A estética traiu o país do futebol bonito e Roberto Carlos foi réu de um problema que ainda ia no início
Quando havia pancada no recreio (sim, sou desse tempo) surgiam, invariavelmente, dois argumentos fortíssimos para o rescaldo. O imbatível «o meu pai bate no teu»Ora, este tipo de argumentação cai, e que pena que assim é, em desuso assim que a idade avança. Em primeiro lugar porque, por muita vontade que Eduardo Barroso tenha, deixa de fazer sentido resolver as coisas à base do murro. Depois porque ganhamos todo um novo leque de desculpas para não passar um mau bocado. «Não vou baixar ao nível dele»
Claro que isto da argumentação de recreio de escola continua a ser válida para Roberto Carlos. O lateral, não o cantor.
Ele que, nos quartos de final do Mundial 2006, com a França, quando o jogo estava empatado e o mínimo deslize poderia ser fatal, curvou-se e não se levantou a tempo. Aliás, não se levantou de todo.
Diz a piada popular que «foi assim que a Alemanha perdeu a guerra»
E na memória ficou também o argumento que usou no final, de fazer inveja ao mais birrento dos petizes: «Eu não tinha de marcar o Henry. Ele é muito maior do que eu»
Deve haver já muito leitor a pensar que tenho algum ódio de estimação por Roberto Carlos, mas que fique claro que, se tivesse de escolher o onze da minha vida, colocava-o na esquerda da defesa sem hesitar. Apenas, antes de entrar em campo, redobrava-lhe a fita adesiva na ponta do meião
E, já agora, avisava-o para evitar as bicicletas na área, não fosse furar como oito anos antes, em França, também nos quartos de final, frente à Dinamarca. Há qualquer coisa nesta fase da competição que não vai bem com o lateral canarinho…
Porque o resto, bem, o resto era a força da classe e a classe da força. Seja num livre do meio da rua, em arco impossível, seja da linha de fundo, em ângulo impraticável.
Roberto Carlos é um marco na história. Não será o melhor lateral de sempre, nem sequer o melhor brasileiro de sempre. Mas é, inquestionavelmente, marcante. Nos bons e nos maus momentos. É dessa estirpe que são feitos os heróis não é verdade? Um erro de Taraabt é só um erro. Um erro de Ronaldo é um case-study.
Durante muito tempo o Brasil discutiu o dia em que Roberto Carlos ficou a arranjar as meias e deixou Henry escapar. Provavelmente tempo de mais. Porque quatro anos mais tarde, o problema foi a excessiva rigidez de Felipe Melo e do que aconteceu no ano passado nem é bom falar.
Mas serviu, pelo menos, para a lição definitiva: o problema do Brasil não são só as meias. É o fato completo que convém reforçar rapidamente. O futebol agradece.
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