"Parece a inflação argentina". Em Portugal (ao contrário da média da zona Euro) os preços das casas não descem

9 abr, 07:00
Imobiliário (Associated Press)

Portugal é uma "máquina que gripou", mesmo tendo mais habitações do que famílias. Parte do problema está na lei que não resolve o problema de desconfiança e insegurança dos proprietários

Em contraciclo com a média da zona Euro, Portugal registou a terceira maior subida do preço das casas no ano passado. Enquanto economias como a alemã, a francesa ou a neerlandesa registaram as primeiras quedas desde, pelo menos, 2017, Portugal destacou-se das nações da moeda única com um aumento de 8,2% no custo das habitações, ficando só atrás da Croácia (12%) e da Lituânia (9,2%), segundo os últimos dados do Eurostat. Já em janeiro, um estudo do FMI alertava para a mesma tendência, mas com um resultado diferente: desde 2023 que Portugal é o país da Europa analisado com a maior variação no preço das habitações. “A máquina gripou”, diz à CNN Portugal Victor Reis, ex-presidente do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) “parecemos a inflação da Argentina, isto não vai parar”.

O especialista, coautor do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o mercado imobiliário em Portugal, publicado em 2022, sublinha que o facto de o país registar um crescimento no preço quando a tendência começa a ser de descida no resto da Europa entra em confronto com outra estatística nacional. “Pode parecer estranho, mas nós temos um superavit habitacional, com 6 milhões de alojamentos para 4,2 milhões de famílias, não era suposto isto acontecer, mas acontece, muito porque um terço do nosso parque habitacional não tem uso permanente”.

Além disso, acrescenta Victor Reis, “enquanto na Europa, em média, 41% dos proprietários que têm uma segunda habitação arrendam, em Portugal só 13% o fazem”, levando à existência de “uma grande quantidade de casas fechadas que podiam ajudar a colmatar a falta de oferta para tanta procura, porque os proprietários não sentem confiança no mercado”. “Não há medidas legislativas que neste momento resolvam o problema de desconfiança e insegurança que está criado”, reforça, “o sistema queimou-se”.

Os dados do Eurostat sobre o ano de 2023 marcam o décimo ano consecutivo em que o preço das casas em Portugal regista um aumento, ainda que o mais brando dos últimos cinco anos. Em contraste, a Alemanha, num momento de contração económica, viu os preços das habitações caírem mais de 8%. 

Para Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), é imprevisível que o preço das casas vá descer nos próximos tempos. “Enquanto a oferta e a procura se mantiverem desequilibradas, com mais intenções de compra ou de arrendamento do que a oferta de casas, não me parece que possamos assistir a qualquer descida de preços.” 

Pelo mesmo caminho, um estudo do FMI publicado em janeiro, que avaliou a variação de preços no mercado habitacional em 32 países no pré e no pós-pandemia, colocou Portugal na quarta posição global de economias com maior crescimento deste indicador. Desde 2023, que o país só é ultrapassado na estatística por Israel, México e Emirados Árabes Unidos. 

Esse crescimento é ainda mais expressivo quando comparado com os valores praticados antes da pandemia de covid-19 ter assolado o mundo em 2020, registando-se um crescimento de 22,29%, que coloca o Portugal no segundo lugar de todas as economias estudadas - acima, inclusive, dos Estados Unidos e só abaixo de Israel. “À medida que outros países começam a descer, em Portugal essa realidade não é nada previsível e o cenário, aliás, tende a agravar-se”, antecipa Victor Reis.

Este cenário reflete como Portugal “construiu muito pouca habitação e a um ritmo mais lento do que aquele necessário para fazer face à procura”, defende o economista e investigador Ricardo Ferraz, sublinhando ainda que para a “acentuada subida dos preços” contribuiu o facto de "o país, nos últimos anos, se ter tornado num destino bastante atrativo para estrangeiros com um poder de compra superior ao da generalidade dos portugueses”.

A variação de preços na zona Euro acontece ao mesmo tempo que os dados do Eurostat indicam também reduções nas vendas de casas entre 2022 e 2023. Dos 14 países que forneceram dados de vendas ao gabinete de estatísticas da União Europeia, 13 registaram reduções nas vendas de casas entre 2022 e 2023. No Luxemburgo, a queda foi a mais drástica (menos 43,3% de transações), com Portugal a aparecer em sétimo na tabela, registando um decréscimo de 19,8% no ano passado, face ao ano anterior. 

O “principal problema”, refere Paulo Caiado, prende-se na “exclusão habitacional que os preços das casas estão a gerar”. “Quem está fora do mercado, com as casas a valorizarem-se desta forma, tem cada vez mais dificuldade em entrar, daí parecer-me fundamental que o Governo crie um segmento de mercado regulado para quem precisa de aceder a uma casa e não consegue de outra forma”, propõe.

No dia em que o INE vai publicar a nova atualização do Índice de Custos de Construção de Habitação Nova, o presidente da APEMIP reforça também o impacto que os preços dos materiais de construção têm tido no mercado. “Sabemos que muito dificilmente se constrói um imóvel abaixo de, eu diria, entre 1.500 e 1.700 euros por metro quadrado. Se aqui adicionarmos o valor do terreno, estamos a falar, de forma conservadora, em 2.000-2.200 euros por metro quadrado.”

Por esse valor, prossegue Paulo Caiado, é “muito pouco previsível que se consigam edificar casas de 100 metros quadrados por menos de 200 mil euros”, portanto, “só voltarão a existir casas realmente com valores mais acessíveis se houver intervenção do Estado”. Também Victor Reis garante que só um “pacto de regime” pode atenuar este crescimento de preços: “Mas isso, com esta composição parlamentar, parece uma opção pouco realista a curto prazo.”

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