Polícia admite que eleições podem estar em risco. “A verdade é que não controlo os meus colegas. Não tenho mão sobre os meus colegas"

4 fev, 15:46

Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional dos Polícias, admite que as eleições de 10 de março podem estar em risco. Em entrevista à CNN Portugal realizada este sábado, o dirigente sindical admite que "poderá haver falta de polícias para 10 de março" e recorda que " os boletins de voto são transportados pelas forças de segurança e as urnas de voto também"

Neste momento estão em causa as eleições legislativas de 10 de março?

A verdade é que ninguém estava à espera do que ia acontecer hoje e começamos a temer que, de facto, se para hoje [sábado] houve falta de polícias, poderá haver falta de polícias para 10 de março porque os boletins de voto são transportados pelas forças de segurança e as urnas de voto também.

O Governo parece que não quis ouvir os gritos de revolta dos polícias, nas massivas manifestações de Lisboa no dia 24 e no dia 31 no Porto.

Dado que estamos a falar de um período muito importante para a democracia, não quer aqui desaconselhar ações semelhantes a esta no dia das eleições legislativas?

A verdade é que os sindicatos têm tentado, por todas as formas, e as associações também, que as coisas sejam feitas dentro dos princípios basilares da democracia e dentro daquilo que são as linhas vermelhas do que se pode e não pode fazer.

O Governo nem assim tem escutado os profissionais das forças de segurança. Obviamente, nada disto é o que os sindicatos desejariam que estivesse a acontecer. Isso, é claro, julgo que nenhum polícia gostaria que isto estivesse a acontecer.

Mas quando a própria plataforma que agrega vários profissionais refere que os protestos vão subir de tom, e que pode haver situações em que ultrapassem até a própria lei, o que é que se quer dizer com isto?

O que se quer dizer é exatamente aquilo que lá está escrito. É que a plataforma tem tentado, dentro daquilo que são os princípios legais, lutar pelos direitos dos polícias. O Governo tem feito ouvidos mocos àquilo que os polícias dizem.

O Governo não está a dar respostas às solicitudes dos polícias. Não está a saber responder à altura de um Governo competente para resolver um problema que é grave. A prova disso foi agora o jogo do Famalicão. No Porto, também, a falta de efetivo está a ser evidente.

O jogo do Porto esteve em risco e teve de desviar os policiais que estavam ali a fazer o serviço da Unidade Especial de Polícia para o jogo de futebol. O senhor Comandante Metropolitano do Porto teve de dar uma satisfação ao senhor Juiz de que, de facto, havia necessidade de que os polícias não estivessem ali momentaneamente a fazer a segurança aos inquéritos, aos interrogatórios, mas sim a fazer segurança no jogo do Dragão porque havia falta de elementos policiais e já cerca de meia centena de elementos do Comando Metropolitano do Porto tinham dado também parte doente.

No caso das eleições legislativas, o transporte de urnas de voto não tem substituição possível? Será muito mais difícil do que estas situações de que hoje estamos a falar?

Evidentemente que sim. E quero acreditar que isso não vai acontecer. Mas não podemos descartar. E temos de alertar o Governo para aquilo que pode acontecer.

Mas são ou não as forças de segurança essenciais à democracia?

Claro que são. As forças de segurança são um dos pilares da democracia.

Então como é que explica que possam colocar em causa o grande momento democrático de um país, que é o momento em que os eleitores vão votar?

Essa pergunta tem de fazer ao Governo português. O Governo português é que fragilizou este pilar da democracia. Foi o Governo português, com a sua teimosia de não querer resolver os problemas, que está a empurrar os polícias para um precipício e está a forçar os polícias a tomar posições extremadas que, volto a dizer, não são desenvolvidas pelas estruturas sindicais e associativas, são por iniciativas inorgânicas e as coisas começam a perder o controle.

Precisamente por ser por iniciativa inorgânica, pergunto se não quer aconselhar os seus colegas a alguma ponderação, sobretudo para 10 de março?

