Um Governo com o objetivo certo mas o caminho errado (no dia em que PS ganhou um eleitor inesperado)

Agência Lusa , AG
30 out 2023, 19:30
Debate parlamentar com o primeiro-ministro (Miguel A. Lopes/Lusa)

Debate para discutir a proposta de Orçamento do Estado teve vários momentos quentes, muitos deles a recordar Pedro Passos Coelho

Será que nas próximas eleições vamos ter Pedro Passos Coelho a votar no PS. Em jeito de provocação, essa foi a ideia sugerida pelo líder da bancada parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, que recuperou uma afirmação do ex-primeiro-ministro.

Já no fim da interpelação ao primeiro-ministro, que esta segunda-feira esteve no Parlamento para o primeiro dia de debate na generalidade da proposta de Orçamento do Estado para 2024, Eurico Brilhante Dias lembrou que o ex-presidente do PSD, quando já não estava à frente do governo, se manifestou “disponível para votar no PS, no PCP e no Bloco de Esquerda, se a estratégia resultasse”.

"Eu tenho impressão que o PS está na iminência de conquistar um novo eleitor, eu acho mesmo que vamos ter um novo eleitor, porque, se o então deputado Passos Coelho cumprir a sua palavra, a esquerda portuguesa tem um novo eleitor", acrescentou, referindo que o ex-primeiro-ministro foi na altura "muito aplaudido" pelo agora presidente do PSD, Luís Montenegro.

Ao longo da sua intervenção, o líder parlamentar do PS dirigiu-se sobretudo ao PSD, que associou a uma governação "que cortava pensões, cortava salários e fazia um enorme aumento de impostos" e sustentou que ao falarem "em cortes" os sociais-democratas começam "a perder este debate, porque os portugueses têm memória".

"A estratégia do PPD/PSD e da direita era empobrecimento máximo, emigração máxima, salários mínimos e pensões mínimas", acusou.

Em contraponto, afirmou que o atual Governo apresenta um Orçamento do Estado para 2024 "que aumenta salários, aumenta pensões, aumenta o salário mínimo nacional, que diminui os impostos", com um "triplo equilíbrio", orçamental, nas contas externas e com "pleno emprego".

Na resposta, o primeiro-ministro concordou que existe "uma diferença fundamental" em termos de estratégia de desenvolvimento entre "o conjunto da direita" e o PS.

António Costa atribuiu ao "conjunto da direita" a convicção de que "só empobrecendo o país pode ser competitivo", antigamente com "o salário infantil e contrafação" e evoluindo mais recentemente "para o corte dos salários, para o corte das pensões e para o enorme aumento de impostos" que constituíam "a brutalidade do ajustamento interno para ganhar competitividade externa".

Segundo o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, os socialistas apostaram antes no combate ao "défice das qualificações", o que conduziu a uma "transformação estrutural" da economia portuguesa desde 2016, mas "a direita nunca conseguiu perceber" que esse era "o défice estrutural mais profundo e secular" do país.

António Costa destacou a redução do abandono escolar precoce, o aumento do número de alunos com ensino secundário completo e da frequência do ensino superior, defendendo que nesta matéria também há mérito das "boas políticas" da governação de António Guterres entre 1995 e 2002.

"É esta transformação estrutural que faz com que as empresas portuguesas hoje sejam mais produtivas", sustentou, apontando as qualificações e a inovação como "grandes motores" do desenvolvimento do país.

Objetivo certo, caminho errado

Talvez lembrando aquela que era uma das bandeiras de Pedro Passos Coelho, o líder da bancada parlamentar do PSD afirmou que o objetivo da consolidação orçamental do Governo é correto, mas “o caminho e a forma totalmente errados”, com o primeiro-ministro a contrapor que está a fazer consolidação estrutural das finanças públicas, sem cortar no essencial.

No arranque do debate orçamental na generalidade, Joaquim Miranda Sarmento elencou quatro “pecados capitais” à proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2024: falta de crescimento económico, aumento da carga fiscal, baixa capacidade de execução do investimento público e a deterioração dos serviços públicos, em especial da saúde.

“Ouvi-o numa reunião do PS dizer que o problema da saúde era um problema de gestão. Finalmente, aleluia, finamente percebeu que não era um problema de recursos financeiros, mas de gestão”, disse, responsabilizando “a incompetência do Governo” por essa parte.

Numa análise mais global, o líder parlamentar do PSD disse ficar satisfeito que “o PS agora já defenda o equilíbrio orçamental”, acusando anteriores executivos liderados pelos socialistas António Guterres e José Sócrates de “deixarem as contas públicas de pantanas”.

“Esta não é uma consolidação orçamental estrutural, deixemo-nos de ilusionismos e de enganar os portugueses”, considerou, contudo.

Segundo as contas de Miranda Sarmento, entre 2016 e 2019, o executivo do PS baixou o défice três pontos percentuais, que atribuiu à política monetária do BCE, aos dividendos do Banco de Portugal, aumento de cativações e redução do investimento público.

