Ordem dos Advogados quer comprar imóvel de 3,4 milhões. Conselho Regional de Lisboa fala em "risco de solvência", bastonária diz que críticas resultam de "agenda política própria"

25 mar, 08:00
Sede da Ordem dos Advogados
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Bastonária da Ordem dos Advogados e presidente do Conselho Regional de Lisboa estão de costas voltadas desde a aprovação de um investimento para a compra de um edifício em Lisboa. Conselho Fiscal revelou estar preocupado com a compra por as contas da Ordem estarem negativas, mas deu parecer positivo

 A decisão da Ordem dos Advogados (OA) de investir mais de três milhões de euros na compra de um imóvel numa das artérias principais da capital está a gerar preocupações ao Conselho Fiscal daquela entidade e a alargar uma fissura entre a bastonária e o presidente do Conselho Regional de Lisboa. À volta do novo edifício pairam trocas de acusações de aproveitamento político, queixas mútuas de manobras “às escondidas” e uma certeza: para pagar a despesa, a Ordem vai contrair um empréstimo que terá de pagar durante os próximos 15 anos.

A despesa para a compra do novo imóvel na Avenida Almirante Gago Coutinho, foi aprovada no Orçamento da OA para o ano de 2024 com o propósito de que este edifício sirva de instalações de suporte à Bastonária e ao Conselho Geral. O valor do investimento fixou-se nos 3.400.000 euros, num momento em que as contas apresentadas indicam um saldo orçamental global negativo de 3.597.402 euros.

Para fazer face ao novo investimento imobiliário, a Ordem disse que irá recorrer, por um lado, a um financiamento bancário no valor de 2.400.000€, “a pagar por um período de 15 anos” e pretende ainda utilizar 1.000.000€ do seu saldo de tesouraria acumulado nos anos anteriores.

Perante esta realidade, o Conselho Fiscal, no seu parecer positivo às contas da Ordem em outubro do ano passado, sublinhou “alguma preocupação com o facto do saldo orçamental global ser negativo e estar-se a consumir as reservas de tesouraria acumuladas”, tal como “a assunção de encargos futuros com a contratualização de financiamento bancário”. À CNN Portugal, fonte deste Conselho Fiscal reafirmou as mesmas inquietações: “Trata-se de um investimento avultado dadas as contas apresentadas pela Ordem dos Advogados e ficou por justificar o custo-benefício da aquisição de tal imóvel, tal como a racionalidade económica por trás dessa decisão”. 

Preocupações essas que foram afastadas pela Bastonária da Ordem que, à CNN Portugal, salientou que a análise do Conselho Fiscal “não reconhece a profundidade e o rigor da avaliação realizada”. Fernanda de Almeida Pinheiro garante também que o investimento é necessário para assegurar “adequadamente o bom funcionamento dos órgãos nacionais da Ordem dos Advogados” e por existir a possibilidade de a Ordem perder uma das suas instalações, nas Escadinhas da Barroca, em Lisboa, por causa de um previsível aumento de renda por parte do senhorio - a Caixa de Previdência (CPAS). “Estes foram fatores determinantes da decisão e não foram devidamente ponderados na análise de custo-benefício por parte do Conselho Fiscal”, aponta.

Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados/ Tiago Petinga, Lusa

"Compreendemos que esta visão de futuro possa parecer estranha para algumas mentes", justifica bastonária

Para além do Conselho Fiscal, a vaga de críticas à decisão da compra do imóvel tem vindo de outro responsável - João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. E é neste confronto, que as acusações têm subido de tom. “Isto é uma decisão obscura que coloca em risco a solvência da Ordem dos Advogados e a própria evolução da Ordem”, diz, sublinhando que “se está a comprometer 3,4 milhões de euros com base em informações vagas e incompletas”. A bastonária responde que estas críticas “parecem estar a ser impulsionadas por uma agenda política própria, em vez de uma genuína preocupação com o procedimento adotado”.

