Mundial de Rugby: "Procuraremos fazer o nosso jogo cuja espetacularidade é elogiada por todos. Se chega? Vamos ver"

16 set 2023, 12:00
Seleção de rugby (FOTO: FPR)

ENTREVISTA || Carlos Amado da Silva, Presidente da Federação Portuguesa de Rugby, sublinha a importância que tem a presença da seleção portuguesa no Campeonato Mundial para este desporto no país. A seleção nacional estreia-se este sábado num jogo contra o País de Gales

O que significa para Portugal participar no Mundial de Rugby?

Significa o renascer e a possibilidade de retomar um trajeto iniciado em 2007 que, por diferentes razões, designadamente a falta de condições estruturais dos clubes e da própria Federação, não permitiram dar resposta à procura de muitos jovens que queriam experimentar essa novidade que era o desporto da bola oval.

A presença de Portugal no Mundial vai mudar a maneira como o país vê este desporto?

Os jogos de Portugal transmitidos em canal aberto (RTP2) vêm reforçar a oferta que a Sport TV faz oferecendo todos os jogos do Campeonato do Mundo permitindo ver e, naturalmente, comparar com outras modalidades. Acredito que permitirá compreender a beleza, a lealdade, a disponibilidade a dignidade, o respeito pelo adversário e pelo árbitro a que associa o comportamento do público que, na bancada, sem barreiras ou qualquer discriminação, festeja e, por vezes, até aplaude as boas jogadas dos adversários. Tenho a certeza de que todos gostamos de viver estes ambientes e sentir que não há qualquer problema de segurança, pelo contrário, vive-se uma alegria contagiante antes, durante e depois do jogo! É muito diferente! 

Acredita que isso pode trazer mudanças?

Acredito que desta vez estejamos mais bem preparados para uma expectável maior procura já que, entretanto, surgiram novos clubes, alguns deles com instalações próprias, que terão capacidade para receber os jovens que queiram experimentar o rugby depois de terem assistido, não apenas aos jogos da seleção nacional, mas também a outros jogos que, inevitavelmente, fascinam mesmo quem não conhece todas as - muitas - regras do jogo.

 

Carlos Amado da Silva, Presidente da Federação Portuguesa de Rugby

Qual é o jogo mais importante no calendário da seleção de rugby de Portugal?

O jogo mais importante é sempre o primeiro e os seguintes... No entanto, é bom recordar que estamos incluídos no grupo mais equilibrado e mais difícil. De facto, embora estejamos classificados em 16º lugar no “ranking “mundial, estamos atrás de todas as outras seleções do nosso grupo. Estando presentes vinte seleções, teoricamente haverá, no mínimo, quatro seleções que nos são inferiores e nenhuma delas está no nosso grupo...

Procuraremos fazer o nosso jogo cuja espetacularidade é elogiada e reconhecida por todos. Se chega? Vamos ver, com a nota que somos a única seleção que não é totalmente profissional.

O que diferencia esta equipa de rugby de Portugal das anteriores?

Une-nos o mesmo espírito e a mesma vontade de nos excedermos. Embora sejam muito difíceis estas comparações, admito que a equipa tenha mais qualidade o que não será de estranhar pois, para além de ter um maior número de profissionais teve - e tem – condições de trabalho que mais nenhuma outra teve.

A seleção de 2007 é uma referência muito importante. A de 2023 só será reconhecida mais tarde se fizer algo de novo e mais importante. Se assim não for, não deixará de ser apenas a segunda seleção nacional a classificar-se para um Campeonato do Mundo...

Existe um perfil típico do jogador de rugby português? Como descreveria esse perfil?

Poderá haver, e há um perfil comportamental já que fisicamente, como se sabe, em função da posição no conjunto, as características são diferentes, designadamente entre avançados e “linhas atrasadas”, embora cada vez mais essas diferenças se esbatam exigindo uma cada vez maior adaptação às diferentes funções de uma equipa de rugby.

Todavia, a disponibilidade, a lealdade, o espírito de grupo, o altruísmo, a amizade, o respeito pelo adversário e pelo árbitro, são as características que definem o perfil de um jogador de rugby. No caso dos Lobos, acrescentaria a inteligência, a agressividade e a velocidade de execução.

Como é que o rugby contribui para o desenvolvimento dos jogadores, não apenas como atletas, mas também como indivíduos?

Como disse, com o rugby molda-se uma personalidade forte, facilmente integrável numa sociedade que procura valores que defendem quotidianamente e que, talvez por isso, os torna diferentes pelo exemplo e pelo comportamento de liderança natural, nos locais de trabalho e na sociedade em geral.

Pode destacar algumas das principais conquistas ou marcos que a seleção portuguesa de rugby ou a Federação alcançaram nos últimos anos?

Para além da presença no Mundial de 2007, os principais resultados foram conseguidos nos escalões inferiores, nomeadamente em 2013, em sub-18, em que vencemos a Escócia e, mais tarde, em 2018 e 2019 em sub-20, em que fomos campeões europeus e estivemos a um passo de entrar no principal grupo Mundial.

Foi na variante de Sevens que conseguimos os melhores resultados com a conquista de vários Campeonatos da Europa e a presença no Circuito Mundial até 2015. Mas na verdade, os últimos três anos foram os melhores da última década, particularmente a época passada onde pela primeira vez conseguimos o apuramento simultâneo para os Mundiais de XV e de VII. De realçar também o regresso das seleções femininas ao principal escalão quer de XV quer de VII.

Sente que há falta de apoio para o rugby em Portugal?

