A NATO encontra-se numa situação invulgar: está mais cor-de-rosa do que nunca mas os velhos ressentimentos mantêm-se

CNN , Análise por Luke McGee
4 abr, 13:06
Tropas franceses em exercícios da NATO na Estónia (AP)

ANÁLISE || Os países que formam a Aliança estão relativamente unidos quanto ao que é necessário fazer a longo prazo e estão dispostos a pagar por isso. Mas ainda há quem veja os seus homólogos como parasitas. Portanto: nem tudo é mau mas o que é mau é preocupante. A NATO faz 75 anos

O próximo desafio da NATO: inverter anos de baixo financiamento da defesa

por Luke McGee
 

Os 75 anos de história da NATO podem ser descritos em três atos, cada um deles definido por ameaças existenciais à segurança ocidental.

Primeiro, foi a Guerra Fria e a ameaça soviética. O segundo ato ocorreu nas décadas de 1990 e 2000, quando a NATO enviou tropas pela primeira vez para a Bósnia e o Kosovo, seguindo-se o Afeganistão e o Iraque. A partir de 2014, a primeira invasão da Ucrânia pelo presidente russo Vladimir Putin e o autoproclamado califado do ISIS trouxeram as ameaças armadas de volta às fronteiras da Aliança, numa altura em que os Estados Unidos e os seus aliados estavam a retirar-se lentamente do mundo.

O quarto ato da NATO pode ser definido por uma crise que se desenrolou em câmara lenta. Durante mais de uma década, os aliados têm vindo a gastar cronicamente menos em defesa, enquanto os adversários do Ocidente modernizavam e reforçavam as suas próprias capacidades militares.

A forma mais óbvia de compreender o impacto desta situação é através da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022.

É claro que a pessoa mais responsável pela invasão da Rússia é o próprio Putin. Mas as pessoas diretamente envolvidas na política de segurança ocidental dizem que os avisos sobre a necessidade de melhorar as defesas foram ignorados em prol do equilíbrio das contas na sequência da crise financeira de 2008.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky (de pé, segundo à esquerda) é aplaudido pelos líderes turco, britânico e norte-americano numa reunião do Conselho NATO-Ucrânia durante uma cimeira da NATO em Vilnius, a 12 de julho de 2023. Murat Kula/Agência Anadolu/Getty Images

Rasa Juknevičienė, ministro da Defesa da Lituânia entre 2008 e 2012, recorda uma reunião com responsáveis norte-americanos no Pentágono em 2012, na qual indivíduos "de todos os lados, incluindo os EUA, reconheceram que a Rússia estaria em posição de testar a NATO até 2019".

Apesar de saberem do risco, em 2014, apenas três dos 30 aliados da altura conseguiram cumprir o objetivo da NATO de 2% do PIB em despesas de defesa. Em 2019, esse número subiu apenas para sete.

Em declarações à CNN, Juknevičienė, atualmente membro do Parlamento Europeu, afirmou: "A NATO estava adormecida na década de 2010, concentrada na guerra contra o terrorismo e não nas ameaças regionais. A despesa com a defesa manteve-se baixa em todo o Ocidente, não só por causa das pressões orçamentais, mas também porque todos - incluindo os EUA - tinham medo de provocar a Rússia.

"Na minha opinião, isso significava que a Rússia podia ver que a NATO não levava a sério a sua própria defesa, o que tornava a invasão da Ucrânia muito menos intimidatória."

O baixo financiamento dos orçamentos de defesa durante um longo período de tempo tem múltiplas consequências - desde a redução do número de tropas até à má manutenção do equipamento. Mas, no contexto da guerra na Ucrânia, os stocks de munições limitados e em rápida diminuição para o Ocidente dar a Kiev foram possivelmente os mais prejudiciais.

"Uma coisa é certa: se os aliados europeus tivessem atingido o objetivo de 2% - em particular, a Alemanha - haveria muito mais armas para dar à Ucrânia sem enfraquecer a defesa dos seus próprios países", afirmou John Herbst, antigo embaixador dos EUA na Ucrânia, à CNN.

O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken recebe os documentos de ratificação da NATO das mãos do primeiro-ministro sueco Ulf Kristersson durante uma cerimónia no Departamento de Estado norte-americano a 7 de março de 2024. Andrew Caballero-Reynolds/AFP/Getty Images

"Talvez se houvesse mais armas houvesse mais dissuasão para Putin", acrescentou.

É importante referir que não era função da NATO proteger a Ucrânia de uma invasão. A Ucrânia não é membro da NATO e só declarou formalmente a sua intenção de aderir após a invasão de 2022.

No entanto, a natureza do apoio dos aliados da NATO à Ucrânia - grande parte do qual é apoio militar direto - expôs a vulnerabilidade que anos de falta de financiamento causaram à aliança.