Tenho de dizer aos meus colegas que eles são profissionais de forças das forças de segurança, seja PSP, seja GNR, e eles sabem perfeitamente as suas responsabilidades. Mas também tenho de dizer ao Governo português, que sabe perfeitamente quais são as suas responsabilidades, e desde que todo este conflito entre os profissionais das forças de segurança e o Governo começou, o Governo está em silêncio absoluto.

Nós, da parte do Governo, ainda não obtivemos um único ponto de contacto. Nós estamos numa situação em que começa a cair em descrédito o movimento sindical e associativo por culpa do próprio Governo. Quem está a criar o monstro, quem está a criar a besta, é o próprio Governo.

Mas não teme que esse descrédito seja ainda maior e eventualmente inultrapassável se os portugueses olharem para o 10 de março com desconfiança em relação à polícia por não garantir o escrutínio eleitoral?

Acredito que isso possa acontecer e pode ser um perigo que pode acontecer. A verdade é que não controlo os meus colegas. Não tenho mão sobre os meus colegas porque, como acabei de dizer, o Governo elevou e extremou as posições de tal maneira com a sua teimosia que os polícias, neste momento, estão predispostos a fazer aquilo que têm estado a fazer.

E isso é que é grave. É termos um Governo que está a ver um dos pilares da democracia a desmoronar-se e não fazer nada.

E este Governo ainda tem condições, antes das eleições, para oferecer algum tipo de solução?

Qual é o Governo que está em funções até 10 de março? Não é este? Se temos um conflito, se estamos a ver uma situação crítica, não a vamos resolver? Pergunto: se agora Portugal entrasse em guerra, nós diríamos ao nosso invasor, olhe, esperem um bocadinho, que dia 10 de março vamos ter novas eleições, façam a guerra a partir de 10 de março. A realidade é esta.

E isto é uma guerra das forças de segurança?

Não é uma guerra. Utilizo isto como exemplo. Não é uma guerra. Mas é uma luta por direitos.

Mas pergunto-me se, atendendo a estas particularidades que estamos a ver hoje, e ao risco daquilo que pode acontecer a 10 de março, se isto já é mais do que uma luta por um direito, se já é mesmo uma guerra?

Os polícias estão a dizer que não estão capazes para trabalhar por questões de saúde. Não é uma guerra. É uma realidade.

A Direção Nacional da PSP já emitiu um comunicado a esclarecer, onde fala num número não habitual de polícias que informaram que se encontravam doentes, comunicando baixa médica. Não é estranho um conjunto alargado de polícias, simultaneamente, apresentarem baixa médica?

Depende da sua predisposição psicológica. Depende do seu estado de espírito. Os ânimos andam a ferver dentro da polícia. E termos pessoas na rua que se calhar estão numa situação psicológica que não será a mais recomendada para estarem a trabalhar, se calhar é melhor estarem em casa.

O problema é o alastramento disto, que nós tentamos evitar ao máximo. As forças sindicais e associativas têm feito tudo o que é possível, fizeram uma manifestação em Lisboa, deram um sinal ao Governo, o Governo respondeu com silêncio absoluto. Fizeram uma megamanifestação no Porto que ninguém estava à espera, nem nós estávamos à espera da dimensão daquela manifestação, e o Governo responde com silêncio absoluto.

E de repente, os senhores agricultores, e com toda a razão, ninguém está a pôr isso em causa, em menos de 24 horas têm o seu problema resolvido. E o Governo continua a teimar em nem dar uma única palavra aos polícias. O senhor Primeiro-Ministro ainda não se dirigiu aos polícias uma única vez.

O protesto de agricultores tornou ainda mais evidente para si esta discrepância?

Claro, porque se não há dinheiro para os polícias, como é que o Governo arranja sempre dinheiro para todas as outras necessidades que invoca?

Mas teme procedimentos disciplinares contra estes agentes?

Isso é algo que tenho de perguntar à Direção Nacional da PSP. É provável que haja. Não ponho isso em causa. A PSP é uma estrutura hierarquizada e que tem um código deontológico e um estatuto disciplinar e, obviamente, não ponho em causa que, em determinadas situações, se a PSP se entender, irá haver o desenvolvimento de ações disciplinares. Agora, os elementos também terão direito à defesa.