É uma evidência! O problema não é de agora. O facto de o rugby não ser  ainda um desporto de massas põe problemas comuns a quase todas as modalidades dependentes do Orçamento do Estado que, por muito que seja reforçado, nunca será suficiente para financiar a atividade normal das federações que, paradoxalmente, parece que são penalizadas pelo sucesso que consigam já que para se conseguirem altos patamares de competição é necessário competir internacionalmente e isso traz consigo mais custos que não têm sido compensados com uma maior receita.

Evidentemente que as Federações desportivas não podem pensar apenas nos apoios estatais, tendo que pensar em alternativas de receitas que diminuam essa dependência através de parcerias e desenvolvimento de outras atividades que possam ser lucrativas, designadamente com a realização de jogos internacionais e a venda de direitos desportivos quando conseguirmos espetáculos apelativos ao público e reconhecidos pela generalidade da comunicação social que os deverá promover, o que, infelizmente, ainda não acontece com o rugby nacional.

E o que que está previsto?

Acredito que com a concretização das obras do Centro de Alto Rendimento do Rugby no Jamor, uma promessa que tenho a certeza que será cumprida, permite-nos ter um espaço próprio onde possamos realizar jogos com o conforto e a qualidade organizacional compatíveis com a qualidade do jogo e dos espetáculos que atualmente somos capazes de produzir. Está na hora da mudança.

Esta presença no Mundial ajudará certamente a compreenderem que o rugby merece outro tratamento.

Quais são as principais iniciativas que a Federação está a levar a cabo para promover o rugby em Portugal?

O maior investimento que está a ser feito centra-se na divulgação da modalidade com um programa que visa percorrer todo o país, de Norte a Sul, com concentrações nas principais cidades e escolas, oferecendo milhares de bolas e ensinando, das regras mais básicas, sempre em colaboração com as Autarquias, Escolas e Clubes, locais.

O rugby não é tão popular como o futebol em Portugal. Que estratégias estão a ser utilizadas para aumentar a visibilidade e a participação deste desporto em todo o país?

O regresso do rugby ao desporto escolar, o aproveitamento da RugbyTv e uma maior agressividade nas redes sociais só terão sucesso se conseguirmos locais onde se possa praticar rugby o que não tem sido fácil apesar da boa rede de campos relvados que o País possui, mas que estão afetos quase exclusivamente ao futebol.

É preciso que as pessoas mostrem interesse junto de quem é responsável por esses espaços pois naturalmente que não podem ficar indiferente à procura. É um processo delicado, mas é o caminho. Existir para exigir!

O rugby em Portugal não é profissionalizado, e muitos jogadores têm de arranjar empregos paralelos. Como enfrentam esse desafio?

Essa é uma realidade que não se pode altera no imediato. Não há, ainda, condições nem interesse em profissionalizar o rugby. No entanto é imprescindível que os Lusitanos - a seleção nacional de jogadores que jogam em Portugal – se torne uma equipa profissional, como condição de ser uma plataforma aos Lobos onde se juntarão os jogadores profissionais que jogam em Campeonatos profissionais no estrangeiro.

É o próximo passo a dar e sem o qual não conseguiremos manter a qualidade da Seleção que nos permitiu chegar à atual posição no rugby mundial.

Que tipo de apoios a Federação de Rugby de Portugal considera necessários neste momento?

Um estádio próprio e o reconhecimento de que todos os jogadores têm o direito de integrarem a seleção nacional sem ser prejudicados na sua vida profissional ou estudantil, devendo para isso serem ressarcidos pela perda dos seus rendimentos salariais. Esse é o apoio mínimo que me parece de indiscutível justiça e que sei ser entendido pelos responsáveis pelo desporto em Portugal.

Acha que devíamos ter rugby como desporto nas escolas em Portugal?

Claro. Como já disse é preciso recuperar imediatamente essa situação.

O rugby é visto como um desporto violento. Como vê essa perceção?

Essa é uma visão errada como se pode verificar a todo o momento quer nas competições nacionais quer nas internacionais. O rugby é um desporto duro, com regras muito claras que defendem o praticante, ele mesmo consciente do enquadramento do jogo balizado por uma conduta de respeito pelo adversário e pela defesa da sua integridade física. Felizmente o rugby é um desporto exemplar na relação entre todos os atores que sendo pessoas cometem erros e têm condutas menos apropriadas, mas que, sendo excecionais, são normalmente resolvidas depois dos jogos terminarem numa “terceira parte” onde tudo pode e deve ser esclarecido com uma cerveja e um abraço. É assim que no rugby, normalmente, as coisas se resolvem...

Pode partilhar alguns dos próximos eventos, torneios ou iniciativas que os fãs do rugby devem esperar em Portugal?

Para além do Mundial, em termos domésticos, vão iniciar-se os campeonatos nacionais (masculinos e femininos), em Novembro vai disputar-se, com a participação dos Lusitanos, a Super Cup Europeia e em Fevereiro e Março, o Campeonato da europa.

Entretanto já se iniciaram as escolas em todos os clubes que estão disponíveis para receber todos os quiserem experimentar este desporto fantástico.

Que conselhos daria aos aspirantes a jogadores e administradores de rugby em Portugal que queiram contribuir para o crescimento e sucesso da modalidade no país?

Comecem por ver o Campeonato do Mundo e depois visitem o clube que estiver mais perto a sua residência. Vão ficar surpreendidos.

Por último, que mensagem ou apelo gostaria de transmitir à comunidade e aos adeptos do rugby em Portugal?

Gostaria muito de ser capaz de lhes conseguir transmitir o gozo e a felicidade pelo facto de durante quase sessenta anos ter vivido com a família do rugby. Não tenho o direito de não partilhar. Experimentem. Não receiem, porque o rugby é diferente.

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