Fundos para a habitação acessível tutelados por Pedro Nuno Santos pagaram mais de 3 milhões em salários e não começaram qualquer obra

Henrique Magalhães Claudino , Notícia corrigida às 18:11 para reforçar que o valor total pago ascendeu aos 3 386 926,68 euros
19 fev, 07:00
Pedro Nuno Santos na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, Parlamento. 19 outubro 2022 Foto: Tiago Petinga/Lusa

Os quatro fundos imobiliários que iriam reabilitar imóveis devolutos do Estado em Lisboa e Aveiro para os tornar em habitação acessível e alojamento de estudantes não conseguiram até hoje concluir qualquer obra. Relatórios mostram como as previsões derraparam durante anos e como os concursos públicos ficaram, consecutivamente, desertos. Autarquia da capital garante que, num dos casos, existiram falhas em cumprir prazos nos pedidos de licenciamento

Mais de três milhões de euros em salários, licenciamentos caducados e zero habitações para arrendamento acessível. É este o resultado até ao momento dos quatro fundos imobiliários constituídos sob a tutela de Pedro Nuno Santos e que pretendiam reabilitar edifícios abandonados em Lisboa e Aveiro para os tornar em apartamentos para famílias e alojamentos de estudantes.

Ao mesmo tempo, segundo mostram os relatórios e contas destes fundos entre 2019 e 2022, os salários pagos aos órgãos sociais, dirigentes e colaboradores ascendem a 3 386 926,68 euros.

Os fundos em causa, integrados no Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado anunciado por António Costa em 2016, entraram em vigor já sob a tutela de Pedro Nuno Santos, como ministro das Infraestruturas e da Habitação, em 2019. Ao todo, receberam um capital inicial de mais de 41,3 milhões de euros, sendo que a carteira de cada um destes fundos corresponde a um imóvel devoluto do Estado.

Primeiro projeto não arrancou com obras e já foi arquivado pelos serviços municipais de Lisboa

O primeiro a ser aprovado chama-se ‘Imomadalena’ e iniciou a atividade em 8 de abril de 2019, tendo como único ativo um prédio no número 198 na Rua da Madalena, em Lisboa. Avaliado em mais de 1,8 milhões de euros, o prédio tem 646 metros quadrados e, segundo mostram Relatórios e Contas da Fundiestamo, a entidade que gere esta carteira, a meta original era começar já com as obras de reconversão do edifício em 2021.

Mas essa meta foi derrapando até aos dias de hoje por falhas em cumprir prazos nos pedidos de licenciamento à Câmara de Lisboa e por concursos públicos que, consecutivamente, ficaram desertos. Aliás, todo este processo, apurou a CNN Portugal junto de fonte oficial da autarquia de Lisboa, foi arquivado no início do ano.

Logo no Relatório e Contas de 2019, a Fundiestamo anunciava que o projeto de arquitetura para esta obra já tinha sido submetido e que “perspetivava” que, no espaço de dois anos, conseguisse “obter o Alvará de Licença de Construção, bem com o lançamento da empreitada de reabilitação do prédio”.

Prédio no número 198 na Rua Madalena, em Lisboa

 

Certo é que, atingindo esse prazo, a meta de iniciar as obras foi adiada. “O início de obra do imóvel do Fundo deverá ter lugar durante o segundo semestre de 2022, com a conclusão para princípios de 2024”, lê-se no Relatório e Contas do fundo Imomadalena, publicado em março de 2022.

Pelo caminho, indica o mesmo relatório, em outubro de 2022 foi lançado um “Concurso Público Nacional para Empreitada de Reabilitação Urbana na Rua da Madalena”, tendo “o concurso ficado deserto”. “Em consequência disso, foi lançado em dezembro um novo concurso que também ficou deserto”.

No entanto, garante fonte oficial da Câmara Municipal de Lisboa, o alvará de construção, que deveria ter sido pedido um ano após o licenciamento do projeto - que ocorreu em novembro de 2021 - não chegou sequer a ser pedido. “A Câmara de Lisboa não recebeu qualquer requerimento para emissão do alvará de construção”, afirma a mesma fonte, sublinhando que existia a possibilidade de prorrogar o prazo, mas também essa opção não foi pedida. “O Município pode conceder prorrogação, por uma única vez, do prazo previsto para entrega deste pedido de emissão mediante requerimento fundamentado do interessado, mas também não foi recebido qualquer requerimento neste sentido”.

O licenciamento foi, entretanto, dado como caducado e, a 29 de janeiro de 2024, todo o processo foi arquivado pela autarquia da capital. “Foi concedida uma audiência prévia ao requerente a 21 de setembro de 2023, mas não foram alegados nem demonstrados elementos de facto ou de direito suscetíveis de evitar o arquivamento do processo”, garante fonte da câmara.

Outro dos imóveis que o Governo prometeu reabilitar para arrendamento acessível em Lisboa é o histórico edifício onde estava instalado o Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro. Este edifício pertence ao fundo ‘Imoresidências’, que foi criado em julho de 2019, e o projeto era que fosse convertido em alojamento para estudantes, prevendo-se a instalação de 603 camas no prédio que continua fechado há quase seis anos.

O projeto de arquitetura, entregue em 2019, foi chumbado pelos serviços municipais, obrigando o número de camas a baixar para as 450, já que não eram cumpridas as áreas mínimas de cada quarto. 

