Lei da imigração e saúde grátis atraem cada vez mais grávidas estrangeiras: "Venham e tentem ter o filho em Portugal. Com certeza vão ter documentos"

27 out 2023, 21:49

Vídeos na Internet e consultores de imigração com atividade legalmente duvidosa são chamariz para estrangeiros. Hospitais públicos recebem centenas cada vez mais grávidas sem registo prévio no Serviço Nacional de Saúde

Vários hospitais públicos recebem cada vez mais mulheres estrangeiras que surgem nas maternidades sem qualquer registo prévio no Serviço Nacional de Saúde (SNS), num fenómeno associado ao chamado turismo de parto ou turismo de nascimento - famílias que planeiam ter a sua criança num país mais conveniente por melhores cuidados de saúde ou como forma de conceder a nacionalidade portuguesa (e europeia) ao bebé, bem como facilitar as autorizações de residência para os pais.

O Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) encontrou mesmo empresas de consultores de imigração que ajudam as famílias a cumprirem o seu plano, pedindo cerca de 5 mil euros pelos vários serviços associados à legalização da família e da criança.

Vários especialistas entrevistados, entre médicos e juristas, admitem que o ‘turismo de nascimento’ é cada vez mais comum devido a vários factores, nomeadamente a gratuitidade dos serviços de saúde, mas também uma legislação da nacionalidade e da imigração considerada "generosa" e que "atrai" este tipo de esquemas.

Eva Dias Costa, professora de Direito especialista em questões que cruzam a lei e a ética, sublinha que "a criança não tem culpa", mas a legislação, como está desenhada, favorece este 'turismo de parto'.

"Se o pai ou a mãe ficarem em Portugal legal ou até ilegalmente durante um período de tempo a criança adquire a nacionalidade por naturalização e depois os pais, com maior facilidade, obtêm a autorização de residência e também eles próprios adquirem a nacionalidade", detalha a jurista.

As 68 formas de se legalizar em Portugal (e 14 de obter a nacionalidade)

Não é por acaso que vários consultores de imigração que ajudam os imigrantes a legalizarem-se em Portugal apresentam o país quase como um paraíso para estrangeiros.

O Exclusivo encontrou vídeos na internet que sublinham as vantagens de ter um filho em Portugal aconselhando esse caminho às famílias de imigrantes que vivem noutros países onde enfrentam obstáculos à legalização na União Europeia, sendo referido, inclusive, que é uma "sorte" ter um filho aqui.

Um pai de uma criança nascida em Portugal aconselha mesmo outros imigrantes ilegais a viverem noutros países europeus: “Venham e tentem ter o filho em Portugal. Com certeza vão ter documentos”.

Noutro vídeo promocional para imigrantes, feito pelo consultor que em 2022 acompanhou o pai da grávida indiana que morreu em trabalho de parto numa transferência entre os hospitais de Santa Maria e São Francisco Xavier, destaca-se as facilidades da lei portuguesa para estrangeiros, com "14 métodos" para obter a nacionalidade e "mais de 68 formas de obter a autorização de residência".

João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, admite que para quem vê estes vídeos Portugal parece o “paraíso”, funcionando como um chamariz que permitirá a estes ‘consultores’ ganharem muito dinheiro, havendo outros advogados que sublinham que a lei, no papel, parece rápida, mas a lentidão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) torna todos estes processos mais lentos.

Um pack de legalização por 5.500 euros

Já esta semana, o Exclusivo acompanhou um imigrante que se dirigiu à empresa de um consultor deste tipo. Na história contada, o imigrante dizia ter a mulher grávida de 6 meses na Alemanha e que pretendia que ela viesse para Portugal ter a criança que teria direito à nacionalidade portuguesa, enquanto que ele e a mulher ficariam com a autorização de residência.

Quem o atendeu pediu 5.500 euros por uma espécie de 'pacote' que inclui a obtenção dos números de segurança social, fiscal e do Serviço Nacional de Saúde, bem como a abertura de actividade económica em Portugal, assim como uma prova de meios de subsistência através de um recibo verde que seria passado pela própria empresa de consultoria de imigração. No final, todos ficariam legalizados na Europa: pai, mãe e bebé.

