A vila tem 900 habitantes, mas o clube brilha na Champions

5 abr 2023, 08:58
GOG - Jan Christensen FrontzoneSport via Getty Images

Histórias de quando o desporto alarga horizontes a pequenas localidades

«Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer».

Não consta que Fernando Pessoa tenha «levado» Alberto Caeiro a escrever estas linhas na Dinamarca. Mas o poema tornou-se tão universal que pode muito bem ter inspirado as gentes de Gudme.

Lembramo-nos disso ao olhar para aquelas bancadas lotadas de fervorosos adeptos vestidos de amarelo e vermelho e a questionar: afinal, quem é que naquele dia ficou a tomar conta de Gudme?

E mais: mesmo que estivessem ali (todos) os 907 habitantes da pequena vila da ilha de Funen, quem eram os outros mais de 3.000 adeptos que «empurraram» o GOG para conseguir a reviravolta frente ao Aalborg, vice-campeão europeu, e seguir para os quartos de final da Champions de andebol?

Eram adeptos do GOG. E mais lugares houvesse naquele pavilhão em Odense, a cerca de 50 quilómetros da vila de origem.

Porque há muito tempo que o Gudme Oure Gudbjerg, GOG para toda a gente, deixou de ser o clube só das pessoas da tal pequena vila. O nome, aliás, dá uma pista. Oure e Gudbjerg são vilas vizinhas de Gudme, onde o clube tem a sede, e que na década de 70 uniram esforços em prol do andebol.

Em boa hora o fizeram.

Afinal, foi de lá que vieram – ou pelo menos passaram por ali – grande parte dos jogadores que levaram a Dinamarca a três títulos mundiais e um olímpico e outro europeu nos últimos 11 anos. Desde logo, Mikkel Hansen e Niklas Landin que, juntos, representam cinco dos últimos dez prémios de melhor andebolista do mundo.

Já para não falar do selecionador responsável pelas referidas conquistas da seleção dinamarquesa e que, enquanto jogador, se lançou no GOG, chegando também ele a ser considerado o melhor jogador do mundo.

Grande parte dos jogadores que levaram a Dinamarca ao bicampeonato do Mundo passaram pelo GOG, tal como o selecionador

E se está a pensar: «ah, mas com três vilas juntas há para lá gente que nunca mais acaba. Assim também o clube da minha aldeia conseguia».

Isso é mais ou menos verdade. O clube da sua aldeia podia muito bem conseguir também. Mas deixemos claro que, juntas, as populações de Gudme, Oure e Gudbjerg não somam 2.000 habitantes.

E agora? Venha maior dos «maiores»

A vitória naquele jogo da Liga dos Campeões frente ao maior rival doméstico, o Aalborg, valeu ao GOG a primeira presença de sempre nos quartos de final da prova.

E se gosta da história de David e Golias, não devia perder o que aí vem.

É que pela frente, a equipa dinamarquesa vai ter o bicampeão europeu em título; A equipa com mais Ligas dos Campeões conquistadas (11); e aquele que é considerado por muitos o maior clube do mundo… (rufem os tambores). O Barcelona, pois claro!

No pavilhão onde se vai jogar a segunda mão dos quartos de final da Champions, caberia toda a população de Gudme quase nove (!!) vezes.

Mas desde quando é que isso importa? Lembram-se das palavras de Alberto Caeiro?

Outras histórias de quando o desporto alarga horizontes para o Mundo

O desporto sempre foi um «mundo» sem espaço para impossíveis. E são várias as histórias em que os mais pequenos se agigantam para levar de vencida adversários de dimensão teoricamente muito superior.

Nesse sentido, a história do GOG está longe de ser caso único. Ainda que a dimensão de Gudme – mesmo se juntarmos Oure e Gudbjerg – seja um caso muito raro neste panorama.

Foi, por isso, pretexto para irmos em busca de outras histórias de encantar de vilas ou pequenas cidades que o desporto deu a conhecer ao mundo.

Trissino, um campeão europeu sem «gigantes»

Noutras modalidades, não precisamos de ir muito longe para encontrar casos de superação de dimensão.

O Trissino, atual campeão europeu de hóquei em patins, é um clube de uma comuna da província de Vicenza, com cerca de 9.000 habitantes.

Apesar de ser um clube histórico italiano, alcançou a sua primeira competição internacional na época passada, ao vencer o Valongo na final.

Neste caso, é importante sublinhar que todos os 12 clubes fundadores da Liga Europeia de Hóquei em Patins - os principais clubes, incluindo os portugueses Benfica, FC Porto, Sporting e Oliveirense – renunciaram à participação na referida edição, por discordarem do modelo competitivo.