“E agora entre 2022 e 2024 desce o défice porque cobra muito mais impostos aos portugueses, mais nove mil milhões do que previa o Orçamento”, afirmou, dizendo que a evolução do saldo primário estrutural baixou de 2,6% do PIB em 2015 para os atuais 2,2%.

“Se o objetivo está correto, o caminho e a forma estão totalmente errados”, disse, afirmação que foi contestada pelo primeiro-ministro.

Na réplica à intervenção do PSD, António Costa contrapôs que o saldo estrutural este ano vai ser zero: “É mesmo a consolidação estrutural das nossas finanças públicas”.

O primeiro-ministro acusou o PSD de apenas considerar que a consolidação estrutural “não é mexer na receita, é mexer na despesa”.

“O que chamam consolidação orçamental é cortar na saúde, cortar nos salários, cortar nas pensões, que foi aquilo que já fizeram e é aquilo que voltariam a fazer outra vez”, criticou o primeiro-ministro.

Neste primeiro confronto, PSD e primeiro-ministro voltaram ao tema que marcou o debate orçamental de há um ano – um suposto corte de mil milhões de euros nas pensões, que António Costa negou ter sido uma intenção do Governo e Miranda Sarmento reiterou que não aconteceu apenas pela “pressão pública e do PSD” – e aos impostos.

“Sobre redução de impostos, nem precisa de recordar que a primeira coisa que fez quando chegou ao PS, depois de correr com António José Seguro, foi acabar com o acordo entre os dois partidos de redução do IRC”, disse Miranda Sarmento, justificando que os sociais-democratas defendem agora a redução do IRS devido ao aumento dos impostos cobrados por via do aumento da inflação.

“Números são números (…) As famílias portuguesas, no conjunto das medidas entre 2016 e 2024, pagarão menos 4.500 milhões de euros de impostos do que pagariam com as regras que tinham em vigor”, contrapôs Costa.

O líder parlamentar do PSD recuperou uma entrevista do ministro da Economia, em que António Costa Silva terá elogiado as propostas do PSD e manifestado disponibilidade para o diálogo.

“Vai seguir o bom exemplo do seu ministro da Economia ou vai ficar fechado na redoma da maioria absoluta, do ‘quero, posso e mando’ ou do ‘habituem-se’?”, questionou, num repto que ficou sem resposta por parte de António Costa.

O primeiro-ministro saudou Miranda Sarmento por, ao contrário do que aconteceu há um ano com as pensões, “não ter voltado a faltar verdade e ter ficado calado sobre o IUC (Imposto Único de Circulação)”, sem repetir “as aleivosias de que vai subir 1.000% para os contribuintes”, que já tinha desmentido na sua intervenção inicial.

Miranda Sarmento pediu para serem distribuídos os elementos informativos que acompanharam o Orçamento do Estado para 2023, no qual se “incluía um estudo da Segurança Social com o corte de mil milhões de euros nas pensões” e remeteu a questão do IUC para posteriores intervenções do PSD.

Uma competição de comédia

Uma brincadeira do presidente do Chega não passou ao lado do primeiro-ministro, que acusou André Ventura de cobardia, depois da divulgação de um vídeo nas redes sociais em que simula ter colado um cartaz crítico no gabinete do PS quando na verdade estava numa porta da bancada do PSD.

"Em matéria de comediante, nem pretendo competir com vossa excelência. Todos tivemos oportunidade de assistir à sua exibição agora e, quem não viu, teve oportunidade de ir ver ao Tik Tok o número que senhor fez onde, com a música da pantera cor-de-rosa, fingiu que me ia insultar, a mim e ao Grupo Parlamentar do PS, mas teve a cobardia de ficar a meio caminho e de pôr o papelinho no Grupo Parlamentar do PSD", afirmou o primeiro-ministro.

O primeiro-ministro disse também que não iria autoavaliar como chegou ao debate, mas considerou também que André Ventura "saiu muito mal".

Em causa está um vídeo partilhado na rede social Tik Tok, no qual André Ventura sai do seu gabinete na Assembleia da República e simula que cola um cartaz junto à porta da sala do Grupo Parlamentar do PS, mas afinal era a do PSD. O papel, em tons de vermelho, tinha uma caricatura do primeiro-ministro e uma mão e nele pode ler-se "A terceira mão do PS. Contra o IUC".

Na sua intervenção, o presidente do Chega afirmou que o primeiro-ministro não chegou ao debate orçamental como comediante, "mas podia ser", e considerou que o Governo está "muito mal" quando diz que Portugal "está muito bem e a convergir".

Ventura defendeu que o país está “cada vez mais na cauda da Europa”.

