Vladimir Putin "acabou de receber uma prenda de Natal" que vai ter "um impacto muito grande" na guerra

14 dez 2023, 07:00
Putin

A incapacidade por parte de Zelensky e Biden em desbloquear os fundos necessários tem consequências nos soldados que estão no terreno: "Quando não se tem munições, resta-nos lançar pedras". Outro problema: "A perda de protagonismo de Zelensky está a empurrar a Ucrânia para as negociações". Mas nem tudo são más notícias para Kiev

O presidente ucraniano foi aos Estados Unidos encontrar-se com a liderança republicana e democrata para convencer Washington da urgência da aprovação do pacote de 55 mil milhões de euros de apoio militar americano para a resistência ucraniana. Mas no final serviu de pouco - o impasse político manteve-se, mantém-se. Mas Joe Biden não deixou Volodymyr Zelensky regressar à Ucrânia sem nada e anunciou um pacote de ajuda militar no valor de 185 milhões de euros. Não são bem 55 mil milhões mas também não é nada (não é?). Posto tudo isto: não foi uma má visita... para o Kremlin.

“Moscovo deve estar satisfeita. No imediato não houve os resultados práticos do desbloqueio dos 55 mil milhões de euros, uma verba tão considerável. Putin acabou de receber uma prenda de Natal”, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira, que, ainda assim, insiste que “nem tudo são más notícias”.

O pacote militar anunciado pelo presidente norte-americano até tem muitas das coisas que Zelensky e os militares ucranianos precisam para travar as novas ofensivas russas. Os 185 milhões trazem munições antiaéreas para defender os céus ucranianos da renovada vaga de mísseis e drones kamikazes que atingem o país. Há também munições de alta precisão para os sistemas HIMARS e para a artilharia e ainda mísseis HARM, altamente eficazes para destruir radares. 

Mas tudo isto fica aquém das expectativas, numa altura particularmente sensível para a Ucrânia, uma vez que a Rússia voltou a reconquistar a iniciativa em vários pontos da frente de batalha. Na região do Donbass, a Rússia recomeçou várias ofensivas com uma dimensão significativa. Além disso, começam a surgir as primeiras fissuras entre a liderança política e militar. Têm surgido várias informações nos últimos meses que demonstram a existência de divergências cada vez maiores entre Volodymyr Zelensky e Valerii Zaluzhny, o principal líder militar ucraniano. Ao contrário do presidente, alguma chefia militar acredita que tanto a Ucrânia e a Rússia podem ter chegado a um impasse que não pode ser resolvido pela via militar.

“Zelensky conseguiu apenas o possível. Este valor fica aquém das pretensões e isto fragiliza a posição do presidente ucraniano. Começa a haver uma discrepância de interesses entre o aparelho militar e político na Ucrânia, com o esforço militar tão exigente em termos humanos e materiais”, afirma o professor e especialista em relações internacionais José Filipe Pinto, que explica que, para várias chefias militares ucranianas, a solução do conflito tem de acontecer por via diplomática. “A perda de protagonismo de Zelensky está a empurrar a Ucrânia para as negociações.”

"A vasta maioria deste dinheiro ia para encomendas à indústria militar americana"

Os 55 mil milhões de euros que o executivo de Joe Biden quer aprovar para a Ucrânia permitiria ao Departamento da Defesa norte-americano fasear a ajuda militar ao longo de todo o ano de 2024, de acordo com as necessidades ucranianas. Este dinheiro faz parte de um pacote mais alargado no valor de 101 mil milhões de euros que inclui fundos para enviar apoio militar para Israel. Os políticos republicanos reprovaram a aprovação deste pacote por defenderem que a ajuda deve ser acompanhada de investimentos para controlar a fronteira com o México.

Os defensores da aprovação do pacote de emergência defendem que uma parte significativa deste dinheiro nunca chega a ser enviado diretamente à Ucrânia, uma vez que acaba por ir parar a empresas militares americanas, criando trabalhos e gerando riqueza. Muitos destes projetos até levam as empresas a aumentar as suas capacidades de produção, construindo novas fábricas e criando novos empregos. 

“Estes 60 mil milhões representam muito armamento e munições para a Ucrânia. Mas a vasta maioria deste dinheiro ia para encomendas à indústria militar americana, 90% deste dinheiro fica no Estados Unidos. Isto é favorável aos interesses americanos”, explica Isidro de Morais Pereira.

Estas notícias foram recebidas com euforia em Moscovo, com alguns dos principais canais russos a elogiar o bloqueio republicano. Segundo a jornalista Julia Davis, que monitoriza meios de comunicação russos, Evgeny Popov, apresentador da versão russa do programa "60 Minutos", diz que é “difícil imaginar maior humilhação”. Uma das mais populares propagandistas do governo russo, a apresentadora Olga Skabeeva, também elogia as ações republicanas. “Muito bem, republicanos! Eles estão a aguentar firmes! Isto é bom para nós”, afirmou com um sorriso.

"Pessoal, se vocês estão a ser celebrados pelos propagandistas russos..."

Estes relatos não passaram despercebidos à administração Biden, que, através da rede social X, escreveu uma publicação em que dá conta de que “os partidários de Putin” em Moscovo estavam a comemorar o bloqueio republicano da ajuda à Ucrânia e deixou um recado aos seus adversários políticos. “Pessoal, se vocês estão a ser celebrados pelos propagandistas russos, talvez esteja hora de repensar o que estão a fazer”, referiu

Para José Filipe Pinto, apesar de o resultado não ser o desejado para Kiev, também não é uma total vitória para o Kremlin. “Do lado russo é uma meia vitória, mas ainda assim traz alguma inquietação. O apoio está a diminuir mas não ao nível que eles [russos] pretendiam”, defende o especialista em relações internacionais, que refere ainda que a Ucrânia está “a sentir o peso do conflito no Médio Oriente” e de uma opinião pública americana dividida em relação aos dois conflitos.

Mas nem “tudo está perdido”, defende Isidro de Morais Pereira. Há vários sinais positivos na Europa durante as últimas semanas. A Alemanha, a maior economia europeia, continua a defender que uma derrota ucraniana teria consequências trágicas para o continente e, como tal, anunciou a duplicação do apoio militar para a Ucrânia em 2024. Além disso, muitos outros países estão a anunciar o aumento da produção “de armamento pesado”, incluindo munições, como é o caso da Finlândia.

Mas a incapacidade por parte de Zelensky e de Biden em desbloquear os fundos necessários pode ter um impacto profundo nos soldados que estão no terreno. Com o multiplicar dos relatos de falta de munições, os militares no terreno correm o risco de se sentir “abandonados” pelo seu principal aliado.

“Há a perceção de que o que é exigido ao soldado está acima do razoável. Isto vai ter um impacto muito grande. A evolução no terreno não é nada agradável. O exército ucraniano tem mostrado grande valor, é indiscutível. Mas quando não se tem munições, resta-nos lançar pedras”, afirma o major-general Agostinho Costa.

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