A estrela da NFL que tem uma causa em nome do pai, condenado a prisão para a vida

19 jan, 09:00
CJ Stroud (Foto AP/Matt Patterson)

CJ Stroud é revelação e candidato a figura no seu primeiro ano entre a elite do futebol americano. E decidiu usar a sua visibilidade para chamar a atenção para o caso do seu pai, preso por 38 anos, defendendo reformas no sistema judicial norte-americano

Em ano de estreia, CJ Stroud é estrela em ascensão na NFL e em novembro, após mais uma grande exibição numa vitória épica sobre os Tampa Bay Buccaneers, o quarterback dos Houston Texans desviou a atenção do jogo para falar doutro assunto. «Falei um pouco com o meu pai esta semana. Rezo para que possa acontecer alguma coisa e ele possa sair e vir a um destes jogos», disse.

O pai de CJ Stroud está preso, cumpre uma sentença de 38 anos. E o filho está a usar a sua visibilidade para chamar a atenção não apenas para o caso de CJ Stroud sénior, mas para defender reformas no sistema judicial norte-americano.

Nessa conferência de imprensa destinada a falar do jogo em que bateu o máximo de distância de passes completos num jogo para um estreante na NFL, 470 passing yards numa exibição memorável e numa vitória garantida pelos Texans nos últimos segundos, CJ Stroud disse mais. «Não queria tornar isto público, mas o nosso sistema de justiça atual não está certo. É algo de que eu devia talvez falar mais, porque o que ele está a passar não está certo», continuou: «Não é só meu pai, todo o sistema judicial está corrompido.» Fala também sobre as condições das prisões norte-americanas. «Tenho visto vídeos. No Mississipi, algumas das prisões têm ratos e baratas e coisas assim.»

«Sim, os criminosos têm de cumprir as penas, mas ainda são humanos», continuou o rookie dos Texans. Depois terminou o discurso improvisado. «Só queria dar algum destaque a isto rapidamente, mas estou muito contente pelo recorde e por ter vencido.»

Crimes e castigo por 38 anos

Coleridge Bernard Stroud III está preso desde que foi condenado pelos crimes de roubo de um automóvel, rapto, fuga às autoridades e infração sexual. A acusação é pública e conta que naquele dia de abril de 2015 o pai de CJ Stroud entrou no automóvel de uma mulher que estava parada num semáforo e forçou-a a levá-lo a um local para comprar droga. A mulher, que o acusou ainda de lhe ter tocado nas partes íntimas, conseguiu fugir do carro e reportar o roubou. Coleridge continuou em fuga e, com a polícia a persegui-lo, acabou por bater com o carro. Na fuga, atirou-se para a água na baía de San Diego.

Tinha três condenações anteriores, relacionadas com roubo e droga, que datavam dos anos 90. Antes de CJ Stroud nascer. E foi o cúmulo dessas infrações que levou a uma sentença de 38 anos, que significa que só poderá ser elegível para sair da prisão em 2040, quando tiver 74 anos.

Entre aquelas primeiras infrações e os crimes de 2015, pelos quais se deu como culpado, Coleridge procurou refazer a vida. Trabalhou como executivo numa empresa de tecnologia, era pastor numa igreja cristã e dedicou-se a criar os quatro filhos. «Não tinha cometido nenhum crime desde os seus 20 e poucos anos», contou Kimberly, a mãe de CJ Stroud, à ESPN: «Mas depois as pressões da vida e todas as coisas que acontecem fizeram-no voltar a perder-se.»

No recurso à sentença que apresentou em 2018, o pai de CJ Stroud diz por sua vez que passou «quase 20 anos como homem de negócios de sucesso, pastor, proprietário, marido e filho», mas «quando a mulher pediu o divórcio em 2012, a sua vida fugiu-lhe ao controlo e voltou a usar drogas ilegais, depois de mais de 20 anos de sobriedade».

«Fui ao inferno e voltei»

CJ Stroud tinha 13 anos. A mãe passou a ter de sustentar sozinha os quatro filhos, acumulando empregos, sem um local fixo onde morar. Até encontrar trabalho como responsável de um armazém com um pequeno apartamento por cima, onde a família passou a viver. «Isso salvou-nos. Salvou-me a mim e aos meus filhos de nos tornarmos sem-abrigo», contou a mãe à Sports Illustrated.

Foi num ambiente complicado que CJ cresceu em Rancho Cucamonga, na Califórnia. «A minha vida foi como uma montanha-russa. Fui ao inferno e voltei. Era um miúdo quando isto aconteceu. Tive de crescer muito depressa», disse Stroud em 2020, numa reportagem do site da universidade do Ohio Eleven Warriors, num discurso a que junta sempre a devoção religiosa que mantém até hoje: «Sou muito dedicado a Deus porque eu podia estar numa vala agora. Podia estar ainda nas ruas, podia nunca chegar a jogar futebol. Podia estar na prisão.»

Do soccer ao futebol americano, uma estrela em ascensão

CJ destacou-se no desporto desde miúdo, nas várias modalidades que experimentou. Começou pelo basquetebol, depois basebol e até futebol. «Marcava tantos golos que irritava os outros miúdos», diz a mãe à ESPN. Mas não escolheu o ‘soccer’. Era no futebol americano, que treinava em casa com o pai em criança, que estava o seu futuro. E foi através dele que chegou ao topo, mantendo o foco mesmo depois da tragédia que envolveu a família.

«Ele tinha duas escolhas quando o pai se foi embora», disse Kimberly à Sports Illustrated: «Ou usava isso como motivação para ser o melhor ou sucumbia e tornava-se uma estatística de um miúdo cujo pai fez algo que não devia.» Escolheu o primeiro caminho.