Não se trata apenas do facto de uma despesa militar reduzida significar stocks de armas reduzidos. A falta de procura significa que não há incentivo para as empresas privadas de armamento investirem no fabrico de armas. Por outras palavras, pode ter-se todo o dinheiro do mundo mas não se pode comprar armas que não existem. Entretanto, a Rússia expandiu maciçamente a sua própria produção de munições e voltou-se para os adversários ocidentais, incluindo a Coreia do Norte e o Irão, para conseguir mais armas.

"Não há dúvida de que os EUA e os seus aliados não têm indústrias de armamento que produzam equipamento suficiente para uma guerra de grandes potências", disse Herbst.

Isto foi reconhecido pelos membros da NATO. Mais aliados do que nunca estão a cumprir o compromisso de 2% de despesa mínima, que deverá aumentar antes da cimeira de Washington, em maio - um evento para assinalar o 75º aniversário da criação da NATO, a 4 de abril de 1949.

Os responsáveis da NATO, muitas vezes cínicos e cépticos, estão invulgarmente optimistas com o facto de os governos de tantos países estarem a levar mais a sério as despesas, em especial a aquisição de armas.

O líder do bloco, Jens Stoltenberg, disse em fevereiro que 18 dos seus membros deveriam gastar pelo menos 2% do PIB em defesa este ano.

Foram prometidos milhares de milhões de dólares, bem como esquemas de países individuais para comprar e aumentar a produção de munições e armas. Mas a maior parte dos planos elaborados pelos funcionários são, na realidade, a longo prazo - é preciso tempo para construir fábricas e formar pessoal.

O chanceler alemão Olaf Scholz visita o futuro local de uma fábrica de armas onde o fabricante de armas Rheinmetall tenciona produzir munições a partir de 2025, em Unterluess, Alemanha, a 12 de fevereiro de 2024. Fabian Bimmer/Pool/Reuters

Isto significa que o desafio que se coloca agora aos aliados da NATO não é apenas o de satisfazer a procura de armas provenientes da Ucrânia, mas também o de inverter anos de financiamento insuficiente das suas próprias defesas.

Os diplomatas europeus, em particular os dos países bálticos, descrevem frequentemente a necessidade não só de encher o armazém que foi esvaziado pela entrega de armas à Ucrânia, mas também de construir um novo armazém que também precisa das próprias armas.

Por isso, mesmo com as novas promessas de despesa, ainda vai demorar muito tempo para chegar ao ponto em que a maior parte dos responsáveis europeus pela defesa reconhece que deveriam estar os stocks de munições.

Uma pessoa perfeitamente consciente deste facto é o próprio Stoltenberg. Esta quarta-feira, em Bruxelas, antes de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, o secretário-geral disse que a NATO "podia assumir mais responsabilidades na coordenação do equipamento militar e na formação da Ucrânia". Stoltenberg acrescentou que os aliados deveriam "comprometer-se a dar mais apoio à Ucrânia e depender menos de contribuições voluntárias".

"Temos de garantir uma assistência segura, fiável e previsível à Ucrânia", afirmou.

Peter Ricketts, ex-embaixador do Reino Unido na NATO, disse à CNN que, apesar de ser inegável que mais países atingem a marca dos 2%, "o dinheiro novo demora anos a transformar-se em capacidade. E não é suficiente agora que a ameaça aumentou na Europa. Especialmente tendo em conta o risco de uma futura presidência Trump se afastar da Europa".

A situação em que a NATO se encontra aos 75 anos é invulgar. Por um lado, pode argumentar-se que as coisas estão mais cor-de-rosa do que estiveram durante muito tempo. Os países estão relativamente unidos quanto ao que é necessário fazer a longo prazo e estão dispostos a pagar por isso. Novas iniciativas, como forças de resposta rápida, exercícios de treino e destacamentos de tropas, estão a ser coordenadas a nível central.

A Aliança até se expandiu, com a Finlândia e a Suécia a juntarem-se às suas fileiras no ano passado.

Douglas Lute, antigo embaixador dos EUA na NATO, disse à CNN: "Penso que o copo está meio cheio, em vez de meio vazio. Penso que, num mapa do mundo, a fronteira territorial da NATO é a linha vermelha mais brilhante e os aliados estão a torná-la mais brilhante através de novas iniciativas. Se perguntar se a NATO é suficientemente forte para dissuadir Putin de um ataque direto, eu diria que devemos avaliar as suas capacidades e as suas intenções. O facto é que Putin tem respeitado as fronteiras da NATO".

No entanto, os velhos ressentimentos mantêm-se. Alguns aliados não acreditam que os outros sejam tão generosos com as despesas de defesa se a guerra entre a Rússia e a Ucrânia terminar. E os responsáveis de países que historicamente têm cumprido os seus compromissos ainda veem os seus homólogos como parasitas que podem não aprender as lições desta guerra à sua porta.

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