Esteve mais de 30 anos em fuga e continuava à frente dos destinos da Cosa Nostra siciliana. Matteo Messina Denaro morreu de cancro - a única razão pela qual foi apanhado, disse à polícia - mas deixa atrás um rasto de sangue e morte
Matteo Messina Denaro passou 30 anos em fuga antes de ser detido, em janeiro deste ano. Quando foi presente a um juiz, segundo contou a imprensa italiana, disse imediatamente que não contassem com ele para colaborar com as autoridades. "Só me apanharam por causa da doença", provocou. Até ao fim, aquele que era considerado o último "padrinho" da máfia siciliana, chefe dos destinos da célebre Cosa Nostra, manteve o silêncio sobre a sua atividade. A par dos crimes que lhe imputam as autoridades - deixa atrás de si um rasto de sangue e morte, como escrevia esta segunda-feira o jornal italiano La Stampa - Denaro era considerado o último homem na posse de inúmeros segredos da máfia, que agora dificilmente serão conhecidos.
Informadores da polícia e procuradores italianos acreditam que Messina Denaro tinha os nomes de muitos dos envolvidos em alguns dos crimes mais hediondos da máfia, e que guardara mesmo os documentos secretos que estavam no esconderijo de Salvatore "Totò" Riina, o mais poderoso chefe da máfia siciliana do século XX, preso em 1993. Tal como Riina, Denaro é suspeito de ter estado envolvido nos homicídios dos famosos juízes antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992. E Denaro terá chegado a guardar a agenda vermelha do juiz Borsellino, contou um denunciante ligado à máfia.
O segredo para iludir durante 30 anos as autoridades foi a aparência de normalidade: segundo a imprensa italiana, Messina Denaro tinha amantes, amigos, um testa de ferro para conseguir arrendar casas, um médico conivente que lhe garantia as receitas para levantar na farmácia e os exames para combater a doença que o havia de matar, um cancro no cólon. Teve apenas uma filha, que o conheceu no passado mês de abril, já em cativeiro. A agência italiana ANSA garante que era ela quem estava à cabeceira do mafiosos quando Denaro finalmente sucumbiu, na madrugada desta segunda-feira.
Durante anos, a fuga de Messina Denaro foi um símbolo de como as autoridades italianas não conseguiam, por falta de meios ou incapacidade, travar os maiores criminosos. A polícia, porém, nunca deixou de estar no seu encalço, o que resultou em várias detenções dos que lhe eram próximos ao longo dos anos, nomeadamente da sua irmã, Patrizia, que ainda hoje cumpre pena de prisão. Também lhe foram apreendidos vários bens, que o deixaram mais vulnerável. Mas as fotografias que havia dele eram escassas e a polícia teve de recorrer a um software de envelhecimento e reconstrução facial para conseguir uma imagem daquele que seria o seu rosto, após décadas em que nunca foi visto. As autoridades chegaram a protagonizar episódios inéditos em que davam ordem de detenção a homens, parecidos com Denaro, mas que nada tinham a ver com o chefe da máfia siciliana.
O crime sempre foi o negócio da família Messina Denaro - que era conhecido como "Diabolik" ou "U Siccu", o magro em dialeto siciliano. Nasceu em 1962 na cidade siciliana de Castelvetrano e, quando tinha apenas 15 anos, já andava com uma arma. Segundo a Reuters, que cita informação policial, cometeu o primeiro homicídio quando tinha apenas 18 anos e sempre teve atividade nos setores dos resíduos, energia e comércio, onde se move tradicionalmente a máfia, construindo um império multimilionário.
Da morte dos juízes ao homicídio de uma criança dissolvida em ácido
O clã de Castelvetrano era aliado do clã Corleonesi, liderado por Salvatore "Totò" Riina, o indisputado chefe dos chefes da Cosa Nostra. Denaro tornou-se protegido de Riina e consta que podia ser tão impiedoso quanto o seu mestre, que era conhecido como "a besta": foi condenado a 20 penas de prisão perpétua in absentia pelo seu papel em vários homicídios perpetrados pela máfia.
Além das já referidas mortes dos juízes Falcone e Borsellino - que chocaram Itália e levaram as autoridades a pressionar cada vez mais a máfia siciliana e suas atividades - Messina Denaro também foi considerado um dos responsáveis por atentados à bomba em Roma, Florença e Milão em 1993, que mataram dez pessoas. Terá ainda ajudado a organizar o rapto de Giuseppe Di Matteo, uma criança de 12 anos, para dissuadir o pai de apresentar provas contra a máfia às autoridades. A criança foi sequestrada durante dois anos e depois morta, estrangulada e dissolvida em ácido, em 1996.
A prisão de Bernardo Provenzano, em 2006, deixou-lhe caminho aberto na chefia da Cosa Nostra e terá conseguido manter sempre um estilo de vida luxuoso graças às somas que recebia de empresários e políticos que chantageava. Durante a fuga, tornou-se célebre a frase que disse um dia: "Enchi um cemitério, eu sozinho", congratulava-se.
Messina Denaro desapareceu em 1993, quando vários mafiosos decidiram fazer jogo duplo e dar à polícia informações sobre as hierarquias. Os detetives acreditam que poucas vezes se terá afastado da Sicília e, em 2022, ano antes de ser detido, esteve quase sempre em Campobello di Mazara, uma cidade com cerca de 11 mil habitantes a uma curta distância de carro da casa da mãe.
Comunicava com outros mafiosos através de "pizzini", pequenos pedaços de papel escritos em código, distribuídos por mensageiros. Alguns chegaram a ser intercetados pela polícia, nomeadamente aquele que daria conhecimento às autoridades da doença que o afetava, um pedaço de papel descoberto na casa da irmã Rosalia em Campobello di Mazara, no mês antes de Denaro ser detido. Também ela acabou por ser presa, por associação mafiosa, poucos meses depois da detenção do irmão. Na mensagem, as autoridades ficaram a saber sobre sessões de quimioterapia para combater o cancro, cada vez mais agressivo.
Também num pedaço de papel, que os agentes da polícia encontraram no seu esconderijo de Campobello di Mazara, Matteo Messina Denaro escreveu a sua última vontade: "Recuso qualquer celebração religiosa porque é feita por homens imundos que vivem no ódio e no pecado". Esta espécie de testamento teria data de 2013.
O funeral de Denaro não será religioso mas, segundo o Corriere della Sera, será provavelmente filmado, por exigências da investigação policial às atividades mafiosas na Sicília. A urna será sepultada no cemitério de Castelvetrano, numa cerimónia rápida - até porque a Igreja siciliana nega sempre funerais religiosos aos mafiosos.