Já são um milhão, podem vir a ser quatro. Os refugiados não são números, mas estes podem ajudar a compreender o que aí vem

3 mar 2022, 15:40

Alto Comissário para os Refugiados da ONU afirma que esta poderá ser a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Os números só têm comparação com os das guerras na Bósnia, Kosovo e Síria - mas a rapidez com que foram atingidos é muito superior. Estará a União Europeia preparada para acolher tantas pessoas?

“Em apenas sete dias, um milhão de pessoas fugiram da Ucrânia, deslocadas por esta guerra sem sentido. Trabalho com crises de refugiados há quase 40 anos e poucas vezes vi um êxodo tão rápido quanto este", afirmou esta quarta-feira Filippo Grandi, Alto Comissário para os Refugiados na ONU. "Hora a hora, minuto a minuto, mais pessoas estão a fugir da terrível realidade da violência. Inúmeros estão deslocados dentro do país. E, a menos que haja um fim imediato do conflito, mais milhões serão forçados a fugir da Ucrânia.”

Neste momento, a Polónia é o país que já recebeu mais refugiados da Ucrânia: perto de 548 mil pessoas atravessaram a fronteira para este país. É um país com uma língua semelhante e onde já residem um milhão de ucranianos, principalmente migrantes económicos. Muitos ucranianos também se mudaram para lá em 2014, após a anexação russa da Crimeia e o início da guerra em Donbass.

A Hungria já recebeu mais de 133 mil pessoas e a República da Moldávia está quase a chegar aos 98 mil ucranianos. A Eslováquia recebeu mais de 88 mil pessoas e a Roménia mais de 55 mil refugiados. Saem da Ucrânia sem qualquer perspetiva a não ser fugir da guerra: “O perfil está a mudar. Antes, os ucranianos iam para a casa de um familiar ou conhecido, agora não têm planos”, diz Sorin Ionita, diretor do think tank romeno Expert Forum, citado pelo El País.

Grandi prevê que o conflito provoque quatro milhões de refugiados na Europa. "Estamos a enfrentar o que pode se tornar a maior crise de refugiados na Europa neste século", disse. 

A maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra

Depois da Segunda Guerra Mundial, que terá gerado mais de 60 milhões de refugiados espalhados por todo o mundo, as grandes crises de refugiados na Europa aconteceram após as guerras nos Balcãs, sobretudo na Bósnia Herzegovina (1992-95) e no Kosovo (1998-99) e, depois, na Síria (que começou em 2011 com escalada em 2015).

Em 1993 e 1994, de acordo com os dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), a guerra da Bósnia provocou mais de 1,4 milhões de refugiados e deslocados.

Em 1999, sobretudo quando a NATO começou a bombardear a Sérvia, estima-se que 800 mil kosovares tenham deixado o seu território indo principalmente em direção à Albânia e Macedónia do Norte.

Finalmente, a guerra na Síria terá provocado só em 2015 mais de 11 milhões do refugiados e deslocados. 

Muitos destes refugiados pediram asilo a países da União Europeia. De acordo com os dados do Eurostat, os maiores picos nos pedidos de asilo aconteceram na sequência destes conflitos:

  • em 1992 a UE recebeu cerca de 697 mil pedidos de asilo; 
  • em 2002, houve aproximadamente 463 mil pedidos (o que foi um pico para os números da altura, a subir desde 1995 quando tinha havido apenas 250 mil pedidos);
  • e, finalmente, após uma subida consistente desde 2011, nos anos de 2015 e 2016 os países da UE receberam cerca de 1,2 milhões de pedidos de asilo por ano, na sua maioria de pessoas oriundas da Síria, Afeganistão e Iraque;
  • de então para cá, o número de pedidos de asilo na Europa esteve sempre acima dos 500 mil por ano, com execeção de 2020, ano de pandemia de covid-19, em que baixou para 417 mil, grande parte deles tendo a Síria como país de origem.

No entanto, tal como sublinhou Filippo Grandi, a rapidez com que em apenas uma semana se atingiu o milhão de refugiados da Ucrânia não tem comparação com as vagas anteriores.

"Se a guerra na Ucrânia continuar, as consequências demográficas podem ser colossais em comparação com as causadas pelo desmembramento da ex-Jugoslávia", disse ao El País Dumitru Sandu, especialista em migração e professor de sociologia da Universidade de Bucareste. Como pode a Europa preparar-se para acolher mais de um milhão de pessoas em tão pouco tempo?

"Estamos a ajudar e podemos fazer mais em áreas como proteção e registo, organização da capacidade de acolhimento, prestação de ajuda de emergência e assistência em dinheiro, e na identificação e resposta às necessidades dos mais vulneráveis, muitos deles mulheres e crianças, incluindo um número crescente de crianças desacompanhadas e separadas das suas famílias", disse o responsável da ONU.

Além dos refugiados, o ACNUR estimava, ainda antes da invasão, que este conflito provocasse 854 mil deslocados dentro da Ucrânia. Além disso, espera-se que 2,9 milhões de pessoas venham a precisar de ajuda humanitária. Entre os mais vulneráveis estarão os mais idosos, que representam cerca de 32% destas pessoas, assim como as crianças (14%).

Estatuto especial para ucranianos na UE

Os cidadãos ucranianos já têm permissão para permanecer em qualquer país da União Europeia por 90 dias, sem necessidade de visto. Mas, de acordo com um plano de emergência anunciado esta semana pela Comissão Europeia, os refugiados ucranianos terão o direito de viver e trabalhar na União Europeia por um período de até três anos. A UE concederá aos cidadãos ucranianos e residentes permanentes o direito de viver, trabalhar, aceder aos serviços de saúde, habitação e educação imediatamente por até um ano, sem a exigência de recorrer aos longos procedimentos dos pedidos de asilo. Se o conflito continuar ou os refugiados não puderem regressar em segurança, esse estatuto poderá ser estendido por mais dois anos.

Este é um mecanismo que foi estabelecido em 2001, após as guerras dos Balcãs, mas que nunca foi utilizado. "Infelizmente, temos que nos preparar para a chegada de milhões de pessoas", alertou a comissária europeia para Assuntos Internos, Ylva Johansson, na terça-feira.

“A Europa está ao lado daqueles que precisam de proteção”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado. "Todos aqueles que fogem das bombas de Putin são bem-vindos na Europa. Forneceremos proteção para os que procuram asilo e ajudaremos aqueles que procuram um caminho seguro para casa.”

Leyden garantiu que os refugiados que não tenham cidadania ucraniana nem estejam em condições de pedir um visto de residente permanente - como, por exemplo, os estudantes internacionais - poderão contar com ajuda no regresso aos seus países de origem.

Em Portugal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está pronto para dar início ao processo de acolhimento de refugiados ucranianos da invasão russa, depois do anúncio do Governo, na semana passada, de agilizar e facilitar a entrada da população nestas condições. O SEF tem, assim, disponível um balcão próprio com voluntários que se dedicam à primeira fase do processo de pedido de proteção internacional, recolhendo documentação e dados pessoais para que depois possam ser encaminhados para o gabinete de asilo.

O inspetor Miguel Soares, da Direção Regional Norte do SEF, explicou à CNN Portugal como é que a instituição se preparou para acolher os refugiados da guerra na Ucrânia:

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