Parlamento dissolvido. O que foi feito e o que ficou pelo caminho?

ECO - Parceiro CNN Portugal , Mariana Espírito Santo
15 jan, 08:33
Parlamento (Lusa/Tiago Petinga)

Foram aprovados diplomas como a Agenda do Trabalho Digno e a lei dos metadados, mas projetos como a revisão constitucional e a regulamentação do lobbying vão ter de ficar para depois das eleições

O Parlamento vai ser dissolvido a 15 de janeiro, na sequência da queda do Governo após a Operação Influencer. Em quase dois anos, ainda foi possível aprovar alguns diplomas relevantes, como as alterações às leis laborais, a lei da eutanásia ou os metadados, mas há também muitos dossiês que ficam pelo caminho e terão de ser retomados na nova legislatura, como a revisão constitucional ou a regulamentação do lobbying.

A legislatura arrancou a 29 de março de 2022, após as eleições também antecipadas que deram a maioria absoluta ao PS, que tinha assim capacidade para aprovar as suas medidas. Até à dissolução, a 15 de janeiro de 2024, o Parlamento esteve “em funções” cerca de um ano e dez meses e entre as principais leis aprovadas destacam-se as mudanças no Código do Trabalho, às ordens profissionais e a lei do tabaco.

As alterações ao Código de Trabalho foram aprovadas em fevereiro de 2023, depois de um debate de dois anos sobre a Agenda de Trabalho Digno. De mais de 300 propostas de alteração apresentadas pelos partidos, diversos avanços e recuos e difíceis consensos, foram acordadas mudanças com as quais ficou mais caro despedir, o valor do trabalho suplementar (que acresce ao salário) duplicou a partir das 100 horas anuais, o outsourcing foi proibido após rescisão de contrato e o trabalho nas plataformas passou a ser regulado.

Em matéria de teletrabalho e família, foi determinado o aumento da licença parental do pai e o alargamento do direito a teletrabalho a progenitores com filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica.

Já a lei da eutanásia teve de ser aprovada cinco vezes, já que foi alvo de dois vetos presidenciais e dois chumbos no Tribunal Constitucional. Foi em maio que o diploma relativo à morte medicamente assistida foi aprovado pela quinta e última vez, sendo que Marcelo Rebelo de Sousa já não tinha a possibilidade de voltar a vetar o documento.

O Parlamento aprovou também, na semana passada, um novo texto sobre metadados negociado entre PS e PSD que condiciona a conservação de dados de tráfego e de localização a um pedido de autorização judicial que deve ser decidido em 72 horas. A nova versão, que visa contornar a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional ao decreto do Parlamento que regula o acesso a metadados para fins de investigação criminal, passa a estipular que “os dados de tráfego e de localização apenas podem ser objeto de conservação mediante autorização judicial fundada” para fins de “investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes”.

As mudanças à lei do tabaco ainda chegaram a avançar nesta legislatura, mas apenas aquelas relativas à equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco convencional. Restam ainda as alterações, que quando foram anunciadas ainda causaram alguns protestos, que poderão ser retomadas com o novo Parlamento.

Houve ainda espaço para mudar os estatutos das ordens profissionais, um processo que levantou polémica. Mereceu fortes críticas das ordens, bem como dos outros partidos, mas o PS acabou por aprovar as alterações. O Presidente da República ainda chegou a vetar os diplomas referentes a algumas das ordens, mas os socialistas confirmaram o documento e aprovaram-no, nomeadamente com o argumento do que era um passo necessário para receber o cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Além disso, no último plenário antes da dissolução ainda foi votado e aprovado o projeto que alarga as ajudas de custo dos deputados, que residam fora dos municípios da Área Metropolitana de Lisboa, ao considerar também a presença em “subcomissões, grupos de trabalho, reuniões realizadas pelos grupos parlamentares e Deputados únicos representantes de um partido”.

Nessa quinta-feira, foi ainda aprovado o texto que aumenta a sanção para ex-titulares de cargos políticos executivos que vão trabalhar para empresas privadas da área que tutelaram e que tenham sido privatizadas ou recebido incentivos durante o seu mandato.

Nesta legislatura, é ainda de destacar os trabalhos que se desenvolveram no Parlamento na Comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP, que deixou a descoberto várias informações e trouxe consequências políticas para Pedro Nuno Santos, que acabou por se demitir do cargo de ministro das Infraestruturas após o caso da indemnização de Alexandra Reis.

O Parlamento continuou também para permitir a aprovação do Orçamento do Estado para 2024, que apesar de ter sido discutido em circunstâncias atípicas, com o Governo com a queda anunciada (para a semana seguinte à aprovação), voltou a bater recordes no número de propostas de alteração entregues. Os deputados fizeram a maratona de votações e acabaram por aprovar, apenas com os votos a favor do PS, o Orçamento para este ano.

No total da legislatura foram aprovados três Orçamentos do Estado — o de 2022, que tinha sido chumbado e provocou na altura as eleições, o de 2023 e o de 2024, tendo sido também chumbadas duas moções de censura ao Governo.

O que fica para a próxima legislatura?

Mas pelo caminho ficam vários projetos, com destaque para a revisão constitucional e para a lei do lobby. Esta última ainda parecia que iria avançar antes da dissolução, já que a Assembleia da República aprovou na generalidade os projetos de lei do PS, PSD, IL e PAN para regulamentar o lobbying, que prevê a criação de um registo de transparência da representação de interesses junto do Parlamento. No entanto, tal acabou por não se concretizar na especialidade já que o PSD pediu um adiamento e já não restava tempo antes da dissolução.

Já para a revisão tinha sido criada uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em dezembro de 2022. “Foram apresentados 8 Projetos de Revisão Constitucional que no seu conjunto compreendem 393 propostas de alteração, revogação e aditamento de artigos da Constituição”, como indica um relatório do Parlamento.

A reversão da agregação de freguesias também já não foi concluída nesta legislatura, e agora tem um calendário apertado, já que existem regras para este tipo de mexidas na proximidade de eleições. Segundo a lei, não podem existir alterações ao mapa administrativo das freguesias nos seis meses anteriores a qualquer ato eleitoral, pelo que as mudanças terão de esperar não só pelas legislativas de março como pelas europeias de junho deste ano.

Existem ainda alguns diplomas que foram aprovados na generalidade mas que não deu tempo para a sua discussão na especialidade, como é o caso da alteração à lei da nacionalidade e a primeira alteração ao estatuto do cuidador informal. Os deputados também podem querer revisitar dossiês como a lei do tabaco, cujas grandes medidas, como a proibição de fumar ao ar livre dentro do perímetro de locais de acesso ao público como equipamentos de saúde ou escolas, acabaram por não avançar.

Para a próxima sessão legislativa, os partidos já sinalizaram que queriam propor várias comissões de inquérito, nomeadamente à situação da Global Media, grupo que detém meios como a TSF e o Diário de Notícias, bem como à privatização da ANA, na sequência de um relatório do Tribunal de Contas que concluiu que a privatização, ocorrida em 2013, não salvaguardou o interesse público.

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