acolheram, ofereceram-lhe e aceitaram a colaboração. Ao que parece, esse senhor colabora ativamente, tem a proteção do Estado português, inclusivamente do ponto de vista da proteção pessoal. O caso de Diogo é, de alguma forma rejeitado, numa situação muitíssimo mais gravosa, porque o senhor Rui Pinto estava num país onde a pena máxima é de 25 anos de prisão e o Diogo pode sujeitar-se a algo como 50 anos de prisão, o que, tendo nesta altura 24 anos, se cumprir a pena entrará um jovem e sai um velho”, disse o advogado João Medeiros, que também representa o Benfica no caso de Rui Pinto.

Estes casos levaram vários especialistas a insistir que os conhecimentos destes jovens devem ser utilizados pelas autoridades para a investigação criminal. "Não faz sentido o Estado português desperdiçar o conhecimento destes jovens. É do interesse nacional trazê-los para Portugal e reintegrá-los profissionalmente. Tal como se fez com Rui Pinto, é necessário utilizar estes conhecimentos para o bem", defende Nuno Mateus-Coelho, Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança.

Apesar de ir a julgamento por 242 crimes, Rui Pinto estava acusado de 377. Os 142 crimes de violação de correspondência acabaram por cair devido à lei da amnistia aprovada pelo Governo, após a visita do Papa na Jornada Mundial da Juventude. Em causa nesta lei estão crimes e infrações praticados até 19 de junho por jovens entre 16 e 30 anos, determinando-se um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão.

Tomás Pedro, também conhecido como Zambrius, é um dos outros piratas informáticos portugueses que pode beneficiar desta lei. Este pirata informático foi condenado a seis anos de prisão, em janeiro de 2022, por atacar várias entidades, incluindo o Benfica e a Altice. Condenado por 28 crimes, o hacker pode ver cair um crime de acesso indevido, um de ofensa a pessoa coletiva e seis crimes de desvio de dados, devido à lei da amnistia.

No passado, o advogado de Tomás Pedroso, Pedro Esteves, não se quis pronunciar sobre a decisão do processo de Rui Pinto, mas admitiu aguardar com expectativa de que o seu cliente venha a ter os oito crimes amnistiados. “Olho para este caso com a expectativa de que o Tomás possa ser beneficiar dessa decisão. Acredito que venha a ser”, referiu.

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