«Se me dissessem há 24 anos que a Sérvia ia falhar tantos Europeus eu não acreditava»

22 nov 2023, 09:00
Sérvia também já garantiu uma vaga no (Euro2024 EPA/ANDREJ CUKIC)

O potencial de talento esteve sempre lá, mas os sucessivos falhanços privaram muitos craques de estar num Europeu. Drulovic, que ainda jogava na última vez que a seleção balcânica disputou uma fase final da prova, conduz uma viagem por estas duas décadas e meia e fala do que mudou

«A última vez foi quando eu ainda era jogador», sorri Drulovic, a lançar a conversa sobre o apuramento da Sérvia para a fase final do Euro 2024. O antigo esquerdino que brilhou numa longa carreira em Portugal tem hoje 55 anos e sim, fazia parte daquela equipa recheada de talento que chegou aos quartos de final do Euro 2000. Ainda usava o nome de Jugoslávia, embora já juntasse apenas a Sérvia e o Montenegro. Foi a última vez que esteve num Europeu, até hoje.

«Não fomos durante 24 anos, já era tempo de voltar. Conseguimos juntar a ida ao Mundial e agora o Europeu. O grande problema do futebol sérvio era na minha opinião não ter continuidade nestas provas mais importantes. Por isso, para a Sérvia e aquilo que o futebol sérvio é hoje em dia, é um grande sucesso», diz ao Maisfutebol Drulovic, o antigo jogador que foi uma das grandes referências da Liga portuguesa nos anos 90, que se distinguiu no Gil Vicente, foi pentacampeão pelo FC Porto, jogou duas épocas no Benfica, terminou a carreira no Penafiel e fazia até há pouco tempo parte da equipa técnica da seleção sérvia, antes de ter assumido recentemente a seleção sub-21 do seu país.

O «sofrimento» da última jornada até à qualificação

Agora, finalmente, a Sérvia conseguiu, pela primeira vez como nação independente. Entre as seleções já apuradas para o Euro 2024 é a que esteve mais tempo ausente, a par da Eslovénia, outra seleção nascida da desagregação da Jugoslávia, que espalhou por sete países o enorme potencial futebolístico da antiga república balcânica.

A qualificação para o Euro 2024 foi sofrida até ao fim, decidida em dois campos numa última jornada em que a Sérvia só precisava de um empate e esteve em vantagem, mas permitiu a reviravolta da Bulgária, enquanto na Hungria um golo de Montenegro adensava o drama. No fim, a Hungria deu a volta no outro jogo e Babic fez o golo que permitiu a festa da Sérvia.

«Começámos muito bem, nos primeiros 20 minutos jogámos muito bem, mesmo a controlar tudo. Marcámos um golo, depois foi um sofrimento na segunda parte, o outro resultado não era bom para nós, mas depois tudo aquilo virou e conseguimos empatar. Foi um sofrimento, sem dúvida nenhuma. Mas é por isso que o futebol é bonito», diz Drulovic, que estava concentrado com a seleção sub-21 e acompanhou tudo à distância: «Estive sempre em contacto com o pessoal lá.»

«Se alguém me dissesse há 24 anos…»

«Se alguém me dissesse há 24 anos que a Sérvia não ia jogar tantos Campeonatos da Europa como aconteceu eu não acreditava», diz Drulovic, a evocar o estatuto que ainda tinha no seu tempo a sua seleção, herdeira do palmarés da Jugoslávia que foi duas vezes vice-campeã da Europa, outras tantas semifinalista do Mundial e que brilhou no Mundial 1990, a sua última competição como país unificado, onde só caiu nos penáltis, nos quartos de final, frente à Argentina de Maradona.

Mas foi isso mesmo que aconteceu. Anos de apuramentos falhados de uma seleção a que nunca faltou talento, mas que ficou muitas vezes aquém do que podia fazer. Pelo meio, a Sérvia conseguiu a presença em três Campeonatos do Mundo, desde 2014 só falhou a presença no Brasil, mas caiu sempre na fase de grupos. Era pouco. E o Europeu tornou-se mesmo uma espécie de enguiço.

Drulovic viveu de perto todos estes anos, ele que tem um longo percurso como treinador e foi inclusivamente selecionador interino da Sérvia ao longo deste período. Tentar perceber o que manteve a Sérvia tanto tempo longe do Europeu e a impediu de cumprir o seu potencial «é muito complexo», diz Drulo, no seu português ainda fluente. «É muito difícil de explicar.»

