A incrível história de O.J. Simpson: a estrela, um crime brutal e o julgamento do século

12 abr, 09:00
OJ Simpson (AP Photo)

A vida do antigo jogador de futebol americano, que morreu nesta quinta-feira aos 76 anos, deu muitos filmes e foi muito para lá da ficção

O.J. Simpson foi uma estrela do futebol americano e era uma estrela dos ecrãs quando se tornou personagem central de um dos casos criminais mais controversos e mediáticos de sempre. A vida de OJ, que morreu nesta quinta-feira aos 76 anos, deu muitos filmes e foi muito para lá da ficção.

Estas imagens não são cinema, são reais. Um Ford Bronco branco a avançar em velocidade baixa por uma autoestrada de Los Angeles, seguido por duas dezenas de carros da polícia e nove helicópteros no ar. Lá dentro seguia O.J. Simpson, em fuga no dia em que deveria ter-se apresentado às autoridades para responder às acusações dos homicídios de Nicole Simpson, a sua ex-mulher, e de Ronald Goldman. O carro era conduzido por Al Cowlings, também antigo jogador da NFL e amigo de OJ, que tinha consigo uma arma e ameaçava matar-se.

Naquele dia 17 de junho de 1994 a NBC interrompeu a transmissão das finais da NBA entre os New York Knicks e os Houston Rockets para acompanhar a perseguição, que foi transmitida por várias estações de televisão. Estima-se que aquelas duas horas de direto tenham sido vistas por 95 milhões de pessoas nos Estados Unidos e muitas mais por todo o mundo.

O miúdo problemático que se tornou recordista da NFL

Orenthal James Simpson, desde sempre conhecido como OJ, era uma estrela. Com a história de alguém que superou uma infância e adolescência difíceis a alimentar a popularidade. Nascido a 9 de julho de 1947 em San Francisco, teve problemas de raquitismo e usou aparelhos ortopédicos nas pernas feitos pela mãe, que o criou sozinha num ambiente problemático. Fez parte de um gangue, teve problemas com a polícia na adolescência, mas destacou-se no desporto, distinguindo-se por uma velocidade invulgar.

Com notas baixas no liceu, demorou a chamar a atenção das maiores universidades, mas o potencial atlético acabou por se tornar evidente. Com a Universidade da Califórnia do Sul, venceu em 1968 o Troféu Heisman para o melhor jogador universitário de futebol americano, mas também se distinguiu em competições de atletismo de velocidade, nos 100m e estafetas.

Foi a primeira escolha do draft da NFL de 1969, assinando pelos Buffalo Bills. Numa equipa sem grandes ambições, fez apenas um jogo de play-offs em toda a carreira, mas isso não impediu que fosse considerado o melhor running back da sua geração e um dos melhores de sempre da NFL, com marcas históricas que perduram até hoje. Em 1973 tornou-se o primeiro jogador a ultrapassar as 2000 jardas de distância numa época. Ao fim de nove temporadas nos Bills mudou-se para os San Francisco 49ers, onde jogou mais duas épocas antes de terminar em 1979 uma carreira que lhe valeu um lugar no Hall of Fame da NFL.

 

Rico, famoso e popular até ao escândalo

Ainda enquanto jogador, já tinha iniciado um percurso como ator. Entrou em duas dezenas de filmes e séries e nos anos 80 e manteve-se sempre no espaço mediático, em anúncios publicitários ou como comentador da NFL na NBC. Rico, famoso e popular, uma estrela como talvez nenhuma personalidade negra antes dele. «Ele não era apenas admirado, era amado», resumiu Bob Costas, histórico comentador desportivo que trabalhou com O.J. Simpson na NBC, em declarações à CNN: «Quanto a ser uma força cultural, antes dos homicídios, ele foi, não o primeiro em absoluto, mas o primeiro a atingir o estrelato em grande estilo, um afroamericano que atingiu o sucesso.»

Essa aura é indissociável do impacto mediático do caso de duplo homicídio de 1994. A 12 de junho desse ano, Nicole Brown Simpson e Ronald Goldman, um empregado de bar seu amigo, foram assassinados, vítimas de múltiplos esfaqueamentos, no exterior da casa da ex-mulher de OJ. Havia registos anteriores de várias queixas por violência doméstica de Nicole, que era a segunda mulher de OJ, de quem tinha dois filhos. O antigo jogador foi de imediato considerado suspeito. Cinco dias mais tarde, tinha acordado apresentar-se às autoridades, mas foi então que se deu a fuga no Ford Bronco. Que terminou ao fim de duas horas, junto à casa de O.J. Simpson, onde ele foi então detido.

O duplo homicídio, o julgamento e a absolvição

Seguiram-se meses de um intenso circo mediático, com todo o julgamento transmitido em direto. O.J. Simpson rodeou-se de uma equipa de advogados de luxo, que procuraram desacreditar a investigação e acusaram a polícia de motivações raciais contra o seu cliente. Para a história daquele a que a imprensa norte-americana chamou o julgamento do século ficou o momento que envolveu uma das principais provas apresentadas pela acusação, duas luvas ensanguentadas. Uma delas teria sido encontrada no local do crime e a outra em casa de O.J. Simpson. O procurador pediu que O.J. Simpson calçasse as luvas e este pareceu fazê-lo com dificuldades, passando a ideia de que eram demasiado pequenas, como recordou agora o Washington Post. Nas alegações finais, o advogado de OJ, Johnnie L. Cochran Jr, rematou com esta frase: «If it doesn’t fit, you must acquit.» Se não encaixa, têm de absolver.

O.J. Simpson foi mesmo absolvido. Depois de oito meses de julgamento, o júri decidiu em menos de três horas pelo veredicto de não culpado, num processo que expôs as profundas divisões raciais na sociedade norte-americana e que é alvo de estudo até hoje. E inspirou livros, filmes e documentários. Entre muitos, a série «People vs. OJ Simpson», na qual OJ é interpretado por Cuba Gooding Jr ou o documentário OJ: Made in America, premiado com um Óscar.

Condenado no processo civil e preso por outro crime

Apesar da absolvição no processo criminal, O.J. Simpson seria condenado em 1997 num processo civil em que foi considerado responsável pelos homicídios. Devia pagar 33.5 milhões de dólares às famílias das vítimas, mas estas receberam apenas uma pequena parte desse valor.

Essa batalha legal incluiu os direitos de um livro negociado por O.J. Simpson, com o título «If I did it», «Se eu o tivesse feito», que explorava como «hipótese» a forma como ele teria cometido os crimes. Um tribunal acabou por atribuir à família de Ronald Goldman os direitos do livro, que seria publicado com a versão da família de Goldman e com o título «If I Did It: Confessions of the Killer».

O.J. Simpson nunca foi condenado pelo duplo homicídio, mas seria, sim, por outro crime. Em 2007 foi detido por assalto à mão armada num quarto de hotel em Las Vegas, para roubar artigos de coleção de desporto. Alegou que estava a resgatar bens que lhe pertenciam, dos tempos da NFL. Foi condenado, precisamente 13 anos depois da absolvição no caso dos homicídios, a 33 anos de prisão. Teve a pena encurtada e saiu definitivamente em liberdade em dezembro de 2021, aos 74 anos. Desde então ocupava o tempo a ver desporto e a fazer comentários nas redes sociais, ele que tinha mais de 800 mil seguidores no X, o antigo Twitter, na conta onde nesta quinta-feira a família anunciou a sua morte.

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