F.C. Porto-Grasshopper, 2-2 (crónica)

9 ago 2001, 00:07

No princípio era... Deco Chegou a ser alucinante, mas terminou com a saída de Deco. O F.C. Porto teve tudo para viver mais uma noite inesquecível, mas não soube manter o nível quando o cérebro abrandou e um gafanhoto do Uruguai resolveu estragar tudo.

Estava tudo preparado. Não havia televisão, mas havia um estádio cheio, atafulhado de emoções compactadas a pedir unicamente que um clique as fizesse rebentar. A enchente era um decalque das grandes noites europeias, as expectativas colocavam a partida nas mais importantes do ano. Pedia-se um vendaval semelhante ao que derrubou o Barry Town, uma enxurrada de futebol capaz de encantar e fazer em pedaços a mais sólida das resistências. Teria de ser um jogo de acelerações contínuas e pujança máxima. O Grasshopper não poderia respirar, pois isso permitir-lhe-ia recordar o esquema estratégico que o seu treinador preparara.  
 
Pedia-se um F.C. Porto poderoso. A equipa que, instantes antes, deixara o balneário através de um túnel com as formas do dragão a cuspir fogo teria de assumir a sua condição de mais forte. Jogava em ambiente favorável, corria com aplausos e incentivos e defrontava um onze mais fraco e antecipadamente diminuído pela recepção ruidosa e hostil. Tudo misturado e agitado dava um início de encontro previsível, de sentido único e espaço reduzido. Pena, após uma sequência de perseguições infindável, recuperava a bola logo no ataque e estourava por cima. Sem preparação, a abrir uma fase inicial que chegou a ser empolgante.   
 
A sofreguidão portista chegava a ser impressionante. Paredes, o perigo número um das posses de bola suíças, assumia o papel de desalmado. Sem qualquer constrangimento. Competia-lhe deixar os calcanhares contrários tristes só de o sentirem por perto e ganhar o jogo que Deco, posteriormente, transformaria em arte mais refinada. Jogava-se há seis minutos e os jogadores do Grasshopper dividiam o pânico entre si. Uns tremiam de medo, outros fugiam da bola, suspeitando que o couro estivesse a ferver de tanta velocidade. Smiljanic, o capitão, aquele a quem se pedia um grito de reorganização, revirava os olhos e espumava, num acto tresloucado que o deixava noutro local e permitia que Paredes se isolasse, para, depois de encaminhar toda a genica para o pé esquerdo, colocar um par de molas nos pés de cada um dos espectadores.  
 
Os suíços cheiravam a galeses e Deco voltava a encantar. Previa-se goleada, planeava-se festejos cada vez mais alucinantes. Era um início francamente prometedor. Era a certeza do dever cumprido por antecipação e a garantia de ter o adversário preso pelos colarinhos mais cedo que o previsto. Era a loucura do futebol diabólico e havia quem pedisse camisas de força para se controlar quando Deco, de pé esquerdo, num tiro impossível, fez ecoar o som metálico do poste pelo universo.  
 
O regresso ao mundo real surgiria ao quarto de hora, à força, sem aviso prévio e sem dar tempo ao F.C. Porto para refrear a tendência para a alucinação. Deco, lesionado, deixava o monstro desprovido de cérebro e amenizava a tortura do gafanhoto. A partida não voltaria a ser a mesma. Mesmo que Rafael quisesse mascarar-se de compatriota mágico e Paredes insistisse na exuberância que os remates de Pena terminavam nos planeis de publicidade ou nas luvas de Jehle.  
 
Nuñez vitaminado  
 
O intervalo, confiava o estádio, serviria para recarregar baterias. Mas os primeiros pontapés destapavam uma tendência diferente. Nuñez, escondido num tufo de relva durante a primeira parte, deixava o anonimato e avisava. Ovchinnikov ainda anulava a primeira tentativa, mas era impotente à segunda. Com toda a defesa a ver jogar e Jorge Andrade a estender um tapete vermelho ao remate, indefensável, do uruguaio. O pânico mudava de mãos.  
 
Estranhamente, o F.C. Porto deixava que um simples golo o fizesse sentir goleado. Octávio chamava Hélder Postiga e desejava-lhe sorte, condimento que Clayton não parecia encontrar. Minutos depois, contudo, Nuñez cometia nova maldade e coçava a barriga de tanto rir. Ibarra tinha cancelado a parceria no flanco e deixara-o só, a caminho da linha e com tempo de levantar a cabeça para assistir Petric. Era a vez do gafanhoto pular e fazer cócegas ao dragão. As bocas abriam-se de espanto.  
 
A noite estava estragada e ninguém ousava recordar façanhas antigas. Já não se pedia a goleada e bastava um retoque na imagem desfeita em minutos. Postiga, aos 59 minutos, exibia a tranquilidade que parece interdita à sua idade e oferecia um chapéu ao guarda-redes suíço. Dava para recuperar a ambição. E reavivar a esperança. Restava meia hora e sobejavam argumentos, mesmo que o Grasshopper há muito tivesse recebido alta das consultas de psiquiatria. A defesa estava agora mais acertada e chegava para as encomendas que Rafael, Pena e Capucho entregavam em endereços trocados.  
 
O F.C. Porto voltava a ser sôfrego, mas deixava que o nervo lhe tolhesse os movimentos. Já nada funcionava e os ensaios morreriam em remates de distância pouco aconselhável. Num deles, nos instantes finais, Costinha fê-lo com raiva e pontaria, mas Jehle não quis que o reforço desequilibrasse o marcador. Uma defesa impossível a encerrar um jogo com um resultado final que chegou a parecer... impossível.

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