«Somos capazes do melhor e do pior, sinceramente»

«Tivemos sempre boas equipas. A Sérvia teve alguns resultados bons, mas principalmente nestes jogos de qualificação para Europeus não conseguiu todos estes anos ter uma resposta forte para mostrar a qualidade que precisava naquele momento. Muitas vezes falhámos com equipas mais pequenas. Perdemos pontos importantes e quando há outra equipa que é favorita no grupo é difícil recuperar esses pontos. Aconteceu muitas vezes connosco, somos capazes do melhor e do pior, sinceramente», recorda Drulovic

O primeiro exemplo é desde logo como exemplo a campanha para o Euro 2004, quando a Sérvia ficou pelo caminho apesar de ter empatado os dois encontros com a Itália e batido em ambos os jogos Gales, os dois primeiros do grupo. «Ainda no meu tempo de jogador perdemos em casa dois pontos com o Azerbaijão, quando éramos grandes favoritos. Depois tornavam-se as contas quase impossíveis. O futebol é muitas vezes cruel e se não damos o máximo em todos os jogos muitas vezes acabamos por perder pontos importantes.»

A história repetiu-se para 2008, depois 2012, 2016 e 2020, por sinal várias vezes em grupos onde Portugal foi um dos obstáculos no caminho da Sérvia. Pelo meio, chegou à fase final do Mundial 2010, antes de falhar a qualificação para 2014. Foi nessa altura, depois da saída de Sinisa Mihaljovic, que Drulovic assumiu temporariamente a seleção. E já então o grande desígnio era chegar ao Campeonato da Europa, recorda. «Em 2014 eu tinha praticamente tudo acordado com o ex-presidente da Federação para continuar o trabalho. E tinha-lhe prometido que ia classificar a equipa para aquele Europeu em que Portugal foi campeão com todo o mérito, com o Fernando Santos», conta Drulovic: «Mas depois optaram pelo holandês, o Dick Advocaat, que não teve sucesso nenhum aqui. Mas são coisas do futebol.»

Tanto talento que nunca jogou um Europeu

Com o passar dos anos, a pressão aumentava, continua Drulovic. «Psicologicamente torna-se cada vez mais difícil, quando se pensa que não estamos há 20 anos... É complicado.»

Os sucessivos insucessos da Sérvia custaram caro a grandes jogadores, referências como Nemanja Vidic, Aleksandar Kolarov, Branislav Ivanovic ou Nemanja Matic, que nunca chegaram a jogar um Europeu.

A pressão dos maus resultados levou também ao longo destes anos a momentos de tensão e até de rutura de alguns deles, como Vidic, que renunciou à seleção depois do Mundial 2010, ou Matic, que em 2012 também chegou a abdicar de representar a Sérvia, depois regressou e abandonou em definitivo em 2020.

A lenda Stojkovic no banco

«O que acontece quando às vezes não há resultados é uma energia negativa, por assim dizer», sorri Drulovic, a propósito desses episódios. «As vezes acontecem algumas situações que não são normais e isso também ajuda a que as coisas não possam correr bem. Sempre tivemos grandes jogadores com muita qualidade, mas o importante acima de tudo é fazer uma equipa forte, que possa lutar e competir com outras grandes seleções. Agora acho que estamos numa fase muito mais positiva, muito melhor do que aquilo que foram os últimos anos.»

Ao longo destes quase 25 anos caíram muitos selecionadores. A busca pelo sucesso passou por nomes consagrados do futebol sérvio e também se virou para fora, primeiro com o espanhol Javier Clemente e depois com Dick Advocaat. Depois de falhado o apuramento para o Euro 2020, recorreu a um peso pesado. Dragan Stojkovic, o antigo médio que liderou a Jugoslávia no Mundial 1990, usou o seu estatuto e a sua capacidade de liderança para conduzir a seleção pela primeira vez a qualificações consecutivas para duas fases finais. A primeira foi o Mundial 2022, à custa de Portugal.

A vitória sobre Portugal como momento de viragem

A vitória por 2-1 na Luz em novembro de 2021, que remeteu a seleção nacional para o play-off foi um marco. E um ponto de viragem. «Foi talvez um dos melhores jogos que fizemos nestes últimos dois anos. Jogámos muito bem em Lisboa, estádio cheio, foi um jogo fantástico», recorda Drulovic. O Mundial acabou em desilusão, com a Sérvia a conseguir apenas um ponto e eliminada na derrota frente à Suíça na última jornada, na reedição do duelo do Mundial 2018 que tinha levado para dentro do campo questões políticas ainda em aberto, uma tensão ateada pelos festejos de Xhaka e Shakiri, jogadores de origem kosovar, a provocarem os rivais formando com a mão a águia albanesa.

Mas a Sérvia começava a tirar partido de mais um geração a que não falta qualidade, a seleção que junta vários dos campeões do mundo de sub-20 em 2015, entre eles o portista Marko Grujic, e tem uma profusão de referências como Milinkovic-Savic, Kostic, Tadic, Vlahovic ou Mitrovic.

Drulovic diz que «é difícil dizer» se a Sérvia tem hoje uma geração de jogadores melhor do que as que ficaram aquém dos objetivos ao longo dos últimos. «Antigamente tínhamos outros jogadores que fizeram excelentes carreiras, que jogaram em grandes clubes, mas não conseguimos apuramento. As falhas que tivemos nalguns jogos custaram caro», observa: «Agora temos jogadores que jogam na maioria fora da Sérvia e têm talvez uma outra capacidade em termos daquilo que é a exigência deste tipo de jogos. Temos jogadores bastante jovens que já jogam fora da Sérvia, a maioria em Itália.»