Vingou contra as probabilidades. Que lhe foram explicadas de forma crua por um professor de matemática no primeiro ano do liceu. Numa ronda de perguntas sobre o que cada aluno queria fazer na vida, CJ disse que queria ser jogador profissional. O professor dirigiu-se ao quadro, debitou uma série de números sobre a quantidade de miúdos que jogam, quantos chegam ao futebol universitário e quantos chegam à NFL e escreveu um número: 0,0078. 

 

Ele persistiu. Deu nas vistas ainda no liceu e tinha várias universidades atrás dele quando em 2019 escolheu a Ohio State University. À segunda temporada, já era uma estrela. Em 2021 e 2022 terminou entre os cinco primeiros do Troféu Heisman, que distingue o melhor jogador do futebol universitário. Em abril de 2023, apresentou-se no draft da NFL e foi o segundo jogador escolhido, atrás apenas de Bryce Young, selecionado pelos Carolina Panthers.

Cinco anos sem falar com o pai: «Odiava-o»

Durante muito tempo, CJ Stroud não perdoou o pai. «O meu pai era o meu melhor amigo. Que o nosso melhor amigo desapareça assim, é duro», disse ao podcast The Pivot: «Odiava-o. Pensava, tipo, como é que ele podia ter-me deixado assim?»

Não falaram durante cinco anos. CJ Stroud recusava as tentativas de contacto do pai. Até que aceitou. Em 2022, conta a mãe à Sports Illustrated, o pai ligou-lhe depois da cerimónia do Troféu Heisman, quando Stroud terminou em terceiro, e conversaram durante algum tempo. «Quando falo com ele agora não guardo nenhum rancor», diz o jovem Stroud: «Disse-lhe: ‘Amo-te’. Ele cometeu os seus erros. Eu cometi os meus. Não são as coisas más que interessam.»

Ainda antes de chegar à NFL, CJ Stroud tomou contacto com a Reform Alliance, uma organização lançada por várias personalidades, entre elas os rappers Jay-Z e Meek Mill, que se dedica a procurar influenciar mudanças legislativas do sistema penal norte-americano. Entre elas a dimensão das sentenças ao abrigo do princípio que condenou o pai de CJ Stroud. Chamam-lhe «three Strikes», três ofensas, e prevê aumento exponencial da pena para quem já tenha sido condenado anteriormente por mais de um crime considerado violento. 

No caso concreto do pai de CJ Stroud, a sua defesa argumenta que um dos crimes por que tinha sido condenado anteriormente não é considerado violento, procurando que a sua sentença não se enquadre no quadro legal das «three strikes».

Em fevereiro de 2023, CJ Stroud participou num evento da Reform para partilhar a sua história e discutir o tema.

 

Depois daquela conferência de imprensa em novembro, Stroud diz que recebeu muitas mensagens de apoio. «Tive muito feedback de muitas pessoas que dizem que estão orgulhosas de mim, por me mostrar tão vulnerável e expor algo que é pessoal na minha vida.» E contou que o pai nem queria que ele tornasse o seu caso público, mas ele decidiu fazê-lo: «Eu sempre quis falar sobre isso. O meu pai pediu-me para não falar. Ele sempre quis que eu me focasse no futebol. Honestamente, apenas o fiz para expor a situação, não apenas pela situação dele mas por toda a questão. Só queria alertar para a situação, não só do meu pai, mas sobre o que se passa no sistema criminal. Aprendi mais ao trabalhar com a Reform. Tive alguns jantares e conversas com eles. É fácil ser mais vocal quando temos outras pessoas a fazer o mesmo. Não sou só eu que estou a tentar forçar uma mudança.»

Quando em dezembro a NFL lançou uma iniciativa para que os jogadores usassem as chuteiras para divulgarem uma causa que os motivasse, CJ Brown foi um dos que respondeu. Entrou em campo frente aos Denver Broncos com umas botas onde se lia a palavra Reform e ainda outra mensagem: «Free Pops.»

A escrever história na NFL

Em campo, CJ Stroud anda a escrever história no seu primeiro ano na NFL. O rookie dos Texans é uma das figuras da temporada, a estrela que lidera a equipa numa campanha que já superou expectativas e ainda continua: passaram a ronda preliminar dos play-offs e jogam na madrugada do próximo sábado com os Baltimore Ravens, à procura de atingir pela primeira vez na sua história um lugar na final da Conferência Americana, que é a última barreira antes da Super Bowl.

No fim de semana passado, ele tornou-se o mais jovem quarterback na história da NFL a vencer um jogo dos play-offs, depois de liderar os Texans na vitória sobre os Cleveland Browns (45-14).

Aos 22 anos, já é uma estrela. E agora partilha esses momentos com o pai, ainda que à distância. Manda-lhe fotos e vídeos dos seus jogos, que ele consegue ver ao domingo à noite na prisão de Folsom, em Sacramento. Onde aliás, segundo contou o filho ao The Athletic, já converteu todos os outros detidos do seu bloco em fãs dos Texans.

Stroud dedica-se a mais do que uma causa. Também criou uma fundação, que tem como principal foco auxiliar mães solteiras que atravessam dificuldades na vida, como as que enfrentou a mãe dele.

A consciência cívica, disse ao The Athletic, foi-lhe passada pelo pai, que o encorajava a ler sobre Martin Luher King, Malcolm X ou Rodney King, símbolos da luta pela igualdade de direitos. Depois, ganhou força quando se tornou mais pessoal. E ele, enquanto reza para que a pena do pai seja abreviada, pretende continuar essa luta.

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