Os perigos da Worldcoin

7 mar, 11:47
Worldcoin (AP)

A Worldcoin apresenta-se como um projeto revolucionário e futurista, prometendo não apenas criar uma moeda digital global mas também democratizar o acesso ao capital e impulsionar a inclusão financeira a uma escala sem precedentes. O projeto destaca-se pelo seu método de distribuição de tokens: a verificação da identidade através da leitura da íris por um dispositivo chamado “Orb”. Segundo os seus promotores, esta abordagem visa garantir que os tokens são distribuídos de forma justa, supostamente evitando fraudes e duplicações. Como contrapartida, é oferecido a cada subscritor, no momento inicial, uma parcela da criptomoeda.

Não obstante a forma aparentemente altruísta e bondosa como se promove nas suas intenções e objetivos, a Worldcoin levanta várias preocupações no que toca à proteção e segurança dos dados. Ao recolher dados biométricos tão sensíveis como os padrões da íris, o “modelo de negócio” da Worldcoin suscita, legitimamente, dúvidas e preocupações significativas, tendo a empresa, por essa razão, que assegurar aos subscritores, às autoridades e à comunidade que tutelou uma série de riscos e exigências legais e éticas.

Desde logo, a Worldcoin terá de demonstrar que dispõe de mecanismos adequados ao nível da segurança, tendo presente que uma eventual violação destes dados resultará em riscos de identidade irremediáveis, uma vez que a íris de uma pessoa é única e não pode ser alterada. Mas não apenas: ao nível da licitude e da transparência, o modelo de negócio da Worldcoin levanta legítimas dúvidas e reservas sobre a clareza com que o consentimento dos subscritores da criptomoeda é obtido junto dos participantes, especialmente porque fica a sensação de que a larga maioria das pessoas aderentes não compreende minimamente as consequências associadas à cedência de dados biométricos como a iris.  A falta de transparência da Worldcoin sobre a forma como os dados serão utilizados, partilhados, reutilizados ou até eliminados é ainda crucial para adensar a desconfiança no projeto, uma vez que estes dados biométricos podem ser utilizados para fins diferentes dos anunciados, incluindo partilha com terceiros ou v.g., para atividades de marketing. Neste particular, não é possível ignorar, também, que a acumulação de dados biométricos num banco de dados centralizado suscita temores de vigilância e monitorização indevida por entidades estatais ou outras organizações, algo que é altamente plausível se pensarmos que a Worldoin tem um discurso distópico e de promoção de um “mundo novo” que, na sua vanguarda, quer o melhor para todos a troco daquilo que nos é mais essencial: a nossa identidade permanente.

Com o adensar da polémica, as explicações que a Worldcoin tem vindo a veicular só servem para reforçar as preocupações de quem entende que este projeto, na sua essência, passa linhas vermelhas de forma irrecuperável. Por exemplo, ao afirmar que todos os dados recolhidos seguem um processo de anonimização, a Worldcoin parece ignorar que, sendo a íris dados biométricos, não são anonimizáveis, pois será sempre possível proceder-se à reidentificação da pessoa a que os mesmos dizem respeito. Neste particular, importa referir dois aspetos que não têm sido muito mediatizados. Por um lado, a aparente existência de uma contrapartida monetária aos subscritores, como moeda de troca pela cedência de dados biométricos, deverá ser ilegal em vários países – incluindo Portugal – ferindo de morte a ideia de que o consentimento é concedido de forma livre e não condicionada. Por outro lado, ao contrário das comuns “passwords” ou outros mecanismos temporários de gestão da identidade, se os dados biométricos de uma pessoa forem comprometidos, os mesmos não podem ser “redefinidos” ou substituídos, representando riscos de privacidade e segurança a longo prazo, algo que será necessariamente ilegal pela falta de comando e controlo que o titular deixará de ter para eliminação dos seus dados.

Por todas estas razões, é de louvar a iniciativa da Autoridade Espanhola de Proteção de Dados (AEPD), que ontem ordenou suspender até três meses as atividades da Worldcoin, algo que, admite-se, poderá ocorrer nos próximos dias em outras jurisdições europeias, incluindo Portugal. 

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