O «Red Devil» que vê o jogo por câmaras centenárias e tons nostálgicos

8 abr, 10:00
Miles Harris, fotógrafo britânico que cresce na Premier League e espreita Portugal (DR)

Miles Harris usou a pandemia como trampolim para cumprir o «sonho maior». Apaixonado por rolos fotográficos e câmaras «vintage», já brilhou em Old Trafford e no Santiago Bernabéu. Tudo começou na casa do Fulham. Para o futuro, este fotógrafo elege três destinos em Portugal

De Londres para Manchester, Madrid e Los Angeles, de câmaras aos ombros e com a mala apetrechada de rolos fotográficos. Miles Harris navega há meio ano num sonho de tons idílicos, no qual alia o engenho de manusear câmaras de outrora com a astúcia de eternizar telas junto aos relvados.

Num percurso trilhado desde 2021, este fotógrafo britânico tem a agradecer ao Fulham – de Marco Silva e João Palhinha – pela confiança que permitiu a afirmação da carreira. Apaixonado pelos tons «cremosos» de câmaras e rolos «vintage», Miles aceita a companhia do Maisfutebol, enquanto viaja de Londres para Oxford, de onde é natural.

Hora de rebobinar, recuperar álbuns e recordar de que forma a pandemia serviu de trampolim para a realização profissional.

«Trabalhei na indústria musical, sempre no contexto de fotografia e vídeo. Na pandemia, o setor parou e, então, investi numa câmara, comprada na loja do Facebook, e comecei a trabalhar alguns registos paisagísticos, enquanto passeava», começa por desvendar.

Dia para dia, o portfólio de Miles aumentou, de tal forma que inaugurou o «Expired Film Club», em 2021, projeto no qual meramente divulgava o quotidiano, em forma de coletânea nostálgica, brindando os seguidores com dicas quanto ao processo criativo. Mas, este era apenas o primeiro passo.

«A minha família gosta de desporto e de viajar, então é habitual visitarmos diferentes estádios. Quando ia para a bancada, aproveitava para levar fotografar na perspetiva do adepto, como se os seguidores estivessem no meu olhar. Nos vídeos mostro o rolo a entrar na câmara, e, depois, os resultados», descreve.

Numa dessas tardes, em fevereiro de 2023, no regresso a Oxford, depois do triunfo do Fulham sobre o Nottingham Forest (2-0), Miles guardava – sem saber – registos preciosos. Depois de publicadas, as imagens motivaram os londrinos a convidarem o britânico para fotografar junto a uma das balizas do Craven Cottage.

«Aconteceu em novembro, frente ao Wolves (3-2). Enquanto adepto, sei o que devo fotografar, sei o que as pessoas quererão recordar. As fotografias foram partilhados nas redes sociais do Fulham, o que impulsionou o projeto e resultou em convites de outros clubes, como o West Ham», conta, como se falasse de uma realidade utópica.

 

Old Trafford, a ascensão ao paraíso

A tarde de 17 de março está eternizada na memória – e no currículo – de Miles. A convite da Federação de Futebol (FA), este fotógrafo acompanhou os «oitavos» da Taça de Inglaterra, entre Manchester United e Liverpool. Nas mãos, este assumido «red devil» ostentava uma autêntica peça de museu.

«Usei uma N.º4 Cartridge Kodak, uma câmara de 1897, já que a Taça de Inglaterra é a competição mais antiga na história do futebol. É a [câmara] mais valiosa da minha coleção», revela.

Mas, o recital de astúcia prosseguiu.

«Sou adepto do Man. United desde criança. Já no estádio, deram-nos três posições à escolha: balizas ou linha lateral. E não nos podíamos mover. Portanto, pensei, se algo de incrível acontecer, será na “Stretford End”, onde estão os adeptos mais carismáticos», recorda, admitindo que a «sorte» jogou a seu favor.

 

A favor de Miles e do Man. United, pois, na direção da referida bancada, e já no prolongamento, Rashford empatou a eliminatória (3-3) e Dialló consumou a reviravolta, para lá do minuto 120. Seguiu-se um imparável turbilhão de emoções.

«Mesmo sendo fotógrafo pela FA, no momento do golo não me consegui conter. Fui abraçado pelos adeptos, não dá para descrever. No meio de tudo isto, o Antony parou, a apontar para o símbolo, enquanto olhava, literalmente, para a minha lente. Isto, a três passos de mim. Estava no paraíso. Quando o jogo acabou, na viagem, só pensava se as fotografias estariam focadas», conta, entre risos, e claramente emocionado.

 

Como se tal não bastasse, os registos foram partilhados nas redes socais da FA e do Manchester United. Por isso, seguiram-se «encomendas».

«O Koibbe Mainoo pediu fotografias desse jogo. Acho que, em breve, estarei de regresso a Old Trafford e o Mainoo já me pediu um “olhar” atento. Estou, de facto, a viver um sonho», reitera Miles.

 

Já que a conversa nos guia pela Premier League, então qual o melhor português em terras de Sua Majestade? A realidade é agridoce para este «red devil».

«Por muito que me custa, Bernardo Silva está noutro patamar. O Diogo Dalot tem estado muito bem, deu um passo em frente esta época. Quanto ao Bruno Fernandes, não é suficientemente valorizado. É um dos melhores médios no mundo», argumenta.

