Cândida Vilar. A Procuradora sem medo

25 abr 2022, 15:01
Cândida Vilar

Depois de ter liderado no Ministério Público o combate ao crime organizado e mais violento em Lisboa, nos últimos 15 anos, a procuradora Cândida Vilar jubilou-se no início deste mês, ao fim de cerca de 40 anos de carreira. Polémica, exigente, dura e “sempre frontal”, como a caracterizam colegas e polícias com quem trabalhou na investigação a muitos dos mais sensíveis, complexos e mediáticos processos da nossa justiça, acumulou dezenas de sucessos, com alguns, poucos, dissabores à mistura. Mas “nunca se escondeu nem deixou de se assumir na direção dos inquéritos”. Foi sempre assim “para o bem e para o mal”, lembra um magistrado, realçando “a coragem, a integridade, a entrega” e o sentido de missão e de justiça como o grande legado da superprocuradora.
 
Intuitiva e “perspicaz” no desfazer de inúmeros mistérios, nunca abdicou de ser intrusiva no definir das estratégias de investigação, o que lhe valeu conflitos na gestão de relações entre a magistratura e as polícias, ao mais alto nível, tendo acumulado polémicas, conflitos, sido alvo de queixas e assumindo amizades e inimizades. Foi, sempre, “desapegada e indiferente aos prejuízos que isso traz ao carreirismo tático de que vão vivendo muitos dos colegas que não querem chatices”. 
 
Corria o ano de 2008 quando fundou e passou a liderar a Unidade Especial de Combate ao Crime Violento do DIAP de Lisboa, então dirigido por Maria José Morgado, numa altura em que a segurança da capital se via ameaçada por uma série de fenómenos que urgia estancar. Um dos expoentes desse alarme social foi o caso do sequestro no BES de Campolide, travado a tiro pelo Grupo de Operações Especiais da PSP numa noite de verão. Um dos assaltantes morreu, o outro foi preso e acabou condenado com base numa acusação de Cândida Vilar. 

Já antes, numa carreira que também passou pelo combate ao tráfico de droga, tinha investido na investigação a crimes de ódio da extrema-direita, em articulação com a Polícia Judiciária – o conhecido processo dos skinheads em que chegou a ser alvo de ameaças e que a obrigou,  durante anos, a ter segurança pessoal.
 
Seguiram-se processos como a ‘máfia da noite’ ou ‘máfia brasileira’, em que apostou com a PSP e a GNR no desmantelar de associações criminosas que impunham serviços de segurança ilegal nos espaços de diversão noturna de Lisboa e da Margem Sul, pelo medo e pela violência. Cândida Vilar dirigiu ainda investigações a grupos que arrombavam e assaltavam caixas multibanco, um fenómeno que começou em 2011, e outros processos que levaram a dezenas de detenções como nos crimes violentos da claque do Benfica No Name Boys.
 
Teve a cargo inúmeros casos de raptos, sequestros, grupos organizados de roubos e homicídios com mistérios associados, de que foi exemplo a morte, à bomba, do dono do bar O Avião, e outras em ajustes de contas relacionados com tráfico de droga. Mais recentemente, investigou e acusou suspeitos nos casos das mortes de recrutas dos Comandos no campo de tiro de Alcochete, ou da invasão violenta ao centro de estágios do Sporting.
 
Incansável no combate a diferentes fenómenos de crime violento, quase sempre associados ao controlo dos negócios de droga em Lisboa, tinha primeiro que os conhecer a fundo. E "dominar a informação", cruzando-a, sobre quem é quem entre os alvos das investigações, algo que nunca deixou só nas mãos das polícias. "Nunca abdicou disso", conta um responsável policial. Conhecia, e geria com mestria, como poucos, "a informação de uns processos para o sucesso de outros" com os mesmos protagonistas diretos ou indiretos.

Diz quem a conhece de perto que, aos 65 anos, Cândida Vilar deixa o  Ministério Público mais pobre. Sai serenamente e pela sombra, como sempre se quis posicionar, longe dos holofotes. Mas seguramente pela porta grande.

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