Para o presidente do Conselho Regional de Lisboa, a aquisição deste imóvel não deve “ser aprovada às escondidas dos advogados, como um item de orçamento” e devia ter existido uma assembleia autónoma para que a mesma fosse discutida. “Em termos de transparência política, parece-me que não é razoável fazer uma aprovação destas às escondidas de toda a gente, através de uma rúbrica no meio de um orçamento”. 

Assembleia aprovou orçamento para 2024 em outubro/ OA

Além disso, continua o responsável, “estamos a falar de uma Assembleia-Geral pouco participada, com poucas pessoas, e que a senhora bastonária, por exemplo, tinha perto de 300 procurações que, por si só, já seriam suficientes para fazer aprovar todo o orçamento”. No momento da aprovação, diz o presidente do Conselho Regional, “estavam na sala pouco mais de 20 pessoas e uma parte significativa era membros do Conselho Geral, porque infelizmente a classe alheia-se destas situações”.

Já a Bastonária sublinha que as “críticas são falsas” e “não refletem o processo de decisão aberto e participativo que existiu na Ordem dos Advogados”, querendo “desviar a atenção da questão fulcral: a necessidade de investir em instalações que garantam a independência e a capacidade de adaptação futura da Ordem”. A Bastonária acrescenta que foram notificados por email todos os advogados do plano de atividades e orçamento onde estava espelhada de forma detalhada toda esta operação.

Aliás, garante, “quem age às escondidas não é o Conselho Geral, mas sim quem, estando presente no local das discussões se abstém sempre (e repetimos, sempre) de expressar a sua opinião, evitando o contraditório às suas alegadas dúvidas”. “A Advocacia faz-se com pessoas frontais, com coragem para tomar decisões, para assumir posições. O Conselho Geral, ao contrário de outros, tem sempre agido para honrar o mandato que lhe foi conferido, no estrito cumprimento das suas atribuições e competências estatutárias”, reforça.

João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados

João Massano, por seu lado, indica que se manifestou contra as contas demonstradas pela Ordem dos Advogados numa declaração de voto que tornou pública em dezembro do ano passado. “Não posso deixar de relevar que o tema de um encargo com esta natureza deveria ter sido suscitado, não como uma das múltiplas rubricas do orçamento, mas precedido de uma ampla e clara comunicação à classe para que a mesma pudesse participar num voto consciente quanto a um ato que pode fazer perigar a solvência da Ordem. E também não posso deixar de consignar quanto lamento o clima de crispação que está gerado no que respeita ao relacionamento com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores”, escreveu na altura. 

Passados três meses desde a sua declaração de voto ter sido tornada pública, João Massano sublinha à CNN Portugal que “ainda há advogados que não sabem que foi aprovada a aquisição deste imóvel”. “Não estamos a falar de uma coisa mínima, não é o mesmo que a senhora bastonária, por exemplo, contratar um motorista, estamos a falar de encargos futuros”, refere, destacando que neste momento a Ordem está a deparar-se com quedas nas receitas fruto das novas regras para os estágios em advocacia, da diminuição do número de novos advogados que que se irão inscrever este ano e também com o fim do acordo de reciprocidade com o Brasil.

Já a Bastonária sublinha que grande parte dos desequilíbrios orçamentais se devem a “alguns Conselhos Regionais que são inerentemente deficitários e dependem do auxílio do Conselho Geral para manterem a sua atividade”. Ainda assim, aponta, há “inequivocamente capacidade para assumir este investimento”, já que, por um lado, “a OA teve um índice de liquidez de 5 em 2022 e um lucro líquido médio superior a 1.500.000€ nos últimos cinco anos” e que o “investimento total orçamentado não chega a 13% do saldo atual de tesouraria”.

A decisão, remata, é suportada por “uma visão estratégica que transcende ciclos políticos e interesses regionais, posicionando a Ordem de forma a garantir a sua capacidade de se adaptar e crescer. Compreendemos que esta visão de futuro possa parecer estranha para algumas mentes, mas é esta a visão deste Conselho Geral”.

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