As histórias de amor são como os palácios por recuperar em Itália. Há sempre camadas prontas a vir ao de cima
Ao percorrer o estonteante palácio, apreciando os frescos no teto, Kelly e Jess, naturais da Austrália, souberam que a sua vida estava prestes a mudar.
O ex-casal, que se divorciou em 2013, decidiu, quase de imediato, comprar a histórica propriedade situada na comuna de Stimigliano, região de Lácio, no centro de Itália.
“O agente levou-nos por um acesso coberto, abriu a porta e conduziu-nos para uma bela e grande cozinha”, contou Kelly, antiga fabricante de móveis à CNN.
“Então [passámos] pela cozinha e chegámos à entrada principal. Olhei para cima e comecei a chorar”.
Sonho italiano
Kelly e Jess, que foram casados durante 18 anos, são agora os orgulhosos donos do Palazzo Menichelli, que esteve vazio durante praticamente três décadas.
Então como é que este antigo casal acabou a mudar-se para outro país e a comprar um palazzo – uma grande moradia, ao estilo italiano – em conjunto?
“A nossa relação era platónica há muitos anos”, explica Kelly. “Mas éramos bons amigos. Vi aqui uma oportunidade para o Jess e eu termos, ambos, casa própria. Assim podíamos viver felizes para sempre neste lugar maravilhoso”.
Há muito que Kelly sonhava com um “final feliz” em Itália, ainda antes de ter visitado este país europeu, uma vez que começou a planear a mudança ainda em 2014.
Contudo, as coisas não correram bem nessa altura, com o sonho a ser “colocado de novo na prateleira”.
Quando a mulher viajou para Itália pela primeira vez em 2018, Kelly conta que se apaixonou pelo país “mais do que nunca”.
No ano seguinte, a casa que tinha na Austrália foi colocada à venda, com a mulher a entregar uma caução para ficar com o palácio localizado em Alvito, na região de Lácio.
Contudo, com a pandemia de covid-19 a tornar-se global, Kelly ficou receosa sobre dar um passo tão grande e desistiu do negócio.
Apesar deste revés, estava determinada em mudar-se para Itália o mais cedo possível. Foi então que decidiu perguntar ao ex-marido Jess se estaria disposto em ir com ela para ajudá-la a instalar-se.
“Disse-lhe que ele próprio poderia acabar a decidir ficar em Itália”, conta a mulher. “Então ele foi comigo nessas circunstâncias”.
Kelly continua para explicar que ela e Jess, que têm três filhos, continuaram próximos depois do divórcio. Além disso, também trabalhavam juntos.
“Estávamos ambos envolvidos em muitas coisas. Às vezes, viajávamos juntos para fazer entregas”, junta.
Histórica propriedade
Em julho de 2020, o ex-casal voou para Itália com os seus dois gagos, Vonny e Gooee.
Apesar de Jess, que na altura nunca tinha viajado para Itália, só pretender ficar no país pouco tempo, acabou “apaixonado” pela propriedade, quando ele e Kelly fizeram uma visita no mês seguinte. A propriedade foi reconstruída por uma família italiana, de apelido Menichellis, em 1901.
Depois de negociarem com os donos, acordaram comprar o Palazzo Menichelli por 123 mil euros.
“Fomos ao escritório do agente imobiliário, revimos toda a documentação e assinámos o contrato naquela mesma noite”, diz Kelly.
Quando o negócio foi finalizado, no final desse ano, o ex-casal passou as semanas seguintes a conhecer a região e a fazer planos. Entraram ambos em Itália com uma autorização de residência dirigida a cidadãos não originários da União Europeia que pretendem residir no país, exigindo um rendimento de 31 mil euros.
“Sempre houve a condição de que podíamos tirar o nome do Jess do contrato se ele mudasse de ideias”, explica Kelly. “Pesquisei sobre isso e era relativamente simples”.
Os dois começaram rapidamente as obras de renovação da histórica propriedade, que tem cerca de 500 metros quadrados e um terraço que se estende por todo o último andar.
“O edifício até estava em boas condições, o que foi incrível, porque foi muito barato”, diz Kelly.
Kelly e Jess concluíram sozinhos a maior parte do trabalho durante os três anos seguintes, transformando o enorme espaço vazio numa cozinha funcional, dando uma nova aparência às casas de banho e pintando muitas das paredes da propriedade.
Segundo Jess, um dos trabalhos mais difíceis foi construir um jardim “do zero”.
“Aquele jardim tem sido um grande desafio, porque era uma confusão, só pavimentos e pedras”, diz. “Não havia terra nenhuma”.
Trabalho de restauro
Quando Kelly e Jess começaram a trabalhar no interior da propriedade, descobriram que havia muitos frescos cobertos por tinta. Então removeram cuidadosamente a tinta para restaurá-los.
“A remoção da tinta que havia por cima dos frescos é um projeto a longo prazo”, explica Kelly, reconhecendo que há áreas onde tal tarefa será “inviável”.
“Vamos continuar a insistir”.
Além disso, estão praticamente concluídas as obras nesta propriedade com seis andares e 17 divisões, incluindo quatro quartos, duas salas de jantar, duas cozinhas, quatro casas de banho e dois halls de entrada – sendo uma entrada formal e a outra entrada lateral.