Empresa nega crime

O advogado João Massano não tem dúvidas em classificar os vídeos promocionais desta e de outras empresas de consultoria de imigração como crime, nomeadamente pelo crime de procuradoria ilícita por darem conselhos e um apoio que por lei apenas poderá ser dado por advogados ou solicitadores.

O representante dos advogados recorda que através deste tipo de empresas ou consultores ninguém se responsabilizará se alguma coisa correr mal e admite que poderá estar em causa, igualmente, em certos casos concretos, o crime de auxílio à imigração ilegal.

Entrevistado pela TVI, Dharmjit Singh Saini, o diretor de uma das empresas em causa, garante que não está a cometer qualquer crime e alega que não se substitui a um advogado ou solicitador, tendo vários profissionais desta área a trabalhar com a sua empresa, algo que segundo João Massano não é suficiente para evitar pelo menos o crime de procuradoria ilícita.

O advogado defende que a empresa está quase a “'vender' o passaporte e a dar conselhos legais e jurídicos”.

A empresa de Dharmjit Singh Saini (que não é a única a dar este tipo de conselhos aos imigrantes através da Internet) diz que tem 20 anos de experiência neste ramo e vários certificados, reunindo uma equipa com uma vasta experiência de migração para Portugal e outros países.

Portugal generoso, mas sozinho na Europa

A jurista Eva Dias Costa recorda que "a imigração para Portugal é sobretudo uma coisa boa", mas é preciso "pensar que não estamos sozinhos e que quando estamos a conceder cidadania portuguesa estamos a conceder, também, cidadania europeia, pelo que não nos devemos dar ao luxo de ser generosos sozinhos".

A generosidade referida antes será visível não apenas nas leis da imigração e da nacionalidade, mas também no Serviço Nacional de Saúde que segundo vários médicos funciona de portas totalmente abertas, atraindo estrangeiros que nunca contribuíram para as contas do Estado português.

Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, sublinha que esse crescimento de procura tem sido mais visível nos últimos dois ou três anos em obstetrícia, bem como em ortopedia e outras especialidades, sendo "muito visível em Lisboa e Vale do Tejo”, apesar de “não estar restrito a esta região".

Cada vez mais grávidas sem registo no SNS

2023 ainda nem acabou e os hospitais do centro de Lisboa, mas também o São João no Porto e o Hospital de Gaia, já tiveram este ano muito mais mulheres grávidas que apareceram nos serviços sem número de inscrição no Serviço Nacional de Saúde.

A conta disparou ainda mais no Hospital Amadora-Sintra com 46 partos de mulheres sem registo no SNS em 2021, 167 em 2022 e 206 em apenas nove meses (janeiro a setembro) de 2023, casos que incluem mulheres asiáticas, mas ainda mais do Brasil e de África.

Os valores anteriores não incluem os muitos casos de grávidas que antes de irem directamente ao hospital já sabem que podem pedir um número provisório do SNS no centro de saúde e começar logo aí a ser acompanhadas na gravidez, mesmo tendo acabado de chegar a Portugal.

Além dos imigrantes à procura da nacionalidade portuguesa para o filho ou de uma autorização de residência mais fácil para si, os médicos identificam um segundo tipo de estrangeiras que procuram os hospitais portugueses para terem filhos: classes médias e médias altas, sobretudo de alguns países africanos, sem cuidados de saúde de qualidade no país de origem e que procuram a qualidade, reconhecida, do SNS português nesta área.

Diogo Ayres de Campos, que coordenou a equipa que ajudou a reformular as urgências de obstetrícia, diz que é muito difícil saber quantas mulheres procuram Portugal no final da gravidez, mas admite que serão, certamente, algumas centenas de casos só em Lisboa e Vale do Tejo, sobrecarregando um sistema que já tem vários problemas que se têm agravado.

O antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, sublinha que os médicos não podem negar cuidados, nomeadamente a grávidas prestes a ter um filho, mas admite que o Serviço Nacional de Saúde português será aquele que tem as portas mais abertas, o que permite abusos.

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