Reviravoltas inesperadas em mundiais não são muito comuns, mas já aconteceram. Se passar aos oitavos de final, Portugal protagoniza a mais difícil remontada numa fase de grupos desde que há memória. O Maisfutebol viajou da Argentina, em 1978, até à África do Sul, há quatro anos. Pelo meio ainda falou com El Khalej Tahar, apelidado de «polyvalent génial» pelo L'Equipe no Mundial de 1998
Por: David Marques
Reviravoltas inesperadas em Mundiais não são muito comuns, mas já aconteceram. Se passar aos oitavos de final, Portugal protagoniza a mais difícil remontada numa fase de grupos desde que há memória. O Maisfutebol viajou da Argentina, em 1978, até à África do Sul, há quatro anos. Pelo meio ainda falou com Tahar, um dos muitos jogadores marroquinos no Mundial 1998 com ligações ao campeonato português, apelidado de «polyvalent génial» pelo L'Equipe nesse Campeonato do Mundo .
Argentina, 1978.
O modelo competitivo da época definia que os primeiros classificados da segunda fase de grupo se apuravam para a final do Mundial. Aos segundos lugares, restava-lhes o consolo da luta pelo terceiro lugar. Brasil e Argentina precisavam de ganhar, mas a vitória poderia não ser suficiente. O primeiro a entrar em acção foi o Brasil, que bateu a Polónia por 3-1. Horas depois, entrava em campo a Argentina, que precisava de vencer por quatro golos de diferença. Ao intervalo, a alviceleste vencia o Peru por 2-0, resultado que apurava o Brasil, mas na segunda parte os argentinos só pararam na meia dúzia, acabando por triunfar por 6-0, motivando protestos do lado dos brasileiros, que alegaram que o jogo teria sido combinado.
Durante anos, muito se especulou sobre uma eventual tramóia entre argentinos e peruanos. Até que, em 2012, Genaro Ledesma, antigo deputado e senador peruano, confirmou a um juiz de Buenos Aires a existência de negociações entre o Presidente peruano Francisco Bermudez e o homólogo argentino, Jorge Videla, que terá aceitado receber presos políticos peruanos em troca de uma derrota pelos números que garantissem à alviceleste o apuramento para a final e a consequente promoção do país numa altura em que estava sob a alçada de uma ditadura militar.
França, 1998. Dramáticos, dramáticos foram os derradeiros instantes do grupo A, onde estavam Brasil, Marrocos, Noruega e Escócia. Na última jornada, o Brasil defrontava a Noruega e a selecção marroquina, onde alinham nomes conhecidos dos portugueses como Tahar, Saber, El Hadrioui e Chippo, tinha pela frente os escoceses. De todas as equipas do grupo, apenas o Brasil (com seis pontos) tinha o apuramento e o primeiro lugar assegurados, fosse qual fosse o desfecho dos jogos. Com dois pontos, a Noruega era segunda e Marrocos e Escócia seguiam na cauda do grupo, com um ponto.
A escassos minutos do final dos jogos, que foram disputados à mesma hora, Marrocos estava virtualmente nos oitavos de final da prova. A selecção africana respirou de alívio aos 78 minutos, quando o Brasil se adiantou no marcador, no Vélodrome, em Marselha. A essa altura, já venciam os escoceses por 2-0. No final dos 90 minutos, os «portugueses» de Marrocos estavam satisfeitos.
Mas os últimos dez minutos da Noruega foram de sonho, com golos de Tore André Flo (aos 83) e de Kjetil Rekdal, que consumou a remontada de penálti, aos 88 minutos. Quando soube que a vitória sobre a Escócia por 3-0 tinha sido insuficiente, Henri Michel, seleccionador de Marrocos, desatou aos pontapés no banco de suplentes. «No fim, olhei para o banco e vi que algo se passava. Toda a gente estava triste e com as mãos na cabeça», conta El-Khalej Tahar em conversa com o Maisfutebol . O antigo jogador, que representou o Benfica entre 1996 e 2000, explica que nunca lhe passou pela cabeça que o Brasil fosse surpreendido pela Noruega, naquela que foi a última derrota da canarinha em fases de grupos de mundiais. «O Brasil é sempre o Brasil.»
Marrocos morreu na praia e, para o antigo internacional marroquino, Portugal não deverá ter um futuro auspicioso no Mundial do Brasil. Para Tahar, a equipa das quinas tem sido uma desilusão. A razões do desastre? «O Ronaldo está muito em baixo de forma. Nota-se que não é o mesmo do Real Madrid e do apuramento.» Tahar tece ainda críticas à planificação de Portugal para a prova. «Chegaram muito tarde ao Brasil», observa, antevendo uma tarefa muito complicada da formação de Paulo Bento frente ao Gana. «Vai ser um jogo muito difícil e as equipas africanas dão tudo no último jogo. Portugal tem muito poucas hipóteses de se apurar, até porque penso que no jogo da Alemanha com os Estados Unidos nenhuma equipa vai esforçar-se muito.»
África do Sul, 2010. Os Estados Unidos defrontavam a Argélia na terceira jornada do grupo C. À mesma hora, a Inglaterra batia a Eslovénia, que liderava com quatro pontos em dois jogos. Queria isto dizer que a selecção norte-americana – que, tal como a congénere inglesa, tinha somado dois empates - precisava mesmo de vencer para terminar à frente da Eslovénia. Nos momentos finais, Landon Donovan, o tal que foi proscrito por Jürgen Klinsmann para o Mundial do Brasil, marcou para os Estados Unidos, que se qualificaram para os oitavos de final na primeira posição.
Quando Cassano desceu do céu ao inferno. Não se trata de um Campeonato do Mundo, mas é digno de honras por ter sido em Portugal. Na última jornada do grupo C do Europeu, a Itália de Trapattoni estava perto de dizer adeus ao Euro. Já em período de descontos, Antonio Cassano, prodígio de 21 anos, pensava ter salvo a honra do convento, dando à Itália uma vitória por 2-1 sobre a Bulgária. Os deuses pareciam estar com os italianos, até porque a vitória da Dinamarca sobre a Suécia (2-1) estava iminente. Certo do apuramento, o avançado lançou-se numa correria desenfreada em direcção ao banco de suplentes, onde lhe disseram que, instantes antes, a Suécia tinha chegado ao empate no jogo com a Dinamarca. Cassano desceu do céu ao inferno em segundos e acabou em lágrimas.
Ou seja: tudo pode acontecer, embora seja raro, e torna-se impossível controlar o que acontece em dois locais distintos.