A Liga informou que vai exigir nas instâncias próprias ser ressarcida pelos danos. A quem é que pedirá? À PSP?

Ao Estado português, deduzo. Quem suspendeu o jogo de futebol foi o senhor árbitro. É a única pessoa com poderes para suspender um jogo de futebol. Quem decidiu não haver jogo depois foram os clubes.

Não pode haver um jogo sem polícias de segurança?

Pode. Pode haver um jogo. Nós, polícia, podemos nem estar presentes para...

Uma das descrições é de que entre as 6 e as 7 da tarde, havia um cordão policial com um número não superior a 3 polícias. Isto são condições de segurança?

Podem não ser condições de segurança. Mas também temos de alertar que os polícias não são usados para dar educação aos adeptos de futebol. Os adeptos de futebol pacíficos deveriam estar presentes para assistir a um jogo de futebol. Não é para fazer batalhas campais. Portanto, o jogo poderá muito bem desenrolar-se sem a presença sequer de um único polícia.

Sente alguma falta de responsabilidade em relação aos feridos, pela falta de policiamento?

Não digo que isto possa ter escalado e ter se tornado uma situação pior por não haver policiamento em número suficiente. Agora, não são os polícias que são responsáveis por agressões desenvolvidas por cidadãos entre eles. Isto depende do civismo que as pessoas têm.

Mas, dando este contexto, quem é que tem a competência de garantir a ordem pública, independente do civismo da população?

Quem tem a competência de garantir a ordem pública é a polícia, mas também não há uma polícia a cada esquina. E nós temos também observado muitos jogos de futebol que estão com grandes policiamentos e não é por causa disto que não deixa de haver agressões.

Mas lamento muito que tenha havido feridos, [e queria] deixar isso bem expresso. Lamento muito. E estou certo de que todos os meus colegas também lamentam que tenha havido feridos.

Mas não sente responsabilidade neste desfecho?

Eu não sinto, particularmente.

Nem da classe que representa?

Julgo que não. Porque, mais uma vez, volto a dizer, não foram agressões que a polícia tenha responsabilidade no seu início. A polícia teria de dar resposta às agressões, mas as agressões já estavam em curso.

Olhando ao dia de amanhã [domingo], vai haver mais um jogo, Benfica-Gil Vicente. Pode repetir-se o que hoje vimos?

Não sabemos. É como hoje no jogo do Porto. Foi uma incógnita. Segundo sei, cerca de meia centena de elementos policiais acabou por recorrer ao médico e dizer que estava doente. Não sei o que é que vai acontecer. A realidade é que nós não sabemos. Isto, como já disse, está a correr à margem do que são as ações desenvolvidas pelas estruturas da plataforma.

A Liga refere que foram dadas garantias por parte das autoridades que haveria todas as condições de segurança para a realização deste jogo. Como é que se dá uma garantia, de facto, e ela depois não se concretiza?

Muito simples, porque estava-se a contar que estivessem presentes um número de polícias. Obviamente, se aparece uma situação inopinada em que, à última hora, os elementos policiais metem parte doente, é uma situação que não era expectável. Aconteceu tal e qual como pode acontecer em qualquer lado e em qualquer profissão. Não é algo que nós controlemos. Faz parte da saúde das pessoas.

Eu aí não ponho em causa, não sou médico, não tenho de estar a fazer comentários sobre os motivos que levaram os elementos policiais a meter baixa. Agora, também posso dizer, não vale a pena estar a esconder isto, que muitos elementos policiais não estão bem na perspetiva psicológica. Sentem-se completamente desgastados, frustrados com uma profissão que não é valorizada pelo Governo português e que o Governo português, ao longo do último mês e meio, não fez nada para corrigir.

Temos ouvido sempre a desculpa de que o Governo está em gestão. O problema não é de hoje. Quando o problema se criou, o Governo ainda estava em funções e não resolveu o problema.

O Governo entrou em gestão e constitucionalistas vieram dizer que podia resolver a situação e não resolveu. Pior ainda, o Governo entrou em silêncio absoluto com as estruturas sindicais. E basicamente é o Governo que está a empurrar os policiais por uma questão de desespero para este tipo de medidas.

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