Projeto para o antigo edifício do Ministério da Educação prevê a construção de alojamento para estudantes

Este indeferimento por parte da autarquia chegou mesmo a levar o Governo e a Parpública a decretar a extinção deste fundo, em fevereiro de 2022, mas essa decisão foi, entretanto, revertida, com o objetivo de canalizar fundos do PRR para o projeto. “Efetivamente, o Ministério das Finanças e a Parpública procederam a uma alteração estratégica na orientação definida em fevereiro de 2022 de extinção, entendendo que o subfundo deverá continuar em atividade com os atuais subscritores e procurando aproveitar fundos provenientes do PRR e que permitam viabilizar financeiramente o projeto”, lê-se no Relatório e contas de 2022 deste fundo.

Entretanto, diz fonte da autarquia de Lisboa, “o projeto de arquitetura, equivalente à primeira fase do processo de licenciamento, foi aprovado no dia 19 de agosto de 2023”. No entanto, a segunda fase do processo de licenciamento ainda não foi entregue. “Aguarda-se a entrega pela requerente dos projetos de especialidades”.

Apesar deste edifício ter sido um dos 263 imóveis que ​​em abril de 2019, no âmbito do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), o Governo prometeu uma requalificação até 2023, continua fechado. A previsão é que as obras, que contam com um investimento de 16 milhões de euros do PRR, deverão estar concluídas em junho 2026, anunciou no ano passado o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Outro dos imóveis que o na altura Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, anunciou que seria reabilitado é o antigo quartel da GNR do Cabeço de Bola. Em 2019, na conferência de imprensa após a reunião de Conselho de Ministros, o ministro deu o edifício como exemplo de como o “Governo está a reabilitar o parque habitacional público que neste momento está sem qualquer utilidade”. 

Em novembro de 2022, o imóvel devoluto viria a ser integrado num novo fundo chamado ‘Cabeço de Bola’, gerido pela Fundiestamo, já com um Pedido de Informação Prévia (PIP) aprovado junto da Câmara Municipal de Lisboa desde 30 de julho de 2021. “Não havendo derrapagens no calendário previsto, é possível que as demolições comecem no último trimestre de 2023”, anunciava na altura a entidade, no Relatório e Contas assinado em março de 2023.

Antigo quartel do Cabeço de Bola vai receber um investimento de 16 milhões de euros do PRR

 

Certo é que até ao momento “não foi submetido qualquer pedido de licenciamento para este local”, confirma fonte da Câmara Municipal de Lisboa à CNN Portugal, 

A mesma fonte adianta que até novembro de 2023 foram apenas submetidos pedidos de renovação do PIP que têm validade de um ano. “Em julho de 2022, antes do final da validade de um ano, foi submetido um pedido de renovação dos efeitos do PIP pelo requerente. Este pedido foi deferido em outubro de 2022. Em 2023 foi submetido um novo pedido de renovação, deferido em novembro de 2023 e que é válido por mais um ano, até novembro de 2024”.

Fundo chegou a tentar vender à Câmara de Aveiro o imóvel onde prometeu alojar estudantes

Para além dos fundos imobiliários dedicados a criar habitações para arrendamento acessível para a capital, foi constituído em novembro de 2019 o fundo ‘Imoaveiro’, que tem na sua carteira um edifício abandonado na rua dos Combatentes da Grande Guerra

O objetivo deste fundo era remodelar o imóvel, avaliado em mais de 380 mil euros, para criar alojamento para estudantes a preços acessíveis. 

No relatório e contas de 2021 deste fundo era anunciado que, nesse ano, estava “previsto iniciar a empreitada de reabilitação do imóvel, com vista à sua colocação em exploração”. Mas só em outubro de 2022, é que foi emitido pela Câmara Municipal de Aveiro o alvará de licença de construção. 

Edifício abandonado na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, em Aveiro, foi avaliado em 383 625 euros

 

Mas as obras não foram levadas a cabo até ao momento, tendo o fundo pedido para retirar a licença de construção “para evitar que o processo de licenciamento aprovado caducasse”, já depois de o ter prorrogado por um ano, segundo o último relatório disponível, referente ao ano de 2022. “O processo de decisão estratégica deste fundo está em avaliação”, aponta o mesmo relatório, acrescentando que “estão em estudo vários cenários alternativos no que respeita ao desenvolvimento do projeto Imoaveiro”.

À CNN Portugal, o presidente da Câmara Municipal de Aveiro, José Ribau Esteves garante que não só nenhum avanço foi feito no projeto de construção de alojamentos para estudantes, como até o fundo tentou vender à autarquia, no ano passado, o imóvel em questão por 400 mil euros. "Não há qualquer novidade nesse processo, apenas esse imóvel foi 'oferecido' à Câmara por 400.000 euros, o que não foi aceite já que é um valor absurdo dado o elevado valor necessário para o investimento" na remodelação do imóvel.

A CNN Portugal questionou o Ministério da Habitação, a Fundiestamo e Pedro Nuno Santos sobre a atividade desenvolvida por estes fundos imobiliários, mas até ao momento não obteve resposta.

Mais de 3 milhões de euros em salários

De acordo com os relatórios e contas destes fundos, disponíveis no site da Fundiestamo, as remunerações anuais dos membros dos órgãos sociais, dirigentes e colaboradores da entidade responsável pela gestão destes fundos estavam posicionadas, em 2019, nos 771 690,98 euros. Este valor evoluiu em 2020 para os 850 429,58 euros.

Em 2021, deu-se uma nova subida no quadro de remunerações, fixando-se nos 879 979,12 euros e, por fim, em 2022, o valor total das remunerações da entidade gestora destes quatro fundos alcançou os 884 827 euros. 

Dessa forma, somando os valores exprimidos nos exercícios económicos entre 2019 e 2022, a remuneração total para órgãos sociais executivos e não executivos, conselho fiscal, responsáveis pela assunção de riscos e funções de controlo e outros colaboradores fixou-se nos 3 386 926,68 euros.

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