Uma promessa, uma justificação e um não arrependimento. Como o discurso de Passos continua a condicionar a campanha de Montenegro

27 fev, 20:28
Montenegro

Foi numa conversa sobre Passos Coelho que Montenegro prometeu demitir-se caso algum dia seja forçado a cortar nas reformas, como o antigo primeiro-ministro fez em 2013. Foi também sobre ele a sua primeira intervenção durante a campanha eleitoral no distrito de Portalegre

Imigração, falta de segurança, cortes de pensões e uma obrigação acrescida de vencer as legislativas. Pedro Passos Coelho trouxe todos estes temas para a campanha de Montenegro e, passadas 24 horas do seu discurso-relâmpago, os mesmos assuntos continuam a condicionar a mensagem do líder do PSD. 

De tal forma que, durante uma arruada em Portalegre esta tarde, Luís Montenegro - que tem vindo a agradecer “muito, muito, muito” a Passos Coelho pela forma como governou o país durante a troika, sentiu-se na necessidade de garantir que se demite caso seja forçado a cortar nas reformas, como aconteceu no Governo de Passos. “Se eu algum dia tiver de cortar um cêntimo numa reforma demito-me”. 

“É uma promessa de honra”, afirmou dentro de um café para duas senhoras que o aconselharam a não aparecer ao lado de Passos. “Na campanha teve o senhor Passos Coelho do seu lado, esse que nos tirou tudo”, disse uma delas. “Não fique com o senhor Passos Coelho ao seu lado”, pediu a outra, explicando que “agora já” têm “medo” das promessas feitas em campanha. “Não diga isso, a sério”, devolveu Montenegro.

Justificar discurso de Passos sobre imigração foi prioritário

Se a ressaca do aparecimento do antigo primeiro-ministro forçou Luís Montenegro a traçar mais uma linha vermelha nesta campanha, veio também, por outro lado, obrigá-lo a dar explicações sobre se concorda com a associação que Pedro Passos Coelho fez entre a imigração e a existência de um sentimento de insegurança no país.

No comício de Faro, na segunda-feira, Passos tinha dito, sobre as políticas de imigração em Portugal, que “as pessoas sentem hoje insegurança, o que é o resultado da falta de investimento e prioridade a essas matérias”, alavancando também a importância de “preservar valores importantes que estão inscritos nas sociedades em que vivemos”.

Este nexo de causalidade, apontado por todos os líderes partidários da esquerda, criou uma onda de choque contra Montenegro que, sobre este tema, tem vindo a utilizar o chavão: “nem portas escancaradas, nem portas trancadas”.

Mas esta terça-feira, numa visita à produtora de cereais Cersul, em Elvas, foi mais longe e vincou que está alinhado com o discurso de Passos Coelho, logo na primeira declaração aos jornalistas. Para se justificar, deu o exemplo do incêndio que ocorreu num prédio na Mouraria no ano passado e que levou à morte de dois imigrantes que viviam na mesma habitação com outras 16 pessoas. “Há realidades que não são benéficas”, afirmou, acrescentando que este “tipo de situação acaba por traduzir-se numa instabilidade tal dessas pessoas que, aos olhos de todos, nós tememos pela nossa segurança. É normal que isso aconteça".

Arruada de Portalegre foi a que teve maior duração até ao momento / LUSA

A justificação de Montenegro franqueou ainda mais a entrada de Passos na campanha, pela voz dos outros partidos. Nos Açores, Pedro Nuno Santos disse que o antigo primeiro-ministro “fez um discurso colado ao Chega” e em Odemira Mariana Mortágua disse que Passos “imitou o discurso da extrema-direita”.

Perante isto, Montenegro finca o pé e, já em Portalegre durante a tarde, questionado sobre se se arrepende de ter trazido Passos para a campanha, responde apenas: “era o que mais faltava, não. De maneira nenhuma”. “Nós estamos com um espírito muito positivo nesta campanha eleitoral, um espírito de mudança e estamos com uma coesão interna do ponto de vista da nossa coligação e do ponto de vista da nossa relação com os eleitores que é crescente e infelizmente isso provoca reações menos próprias dos nossos adversários”, acrescentou. 

À sua volta, na arruada, os militantes sociais-democratas dizem que o discurso deu mais força à candidatura de Montenegro, especialmente na região alentejana que, notam, “é das que mais põe a nu as condições de insalubridade em que muitos imigrantes vivem e a incapacidade da sua integração”, diz João Ramalho, 68 anos, militante do PSD de Portalegre.

João falava sobre isso mesmo com o amigo e colega de concelhia Manuel Branco, de 68 anos. “O discurso ontem do Passos Coelho deu muito mais força, muito mais força, a esta campanha aqui, porque as pessoas de Portalegre sentem-se inseguras quando veem centenas de imigrantes a chegarem e a não serem integrados na sociedade”. “Vamos pagar caro por isso”.

Grande parte do dia de campanha desta terça-feira de Montenegro foi passado no distrito de Portalegre, onde os sociais-democratas não elegem nenhum deputado desde os tempos de Passos Coelho e do Portugal À Frente. Rogério Silva foi o nome escolhido como cabeça de lista para tentar reverter essa realidade e à CNN Portugal diz que a questão da imigração é uma das que mais toca ao seu eleitorado. “A nossa posição é clara, nós devemos abrir as portas com cuidado, com controlo, com aquilo que leva a que haja alguma capacidade para filtrar quem para aqui vem, porque temos de receber as pessoas com dignidade”. 

“Não podemos”, continua, “fazer como o PS que enveredou pelo descontrolo total e pelo esquecimento total que tinha de haver aqui algum controlo nas nossas fronteiras e, na realidade, não o tendo feito estamos a receber pessoas que são muitas vezes até manipuladas por algumas máfias do tráfico humano”, afirma.

Luís Montenegro experimenta um capote alentejano durante a arruada em Portalegre/ LUSA

Montenegro tenta recuperar destaque perante sombra de Passos na campanha

A arruada de Portalegre marcou ainda o regresso silencioso de Nuno Melo à campanha da AD depois de o líder do CDS-PP ter ficado infetado com covid-19 e ter falhado os últimos três dias. 

Mantendo-se sempre ao lado de Montenegro, Melo não prestou quaisquer declarações aos jornalistas e fez de tudo para não ofuscar a presença do presidente do PSD naquela iniciativa. Aliás, durante a mensagem final de Montenegro, num momento em que ambos subiram para uma cadeira de ferro, o líder do CDS agarrou, inclusive, num microfone, enquanto o líder social-democrata falava para os indecisos e pedia-lhes “reflexão e amadurecimento para decidirem bem”.

E depois de uma arruada em Beja, que durou muito menos tempo e em que a sua presença foi recebida por alguns protestos, Montenegro investiu tudo nas ruas de Portalegre, saltando frequentemente ao som de cânticos das jotas e, inclusive, mostrando-se a experimentar um capote alentejano que estava “a um bom preço” - cerca de 350 euros.
 

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