O «carrasco» do Benfica que fez de Treia o topo do mundo

Itália é um país com grande tradição no voleibol, como é fácil de constatar se tivermos em conta que já teve sete clubes campeões europeus, quase todos oriundo de cidades médias em termos de dimensão.

O último clube italiano a conseguir ser campeão foi o Lube Civitanova, que em 2018-2019 conquistou a sua segunda Liga dos Campeões.

E não se ficou por aí. Porque ainda em 2019 venceu também o Campeonato do Mundo de clubes, fazendo de Treia, uma vila com pouco mais de 9.000 habitantes o topo do mundo do voleibol.

Este ano, o Lube Civitanova foi um dos carrascos do Benfica na Liga dos Campeões, vencendo o grupo onde as águias estavam incluídas só com vitórias.

«O homem mais odiado do futebol» levou o clube da terra dos distritais à Champions

No mundo do futebol, talvez o exemplo mais conhecido deste género de feito desportivo é o do Hoffenheim, clube que levou o nome da terra de pouco mais de 3.000 habitantes a ser decorado um pouco por todo o mundo.

E quem pagou foi Dietmar Hopp. Literalmente. E também de forma não tão literal.

O homem que antes de se tornar milionário através da criação de uma gigante informática jogou no Hoffenheim, voltou mais tarde para cumprir o sonho de qualquer jogador dos simuladores de futebol: levar o clube da terra ao topo.

À custa do que conseguiu – contornando uma regra de ouro no futebol alemão dos «50+1», que defende que os clubes têm de deter a maioria dos capitais – Hopp tornou-se «no homem mais odiado do futebol alemão» e a sua cara passou a ser presença habitual em muitas bancadas da Bundesliga… não da forma mais simpática.

Mas com mais ou menos ódio à mistura, o Hoffenheim está há mais de uma década na Bundesliga e até se estreou na Liga dos Campeões na época 2018-2019.

O príncipe que só o FC Porto impediu de se tornar rei

Por falar em dinheiro, isso é coisa que também costuma abundar para os lados do principado do Mónaco.

E a verdade é que, além dos oito títulos franceses que o clube já conquistou, em 2004 esteve muito perto de se coroar «rei» da Europa.

E se isso não aconteceu para deixar pouco mais de 37 mil habitantes em festa, a culpa foi do FC Porto de Mourinho e companhia, que venceram aquela final por claros 3-0.

Na época 2016-2017, com o precioso contributo de Bernardo Silva em campo e Leonardo Jardim no banco, o Mónaco voltou a sonhar com o troféu, mas caiu nas meias-finais.

Submarino a fundo no crescimento europeu

O que vale mais: vencer a Liga Europa ou chegar às meias-finais da Champions?

Seja qual for a resposta, o Villarreal já o conseguiu.

O clube que traz no nome uma cidade de cerca de 50.000 habitantes venceu a Liga Europa em 2021 e no ano seguinte chegou (outra vez) às meias-finais da Liga dos Campeões.

Num crescimento a fundo no futebol europeu, o Submarino Amarelo repetiu na época passada o feito que alcançara em 2006, voltando a ficar à porta da final da prova milionária.

Em Portugal também temos cá disto!

E por cá, também se arranjam destas histórias?

É mais difícil, claro. Porque é um país onde quase todos os maiores clubes são das grandes cidades, com honrosas exceções, sobretudo nas modalidades, onde ainda se vai conseguindo lutar com os gigantes a partir de locais mais pequenos.

E um dos grandes exemplos disso chama-se Sp. Espinho.

O clube da cidade do distrito de Aveiro nunca deixou que o facto de ter apenas 10.000 habitantes servisse de barreira à sua dimensão.

E foi crescendo, crescendo e crescendo, sendo ainda hoje o mais titulado clube do voleibol português, com 18 troféus de campeão nacional, mais oito do que o Benfica, que é o terceiro, ainda atrás do já extinto AEIS Técnico.

A juntar às conquistas nacionais, o Sp. Espinho venceu a Top Teams Cup, segunda competição europeia de voleibol, na época em 2000-2001.

Também no distrito de Aveiro, mas no campo do futebol, há também o exemplo do Arouca, cuja vila tem pouco mais de 3.000 habitantes.

Na época 2016-2017, o clube arouquense disputou o play-off de acesso à Liga Europa, caindo no prolongamento diante do Olympiakos, depois de na ronda anterior ter eliminado o Heracles, dos Países Baixos.

 

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