De Los Angeles a Madrid, sob interesse da Adidas

Enquanto aguarda um convite do Liverpool – e gere sucessivos desafios, ora no Reino Unido, ora no estrangeiro – o fotógrafo ainda trabalha sobre dias «relâmpago».

«Estive num jogo do Los Angeles FC, no final de março, e, no regresso, fiquei por Espanha, para ir ao Santiago Bernabéu. A convite da Pro:Direct Soccer, fui fotografar o Bellingham, Mendy e Nacho, que calçaram as Predator24, as novas chuteiras da Adidas», detalha.

Fascinado pela «aura» que envolve Jude Bellingham, Miles anseia reencontrar o avançado, quiçá no Europeu deste verão.

«Gostaria de o fotografar com o equipamento alternativo de Inglaterra. Gosto dessa camisola, pelos tons mais escuros e pelos detalhes. [Este ano] Ambiciono estar no Europeu, nos Jogos Olímpicos ou na Fórmula 1 [em Silverstone]», atira.

 

«Gostava de ir ao Porto, a Braga e já fui contactado pelo Sporting»

Da indústria musical, Miles conserva as lentes de longo alcance e câmaras de «rápido disparo». Entre investimentos, revela que trabalha com cerca de 20 câmaras, ainda que «apenas três ou quatro» sejam obrigatórias nos jogos.

Assumindo este ofício como emprego, o fotógrafo prepara-se para a Maratona de Londres, depois de presenciar o Torneio das Sete Nações, de râguebi, e campeonatos de snooker. Em todo o caso, o futebol continua a ser a modalidade com desafios mais exigentes e aliciantes.

«Em fevereiro, usei a Kodac em Estocolmo, na Suécia, para uma sessão com o plantel do AÏK. Foi um pedido especial, a propósito de uma edição limitada que replica o equipamento fabricado há 100 anos. A câmara não é aconselhável para os jogos, por ser muito grande», anota.

 

E de onde provêm tantos rolos? Um negócio que perdura em lojas físicas no Reino Unido, esclarece Miles.

Questionado sobre a essência de «viajante no tempo», o entrevistado perde-se entre risos, deixa a mente vaguear e explica que se revê numa fusão de correntes criativas.

«Gosto deste espírito “divino” das imagens, mas também recorro a registos em 4K, fora do futebol. Tenho MacBook e iPhone, portanto também estou a par das novas tecnologias. Câmaras e lentes mais antigas obrigam a que o uso seja completamente manual, o que poderá dificultar o foco em movimentos rápidos. Mas, os resultados são muito melhores, como se o fundo fosse mais “cremoso”. O equilíbrio dos tons é fantástico», explana.

 

Nos últimos quilómetros desta conversa com o Maisfutebol, Miles admite se aventurar por Portugal, ora pelo Norte, ora por Lisboa.

«Já vi trabalhos muito interessantes na cidade do Porto. Também vi imagens do estádio do Sp. Braga, localizado num lugar peculiar. Fotografar lá seria desafiante. Entretanto, já fui contactado pelo Sporting para ir a Alvalade. Espero que se venha a concretizar e que ainda consiga ver o Gyökeres, um avançado promissor». Está entregue a proposta.

Objetivos e as «armas» de eleição

De preferência munido com a Canon F-1, e respetiva lente de 300mm F-2.8, Miles Harris opta pelo rolo Kodak Portrait 400 – «caros» – para registos desportivos a cores. Quanto ao seu local de trabalho, por norma junto à relva, não guarda segredos.

«Tenho de capitalizar o espaço, para que me possa mover nos momentos-chave. Antes do jogo posiciono-me e preparo todo o material. Fico com duas câmaras aos ombros e a de longo alcance – com a lente de 300mm – fica no tripé. As restantes, se necessárias, estão próximas ou aos ombros», detalha.

De malas aviadas para o futuro e de olho no regresso a Old Trafford, este britânico almeja edificar uma carreira eclética.

«Trabalhar sobre basquetebol é algo a planear, porque adoro a velocidade da modalidade. Em todo o caso, o sonho máximo é fotografar a final de um Mundial de futebol», remata.

 

No último apeadeiro desta viagem, Miles assume-se motivado a inspirar quem o segue, mostrando como o investimento no «sonho maior» se revelou uma vitória, algo inimaginável até novembro de 2023.

«Está a acontecer muito rápido, mas com naturalidade. Sou adepto de futebol e apaixonado por fotografia. Poder compatibilizar estes dois contextos é incrível», conclui.

Estaciona. A conversa, tal como a boleia, chega ao seu término. Miles abre a porta para entrar o pai, Bob Miles, locutor da BBC Radio, e coautor do podcast «A Game With No Halves» – ou seja, «Um Jogo Sem Metades» – sobre «a equipa mais bem-sucedida na Premier League».

Só há um problema: esta equipa não existe. Este é, então, um podcast sobre o clube de Bob Miles na aplicação «Fantasy» da Premier League.

Por agora, resta aguardar pelos próximos capítulos da jornada de Miles Harris, a seguir no «Experied Film Club». Quiçá o reencontremos, nos próximos meses, em Alvalade, na Pedreira ou no Dragão.

Relacionados

Sporting

Mais Sporting

Patrocinados