"Eu quero viver". Linha direta ajuda russos a renderem-se à Ucrânia (já são mais de 220 e há mil à espera)

4 jan, 10:40
Daniil Alfyorov durante conferência de imprensa com as secretas ucranianas (Getty Images)

Projeto iniciado em setembro de 2022 já recebeu milhares de chamadas de russos que procuram fugir à guerra. Para isso não se importam de se tornar prisioneiros de guerra

“Alguém me deu este número. Podem ajudar-me a render-me?”. Foi assim que um soldado russo anunciou que queria passar para o lado ucraniano, depois de meses a combater por Moscovo. Esta transcrição foi ouvida pelo Financial Times, que noticia que mais de 220 soldados russos já se renderam ao exército da Ucrânia através da linha “Eu quero viver”.

Daniil Alfyorov é um desses homens. Mobilizado para a frente de combate logo no início da guerra, está hoje do outro lado. O soldado de 27 anos decidiu render-se após mais de um ano a combater, tendo ajudado outros 11 companheiros do batalhão a que pertencia, em Kherson, a fazer o mesmo.

Para isso utilizou então a linha “Eu quero viver”, um projeto lançado pela Ucrânia que ajuda soldados russos a renderem-se, passando a ser considerados como prisioneiros de guerra, mas evitando o risco de morte no terreno. A operação é coordenada pelos serviços secretos ucranianos, que em troca veem o inimigo ficar desfalcado, mas também recebem importantes informações sobre as movimentações russas no terreno.

No caso de Daniil Alfyorov foi a “Operação Barynya” – assim batizada em referência a uma dança tradicional russa – que permitiu a troca de lados.

Daniil Alfyorov durante conferência de imprensa com as secretas ucranianas (Getty Images)

O porta-voz da unidade das secretas que está responsável por estas transferências confirmou ao Financial Times que foram mais de 220 os soldados russos a juntarem-se a ligarem. Vitaliy Matvienko acrescenta, de resto, que outros mil casos semelhantes estão pendentes.

A linha direta “Eu quero viver” foi instalada em setembro de 2022, apenas três dias antes de o presidente russo, Vladimir Putin, anunciar a mobilização parcial de forças, que permitiu juntar às 190 mil tropas iniciais outros 300 mil reservistas.

Assim que foi criada a linha, as chamadas começaram a cair. Matvienko afirma que muitos russos não queriam ir para a guerra. Era isso que diziam aos 10 funcionários que operam as chamadas, e que todas as semanas tentam ajudar quem os procura.

“Olá, ligou para a linha direta dos serviços secretos da Ucrânia. Quer viver?”, pergunta-se. Do outro lado, numa das gravações citadas pelo Financial Times, ouve-se um “olá, sim. Alguém me deu este número. Pode ajudar-me a render-me?”.

Composta por psicólogos e analistas, esta equipa trabalha 24 horas por dia para ter sucesso. “Quando um inimigo nos liga em lágrimas, a dizer que quer viver, precisa de ser acalmado”, explica Matvienko, admitindo que nem sempre é à primeira que se convence quem está do lado de lá a render-se.

Ainda foi preciso um mês para que a linha começasse a funcionar com eficácia, mas desde outubro de 2022 que as secretas ucranianas receberam cerca de três soldados por semana graças ao projeto.

Depois de detidos, muitos destes prisioneiros são utilizados como moeda de troca para a Ucrânia receber prisioneiros detidos pela Rússia. Antes de os libertarem, revela Matvienko, cada soldado russo recebe cartões com a mensagem “Eu quero viver”, sendo encorajados a distribui-los a outros soldados russos ou a cidadãos que possam vir a ser mobilizados.

Essa é uma das formas de “recrutamento”, mas há outras, nomeadamente o lançamento de panfletos por via aérea para o território ocupado pelos russos. Existem ainda mensagens de texto, bem como campanhas de rádio ou televisão, ou até gritos a partir da trincheira.

Ao todo foram já 26 mil as chamadas recebidas pelas forças ucranianas, que a ajudar têm um chatbot criado no Telegram. O website hochuzhit.com, que ajuda no projeto, já recebeu mais de 48 milhões de visitas, a esmagadora maioria delas vindas da Rússia, onde até foi bloqueado poucos dias depois de ter ficado disponível, continuando a ser possível o acesso através da utilização de vpn ou de outras formas de contornar os serviços.

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