“É grande, mas não é demasiado grande”, diz Kelly. “Ouve-se falar de palácios por aqui com 20 quartos”.
O ex-casal converteu um dos quartos num salão de música, onde planeiam realizar pequenos concertos para a família e amigos. E também compraram e restauraram um cravo veneziano – um instrumento de teclas que se popularizou no período barroco.
Kelly e Jess também criaram duas novas áreas de refeição, com acesso para o terraço traseiro.
Têm planos para transformar dois dos quartos no segundo andar num luxuoso alojamento para turistas, criando ainda uma área de restaurante.
Embora tenham trabalhado muito na propriedade, Kelly e Jessi consideram-se muito sortudos, porque o processo tem sido “muito fácil”.
“Muitos filmes mostrar como é árduo o trabalho de renovar um lugar como este, como é preciso consertar isto e aquilo”, refere Kelly, explicando que a propriedade não exigiu nenhum trabalho estrutural, de canalização ou de eletricidade.
“Fizemos tudo sozinhos. Tudo o que precisámos de fazer foi uma diversão”.
O ex-casal estima ter gastado menos de 50 mil euros em materiais, como tinta, até agora.
Comunidade unida
Embora Jess tivesse planeado ficar pouco tempo em Itália, acabou por se interessar profundamente pelo país e agora sente-se bem instalado em Stimigliano, a cerca de uma hora de Roma.
“Toda a gente tem sido amigável e prestativa”, diz Jess. “É mesmo uma ótima comunidade”.
Contudo, ambos admitem que tem sido um grande desafio aprender italiano e comunicar com os locais.
“Sou um bocadinho tímida”, diz Kelly. “Então sinto-me um pouco envergonhada. Recrimino-me muito porque, muitas vezes, não compreendo o que os locais estão a dizer”.
E embora Jess vá apanhando algumas palavras no caminho e já se consiga “safar” no supermercado, está longe de ser fluente na língua italiana.
Kelly reconhece que não conseguiram socializar tanto como os locais como gostariam, em parte devido à barreira linguística, mas também devido ao facto de terem chegado durante a pandemia e de terem passado muito tempo a trabalhar na propriedade.
“Estaria a mentir se dissesse que temos muitos encontros com os locais e que vamos às casas uns dos outros”, diz ela. “Isso ainda não aconteceu muito”.
“Mas vamos a todos os eventos que há na terra. Uma das coisas mais maravilhosas das pequenas cidades italianas é que está sempre algo a acontecer”.
Kelly ficou muito impressionada com o calor e a gentileza da comunidade, descrevendo como os vizinhos às vezes aparecem “à nossa porta para deixar lasanha”, porque muitas vezes “fazem em grandes quantidades e dão aos amigos”.
“Coisas como esta espantam-me”, diz, acrescentando que Jess muitas vezes dá por si a receber café de graça ou mesmo uma garrafa de vinho quando vai dar uma volta.
Kelly confessa adorar o ritmo de vida mais lento da sua nova cidade italiana e admite que às vezes se sentia “um peixe fora de água” quando vivia na Austrália.
“Não me encaixava na Austrália”, diz Kelly, que vivia perto da cidade de Melbourne antes de se mudar para Itália.
“A Austrália é descrita como um lugar onde a vida é bastante tranquila. Na realidade, é tudo a correr”.
“Lá tens de estar sempre a fazer alguma coisa. Já aqui, nesta pequena cidade, todos se conhecem”.
Fim do conto de fadas
“Se estiveres a passar, aqui todos te dizem ‘olá’ e perguntam se precisas de ajuda. É algo saído de um conto de fadas. É mesmo”.
Embora realce que alguns estrangeiros a viver em Itália se queixam da burocracia, Kelly recusa deixar que isso a afete.
“As pessoas queixam-se da burocracia”, diz ela. “Mas o que eu destaco é que passamos uma pequena parte do nosso tempo a lidar com burocracia e 99% a apreciar esta bela vida neste lugar maravilhoso”.
O companheiro de quatro patas Vonny também se adaptou bem à nova casa. Infelizmente, Gooee, que também viajou com os donos para Italia, faleceu em março passado.
Embora Kelly e Jess estejam satisfeitos com a sua situação, a mulher admite que a relação platónica que têm pode causar alguma confusão, sobretudo junto de estranhos.
“Estamos a lidar melhor com isso”, diz ela, reforçando que sempre se deram bem enquanto equipa.
“Tenho 60 e o Jess 62. Perdoem-me a franqueza, mas muita gente da nossa idade também não faz grande coisa. Estamos como muitos casais casados estão neste ponto das suas vidas”.
“A não ser que alguém fale sobre isso, não é algo em que pensemos muito”.
Embora Kelly tenha falado em mudar-se para Itália durante anos, conta que muitos dos seus amigos na Austrália não a levaram a sério. E até há quem ainda a questione sobre isso.
“Todos diziam que não ia acontecer”, recorda. “Mas depois de ter vendido a casa, sabia que ia mesma acontecer, que ia mudar-me”.
Kelly enfatiza que os filhos ficaram entusiasmados pela forma como as coisas correram bem para os pais. Um dos filhos planeia visitá-los ainda este ano.
