Medida que a Confederação Empresarial Portugal quer ver implementada é elogiada pelos economistas e fiscalistas, mas a sua eficácia prática é colocada em causa. Por um lado, é pouco provável que seja adotada pelo Governo e, por outro, a sua complexidade "obriga a uma alteração do código do IRS", como aponta Paulo Núncio, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Uma medida boa no papel e que “permitirá compensar e reter os trabalhadores”, mas que “dificilmente será acolhida pelo Governo nos moldes que são conhecidos”. É desta forma que os economistas e fiscalistas ouvidos pela CNN Portugal caracterizam o objetivo proposto pela Confederação Empresarial Portugal (CIP) de as empresas avançarem para o pagamento não tributado do 15.º mês, inscrito no pacto social que está a ser negociado entre patrões e o Executivo.
A proposta acontece num momento em que as famílias, a par da inflação e do aumento do custo de vida, têm vindo a “ser muito castigadas por uma carga fiscal excessiva”, levando também à falta de retenção de talento e à desmotivação da força produtiva. Paulo Núncio, anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, destaca que esta é “uma medida que representa dois aspetos muito positivos, permite por um lado beneficiar os trabalhadores e, por outro, aumentar o rendimento disponível”. “Isto numa altura em que o Estado tem, entre 2015 e 2022, adensado a receita fiscal em 25 mil milhões de euros” e, continua Núncio, “só em IRS cobrou mais 3 mil milhões de euros do que em 2015”.
Também o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro reforça a ideia, sublinhando que o pagamento aos trabalhadores de um 15.º mês sem qualquer imposto associado, pode ajudar a contrariar o “problema gravíssimo” da “perda de jovens qualificados que abandonam o país, porque não conseguem ter rendimento suficiente para cá fazerem uma vida com dignidade”.
Na mesma linha, e perante a subida da carga fiscal sobre os salários para 41,8% em Portugal - acima da média da OCDE -, o economista João Cerejeira, professor na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e investigador do NIPE, observa que também o campo da oferta de trabalho tem vindo a sofrer efeitos negativos. “Por exemplo, uma empresa propõe aos trabalhadores realizarem horas extraordinárias e eles sabem que podem ganhar um salário extra, mas que vão ser tributados em valores muito expressivos e, portanto, isto reflete-se num desincentivo às horas extra, mas também num desincentivo do lado da empresa a dar aumentos e a negociar salários”.
“A partir do limiar relativamente baixo de salários, o peso da carga fiscal faz com que grande parte de um aumento seja para os cofres do Estado e não se reflita numa compensação líquida para o trabalhador”, continua Cerejeira, defendendo que a medida proposta pela CIP “sinaliza a possibilidade de haver aumentos e também de esses aumentos poderem ter um efeito muito maior na motivação dos trabalhadores e na produtividade dos mesmos”.
Contextualizando, no final de 2022, dados do gabinete de estatísticas da União Europeia apontavam que, em média, a produtividade por trabalhador é 28% inferior à média dos países da zona Euro. Portugal só estava abaixo da Grécia e da Eslováquia neste ranking, sendo que no espaço de seis anos foi ultrapassado pela Estónia, Letónia e Lituânia, Croácia, Roménia e Polónia.
Este 15.º mês, que a CIP quer inaugurar em Portugal - tornando-o um caso sui generis no mundo, é uma das 30 propostas incluídas no pacto social apresentado ao Governo na semana passada.
Já sobre esta medida em concreto, Armindo Monteiro, líder da CIP, disse que o Governo entrou nas negociações com o pé direito e “numa discussão muito positiva”. Mas a opinião dos especialistas em economia e assuntos fiscais é a de que há pouca probabilidade de a proposta ser aceite. Uma das razões é a de, sendo uma medida voluntária, a ser implementada, tal qual tem sido noticiada, significará abrir “o precedente de isentar uma parte dos vencimentos de impostos e contribuições para a segurança social", explica o economista Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona.
Adicionalmente, acrescenta este economista, “poderá haver aqui o risco de beneficiar mais as grandes empresas que em princípio são aquelas que teriam uma maior capacidade para pagar este 15.º mês, ao passo que as restantes continuariam a pagar a 14 meses”. "É por isso que tenho muitas dúvidas de que o Governo vá aceitar esta proposta, pelo menos tal como ela é conhecida”.
Da mesma opinião é Tiago Caiado Guerreiro que não vê como provável que o Governo adopte esta medida. “Normalmente, tudo o que seja para descer impostos, o Estado não quer, e essa é uma das razões pelas quais a nossa economia está estagnada, e já fomos ultrapassados por praticamente todos os países da Europa. Cada vez menos rendimento disponível fica na mão das pessoas e das empresas”.
Para João Cerejeira há outra problemática relacionada com a complexidade da medida. “Acho que esta medida pode ainda complexificar mais o sistema fiscal que temos, porque cria o problema de, no final de cada ano, no acerto de contas no IRS, distinguir auferir um rendimento do 15.º mês que não está associado aos outros meses”, afirma, sublinhando que, do ponto de vista fiscal, “cria mais complexidade, quando o nosso sistema fiscal peca por não ser mais simplificado”.
Também Paulo Núncio crê que, para tornar esta medida viável, seria necessário uma alteração do código do IRS, lembrando que este imposto não é apenas cobrado no âmbito de retenção na fonte. “Era importante que este valor, de facto, não fosse sujeito a retenção na fonte, mas depois quando fosse feito o acerto de contas existisse também uma regra específica para isentar esta parte do rendimento, do imposto”.
Há ainda outra questão relacionada com a equidade fiscal que cria dúvidas a João Cerejeira sobre esta medida. “A nível individual, dois trabalhadores podem receber o mesmo salário, mas um deles recebeu parte do rendimento no 15.º e outro recebeu nos 14 meses, o que leva a que este segundo pague mais imposto do que o primeiro”.
Dessa forma, Ricardo Ferraz propõe uma outra abordagem. “Eu preferia que os representantes das empresas, dos trabalhadores e os próprios partidos estivessem focados a discutir uma reforma fiscal de fundo que significasse, desde logo, uma redução acentuada das taxas de IRS, beneficiando todos os trabalhadores, tanto os do sector público, como os do sector privado, das micro empresas às grandes empresas, de forma automática, para todos, melhorando a competitividade fiscal da nossa economia. Com um IRS mais competitivo não haveria necessidade de andarmos a tentar ser criativos e colocar remendos ao invés de se resolver verdadeiramente o problema".