Geraldinos e Arquibaldos LXXVI
No dia seguinte à derrota no clássico, o Benfica sugeriu a importação de árbitros.
Depois de uma volta inteira a ganhar na Liga, depois de 18 jogos fora sempre a vencer desde que Bruno Lage assumiu o comando técnico, o campeão nacional propõe, com aparente urgência, que os jogos do título sejam decididos por apitos estrangeiros.
Embora seja uma possibilidade prevista pelos regulamentos desde 2016, a medida é insólita e não terá como intuito ser levada à letra.
Desde logo, dada a sua impraticabilidade. Caso sequer considerassem o apelo, Federação Portuguesa de Futebol e Liga de Clubes passariam um definitivo e inaceitável atestado de incompetência aos árbitros portugueses.
Caso tal acontecesse, Portugal passaria a assumir um modelo adotado pela Arábia Saudita, onde, curiosamente, Artur Soares Dias, o árbitro do clássico do último sábado, esteve há pouco mais de um mês a arbitrar dois jogos da Liga e um da Taça.
Dá-se, portanto, o paradoxo de Soares Dias ser suficiente bom para ser exportado, mas insuficiente, segundo o Benfica, para evitar a importação de árbitros estrangeiros.
Apesar de o nível médio dos árbitros nacionais estar longe de ser inquestionável, dá-se o caso de quem apitou o FC Porto-Benfica do último sábado ser destacadamente o português mais conceituado no panorama internacional, apesar de muitos outros ostentarem as insígnias da FIFA.
Só nesta época, Soares Dias apitou, por exemplo, o Real Madrid-PSG, o Atlético de Madrid-Bayer Leverkusen e o Shakhtar-Manchester City. Fará também por isso pouco sentido que a polémica tenha eclodido após um jogo apitado pelo único árbitro luso que dirige com regularidade jogos da exigente fase de grupos da Liga dos Campeões.
A proposta servirá, portanto, não mais do que para marcar uma posição. Fosse para levar mais a sério e seria apresentada com outra ponderação e solenidade.
Bruno Lage, honra lhe seja feita, mostrou, de novo, uma postura equilibrada no final do segundo clássico perdido esta época para o FC Porto, em que os erros mais notados foram sobretudo os de uma dupla de centrais tão portuguesa como a equipa de arbitragem.
Voltando à medida: seria contraproducente para quem a propõe. Se o problema é a pressão e o condicionamento dos árbitros nacionais, então aí os grandes têm instrumentos diários de que os outros 15 competidores não dispõem: do quase monopólio da atenção mediática, às versões com que condicionam a opinião pública, até às interpretações de lances por parte de supostos especialistas de arbitragem que lhes são afetos.
Os grandes, com o Benfica à cabeça, sabem bem do benefício implícito de que dispõem internamente: um erro contra – ou a favor de um rival – é infinitas vezes mais escrutinado do que os dos jogos de qualquer outra equipa. Será humanamente impossível a quem dirige os jogos não ter presente esta conjuntura, mas ser-lhe imune na hora de decidir.
A não ser que, tomando como exemplo alguns dos jogos da reta final da época anterior, subitamente tenhamos chegado à conclusão de que o ruído e o condicionamento é tal que os árbitros e quem os representa já nem sequer conseguem pedir escusa.
Ora, se assim for, e até porque estão em jogo mais de 40 milhões de euros, que é quanto vale o acesso direto à Liga dos Campeões, avancemos rapidamente e em força pela nata do apito internacional. E já na próxima jornada: Néstor Pitana no Benfica-Sp. Braga e Cüneyt Çakir no V. Guimarães-FC Porto.
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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.