É também uma equipa que ganhou estabilidade e confiança, acrescenta. «Acho que os próprios jogadores acreditaram desde início que éramos dos favoritos no nosso grupo, porque fomos ao Mundial, ganhámos a Portugal naquele jogo, fizemos excelentes jogos na Liga das Nações, ficámos em primeiro lugar e conseguimos o apuramento para o primeiro grupo.»

«Podemos dizer que estamos num bom caminho. Às vezes com mais dificuldades, outras vezes com menos, mas conseguimos aquilo que são os principais objetivos», continua Drulovic, salientando ainda a liderança de Stojkovic. «É importante esta estabilidade, os jogadores percebem que o próprio selecionador é uma pessoa que foi capitão de equipa, que foi um dos melhores, se não o melhor jogador da história da Sérvia. Uma pessoa que é líder, sempre foi como jogador, era o capitão no Europeu de 2000. Foi de certeza um pilar deste sucesso. Isso é mais que evidente e espero que ele fique muitos anos e que a Sérvia possa continuar a fazer bons resultados.»

O «bom exemplo» da vizinha Croácia

«Agora podemos já lutar para o próximo Campeonato do Mundo, quando acabar o Campeonato da Europa, com outra experiência. Se quisermos fazer um bom resultado, vai acontecer mais cedo ou mais tarde, mas temos de estar lá, nestas competições», defende. É assim que se cresce. «Ganha-se confiança, ganha-se tudo», continua Drulovic, recorrendo a um exemplo bem próximo. A Croácia, a seleção de outro dos países nascidos da ex-Jugoslávia, que começou por brilhar logo com o terceiro lugar na estreia em grandes competições, no Mundial 1998 e desde então já chegou a uma final, em 2018, e voltou a ficar no pódio no Mundial 2022.

«É um bom exemplo. Praticamente não falhou uma grande competição desde que saiu da Jugoslávia», diz Drulovic, sem evitar uma provocação, acompanhada de um sorriso, a evocar o Mundial 2010: «Falhou uma ou outra. Uma vez nós fomos e eles não foram… Mas normalmente eles têm continuidade e por isso fizeram bons resultados.»

Por que conseguiu a Croácia nestes anos ser bem mais forte que a Sérvia? Drulovic tem algumas ideias. «Tem dois ou três jogadores que são muito importantes. Falamos de Modric, de Brozovic, alguns jogadores que têm uma influência muito grande no jogo da Croácia. Já começam a entrar numa idade um pouco avançada, mas nos melhores anos deles a Croácia jogou muito bem», começa, para depois tocar noutro ponto, com mais um sorriso: «Também me parece que o próprio povo está sempre com a seleção, o que talvez não aconteça aqui na Sérvia. Têm um apoio enorme, em qualquer lado do mundo têm um apoio melhor. Porque depois da separação da Jugoslávia acho que eles ficaram com uma identidade muito forte. O povo croata apoia muito a seleção»

Na Sérvia, o ambiente é mais crítico. «Às vezes na Sérvia não acontece isso», diz, notando como a pressão é constante: «Existe uma grande pressão para conseguir o apuramento, depois quando estás lá para conseguir a passagem da primeira fase. Existe sempre pressão, mas sabemos que temos de viver com isso. O povo espera sempre que façamos mais qualquer coisa. Mas sabemos que temos de viver com isso.»

Potencial para o futuro e para já… evitar Portugal

O apuramento sofrido da Sérvia não livrou a equipa de críticas, mas a presença em duas fases finais consecutivas dá crédito suficiente à Sérvia de Piksi, a alcunha de Stojkovic. E o objetivo, como diz Drulovic, é evoluir. «Temos de estar bem na altura da competição para fazer um resultado muito melhor do que foi o último Mundial», diz Drulovic, acreditando que esse potencial está lá para o futuro. Tadic, grande referência da equipa, já tem 35 anos, mas a maioria dos jogadores ainda tem muito para dar, nota: «Há vários jogadores desta equipa que podem jogar muitos anos ainda na seleção.»

Para já, vem aí o Europeu. Drulovic espera pelo sorteio para definir objetivos. «Por causa deste resultado contra a Bulgária vamos ficar no último pote. Vamos ver quem nos vai calhar. Espero que tenhamos um pouco de sorte também no sorteio para que possamos passar esta primeira fase», diz. De preferência, acrescenta, que não calhe Portugal: «Para mim Portugal é uma das melhores seleções do mundo. Estão a jogar muito bem, têm muita criatividade, jogadores de grande nível, são praticamente todos de grandes clubes. Não é bom jogar contra Portugal, mas se calhar temos de jogar…»

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