Na sua primeira intervenção no debate sobre o Orçamento do Estado para 2024, na qual gastou o dobro do tempo previsto, o líder do Chega afirmou que, em 2020, Portugal era o "15.º país da União Europeia em poder de compra e, em 2022, era o 21.º ou o 22.º, se se considerar a Roménia".

"Pior que nós só a Letónia, a Croácia, a Grécia e a Bulgária. Tenha vergonha de nos pôr atrás de países que há alguns anos nem linha de comboio tinham", atirou, questionando de seguida: "Vem dizer que estamos a convergir? Mas estamos a convergir com quem? Com os Camarões, o Azerbaijão, o Botswana?".

"Eu queria convergir com a Alemanha, com França, com Itália. O senhor primeiro-ministro parece querer convergir com a Índia, o Bangladesh, Moçambique e os Camarões", criticou.

Na resposta, na qual gastou cerca de um terço do tempo de André Ventura, o primeiro-ministro abordou a situação da economia portuguesa e salientou que Portugal está “mais próximo dos países mais desenvolvidos da União Europeia”.

“Entre 2015 e 2022, Portugal aproximou-se sete pontos percentuais da França, oito pontos percentuais da Alemanha e nove pontos percentuais da Espanha”, indicou.

António Costa defendeu também que “Portugal não empobreceu, Portugal aumentou o PIB per capita ao longo destes anos”, o que aconteceu “apesar de a população portuguesa estar a aumentar, enquanto outros países, como por exemplo a tão citada Roménia, nos últimos 20 anos ter perdido mais de 15% da sua população”.

Na sua intervenção, André Ventura considerou também que o Governo alegar que o orçamento não aumenta impostos é “uma mentira” que “nem a quarta aparição de Fátima perdoará” e acusou o primeiro-ministro de, a cada ano, “mentir mais e mais”.

“Eu sei que no, momento em que estamos, o senhor primeiro-ministro não pode prometer muito, mas não faltar à verdade não era mau”, defendeu, acusando o Governo de dar “com uma mão uma parte do IRS e tirar com duas o resto”.

Entre o mau e o péssimo

A Iniciativa Liberal criticou a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2024 e o primeiro-ministro respondeu que a direita apresentaria um documento “péssimo para os portugueses”, acusando os liberais de não representarem “quem trabalha”.

“Este é um mau Orçamento, é um mau Governo e um mau primeiro-ministro. O senhor primeiro-ministro é uma espécie de hora de Inverno porque está sempre a atrasar os ponteiros do desenvolvimento de Portugal”, acusou o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha.

O líder dos liberais – que já anunciaram o voto contra – apresentou cinco motivos pelos quais considera este um mau documento, defendendo que existe um aumento da carga fiscal, que “aumenta a despesa em percentagem do Produto Interno Bruto, o que vai condicionar o futuro e a liberdade dos portugueses”, e que a proposta “não tem nada para as empresas”.

Para Rui Rocha, com esta proposta orçamental “Portugal não cresce” e o documento “não põe o país a funcionar”, deixando críticas sobre o estado atual da educação, da saúde e da habitação.

“Eu fico muito satisfeito que ache este orçamento mau, porque se é mau para si, é bom para Portugal e é bom para os portugueses. Porque como vossa excelência e o senhor deputado André Ventura [do Chega] sabem, é evidente que este orçamento podia ser diferente: bastava estarem no Governo com o PSD para que este orçamento fosse diferente, e fosse muito mau para Portugal e péssimo para os portugueses”, respondeu o primeiro-ministro, António Costa.

O chefe do executivo sustentou que a IL “insiste em persistir num erro” e frisou que, no que toca ao crescimento de Portugal, “de 2016 para cá, o país cresceu dez vezes mais do que tinha crescido nos 15 anos anteriores”.

António Costa disse ainda que os liberais “fazem muitos truques”, sendo um deles “confundir aumento de receita com aumento de impostos”.

“Sabe qual é o seu problema? É que para si o imposto que conta não é o IRS, e o senhor não esta cá para representar quem trabalha”, atirou o primeiro-ministro.

Logo de seguida, o líder da IL pediu ao presidente do parlamento que fosse distribuído ao primeiro-ministro os resultados eleitorais das últimas eleições legislativas, defendendo que “não podia aceitar” que se dissesse que os “270 mil votantes” da IL “são pessoas que não trabalham”.

A proposta de Orçamento do Estado, que tem aprovação garantida pela maioria parlamentar do PS, vai ser votada na terça-feira, após o encerramento do debate na generalidade.

A votação final global está marcada para 29 de novembro.

No cenário macroeconómico em que assenta a proposta de Orçamento, o Governo prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 2,2% em 2023 e 1,5% em 2024 e que a taxa de inflação diminua para 5,3% neste ano e 3,3% em 2024.

O Governo chefiado por António Costa pretende alcançar excedentes orçamentais de 0,8% do PIB em 2023 e de 0,2% em 2024 e reduzir o rácio da dívida pública para 103% do PIB neste ano e para 98,9% em 2024.

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