O defeito dos tanques russos que a Ucrânia está a aproveitar para rebentar com eles

CNN , Brad Ledon
28 abr 2022, 16:56
Tanque russo destruído numa estrada para Kiev. AP Photo/Efrem Lukatsky, File

Rússia já terá perdido cerca de 580 tanques. Há uma razão de desenho que os torna mais vulneráveis – e os ucranianos sabem-no. É o chamado efeito “salto do palhaço”

Os tanques da Rússia na Ucrânia têm uma falha de desenho 'salto do palhaço'. E o Ocidente sabe disso desde a guerra do Golfo

Tanques russos com as “capotas” estoiradas são apenas o mais recente sinal de que a invasão da Ucrânia pela Rússia não está a correr conforme o planeado.

Acredita-se que centenas de tanques russos já foram destruídos desde que Moscovo lançou a sua ofensiva. Esta segunda-feira, o secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, estimou que a Rússia já terá perdido até 580.

Os problemas de Moscovo vão além do grande número de tanques que perdeu. Especialistas dizem que as imagens do campo de batalha mostram que os tanques russos padecem de um defeito, que os militares ocidentais conhecem há décadas como "efeito salto-do-palhaço” [tradução possível de “jack-in-the-box", brinquedo em que um boneco palhaço salta de surpresa de uma caixa fechada quando se lhe abre a tampa]. Moscovo, dizem, devia ter visto este problema a chegar.

O problema está relacionado com a forma como as munições dos tanques são armazenadas. Ao contrário dos tanques ocidentais modernos, os russos carregam vários projéteis dentro das suas torres de artilharia. Isso torna-os altamente vulneráveis, mesmo um golpe indireto pode iniciar uma reação em cadeia que faz explodir todo o stock de munições de até 40 projéteis.

A onda de choque resultante pode ser suficiente para explodir a torre do tanque tão alto quanto um prédio de dois andares.

"O que estamos a testemunhar nos tanques russos é uma falha de projeto", afirma Sam Bendett, conselheiro do Programa de Estudos da Rússia da CNA e membro sénior adjunto do Centro para uma Nova Segurança Americana.

"Qualquer ataque bem-sucedido... rapidamente acende as munições, causando uma enorme explosão, e a torre literalmente explode."

Esta falha significa que a tripulação do tanque - geralmente dois homens na torre e um terceiro a conduzir – é um alvo fácil, explica Nicholas Drummond, analista da indústria de defesa especializado em guerra terrestre e ex-oficial do Exército britânico: "Se não sair no primeiro segundo, você está frito."

O efeito “jack-in-the-box”

Drummond afirma que as explosões de munições estão a causar problemas a quase todos os veículos blindados que a Rússia está a usar na Ucrânia. E dá o exemplo do veículo de combate de infantaria BMD-4, normalmente tripulado por até três tripulantes e capaz de transportar outros cinco soldados. Drummond  diz que o BMD-4 é um "caixão móvel", que é "simplesmente obliterado" quando atingido por um míssil.

A falha de projeto nos tanques deve ser particularmente irritante para Moscovo, já que os problemas têm sido amplamente divulgados.

Esses problemas chamaram a atenção dos militares ocidentais durante as guerras do Golfo contra o Iraque, em 1991 e 2003, quando um grande número de tanques T-72 de fabrico russo do exército iraquiano sofreu o mesmo destino - torres a explodir do topo dos tanques em ataques com mísseis antitanque.

Drummond considera que a Rússia não aprendeu as lições do Iraque e, consequentemente, muitos dos seus tanques na Ucrânia apresentavam falhas de projeto semelhantes nos seus sistemas de mísseis de carregamento automático.

Quando a série T-90 - sucessora do T-72 - entrou ao serviço em 1992, a sua blindagem foi atualizada, mas o sistema de carregamento de mísseis manteve-se semelhante ao do seu antecessor, deixando-o igualmente vulnerável, explica Drummond. O T-80, outro tanque russo em ação na invasão da Ucrânia, possui um sistema de carregamento de mísseis semelhante.

Há alguns benefícios neste sistema. Bendett, do Center for a New American Security, afirma que a Rússia escolheu este sistema para poupar espaço e dar aos tanques um perfil mais baixo, tornando-os mais difíceis de serem atingidos em batalha.

Os militares ocidentais, no entanto, foram motivados a entrar em ação por conhecerem o destino do T-72 no Iraque. "[Os militares ocidentais] aprenderam todos com a Guerra do Golfo, ao verem tanques ‘morrer’, que é preciso compartimentar as munições", diz Drummond. Que aponta para os veículos de combate de infantaria Stryker do exército norte-americano, desenvolvidos após a primeira guerra no Iraque.

"Eles têm uma torre em cima do tanque, e essa torre não entra no compartimento da tripulação. Fica simplesmente em cima e todas as munições estão dentro dessa torre", explicar. "Então, se a torre for atingida e explodir, a tripulação ainda estará segura em baixo. É um desenho muito inteligente."

Outros tanques ocidentais, como o M1 Abrams, usado pelos EUA e por alguns exércitos aliados, são maiores e não têm carrossel. Nos Abrams, um quarto membro da tripulação recupera os projéteis de um compartimento selado e transfere-os para a arma para que sejam disparados.

O compartimento tem uma porta que o tripulante abre e fecha entre cada disparo do tanque, o que significa que, se o tanque for atingido, apenas um projétil ficará exposto na torre. "Um golpe preciso pode danificar o tanque, mas não necessariamente matar a tripulação", detalha Bendett. Segundo Drummond, os projéteis usados ​​pelas forças militares ocidentais por vezes ardem debaixo do elevado calor gerado por um míssil, mas não explodem.

Difícil de substituir

Não há uma maneira fácil de saber quantos tanques russos foram destruídos na Ucrânia. O site de monitorização de inteligência de código aberto Oryx disse a 28 de abril que pelo menos 300 tanques russos foram destruídos, com mais 279 danificados, abandonados ou capturados. No entanto, o site conta apenas casos em que há evidências visuais, pelo que as perdas russas podem ser muito superiores.

Estas perdas não são apenas acerca de equipamento. Quando Wallace, o secretário de Defesa britânico, deu à Câmara dos Comuns a estimativa de 580 tanques perdidos, também afirmou que mais de 15 mil militares russos foram mortos durante a invasão.

É difícil saber quantos seriam tripulantes de tanques, mas não há dúvidas de que as tripulações não são fáceis de substituir.

O treino de uma tripulação de tanques pode levar no mínimo vários meses, mesmo 12 meses pode ser considerado rápido, afirma Aleksi Roinila, ex-tripulante de tanques das Forças de Defesa finlandesas. Para a Rússia substituir centenas de tripulantes nesta altura da guerra seria uma tarefa difícil – especialmente quando os tanques que usam têm tantas falhas.

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