Ex-secretário de Estado “empurrou” culpas para a secretária mas Inspeção põe em causa versão de Lacerda Sales sobre as gémeas

4 abr, 14:02

Carla Silva, a secretária, admitiu que enviou um email a pedir ajuda para as crianças luso-brasileiras terem uma consulta. O seu chefe e antigo governante nega tudo. Inspeção-Geral das Atividades em Saúde sublinha que uma secretária não dispõe de "autonomia" para alegadamente agir sozinha e para ter acesso aos dados pessoais das crianças. Consulta no SNS foi marcada de forma ilegal, concluem os inspetores

Na investigação feita ao caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento mais caro do mundo, a secretária pessoal do antigo secretário de Estado adjunto e da Saúde garantiu aos inspetores que foi António Lacerda Sales quem lhe fez dois pedidos concretos: um para que falasse com Nuno Rebelo de Sousa, que queria marcar uma consulta para as duas crianças; e outro para que contactasse a diretora a diretora do departamento de Pediatria daquele hospital. Mas António Sales negou tudo aos inspetores, segundo o relatório da inspeção-geral das Atividades em Saúde ao caso das gémeas, a que a CNN Portugal teve acesso. E os inspetores põem em causa essa versão do ex-governante.

A versão da secretária 

De acordo com o documento, a secretária pessoal de Lacerda Sales, Carla Silva, admitiu que recebeu dados pessoais e clínicos das crianças por telefone, durante a conversa que teve com o filho do presidente da República (e a seguir também por correio eletrónico), e que depois entrou em contato com a diretora do departamento de pediatria. Assim, notam os inspetores, no dia 20 de novembro de 2019, a secretária pessoal de António Sales enviou um email àquela diretora a “pedir ajuda para o agendamento de uma consulta e avaliação por neuropediatra”, solicitação que a médica neuropediatra Teresa Moreno que iria tratar as gémeas fez chegar “nesse mesmo dia” ao diretor clínico Luís Pinheiro.

No entanto, o antigo secretário de Estado da Saúde (SES) alega que não houve qualquer ordem sua ou diligência formal junto do Hospital de Santa Maria, negando assim as declarações da sua secretária pessoal. O que mereceu uma tomada de posição dos inspetores neste relatório ao caso das gémeas: “Apesar de o então SES negar o seu envolvimento na obtenção de informação sobre as gémeas junto do Dr. Nuno Rebelo de Sousa e posterior encaminhamento para o Centro Hospitalar de Lisboa Norte E.P.E (CHULN) para marcação de consulta, não se descortina como a sua secretária pessoal, atento o seu grau de autonomia, poderia ter tido conhecimento do caso das duas crianças gémeas e da sua informação pessoal, e comunicado com o CHULN., que não fosse através do modo e contactos referidos” pela secretária, explicam os autores do documento.

 Os inspetores acrescentam ainda que questionaram “o então SES e o seu chefe do gabinete quanto ao grau de autonomia de uma secretária pessoal de um Secretário de Estado para efetuar contactos junto de entidades hospitalares neste âmbito". E "ambos afirmaram que uma secretária não dispõe de tal autonomia, a menos que haja orientação superior, tendo os dois referido que não deram essa orientação”.

A IGAS volta, assim, a insistir que, “desse modo, não se vislumbra como a secretária pessoal do SES poderia ter tido conhecimento do caso das duas crianças gémeas, dos seus dados pessoais e da informação quanto à disponibilidade dos pais para a realização de consulta, informação esta que não constava no ofício da Casa Civil do Presidente da República”.

A versão de Lacerda Sales

De acordo com a IGAS, no seu depoimento Sales disse que “teve conhecimento do caso das duas crianças gémeas após reunião realizada no dia 7 de novembro de 2019 a pedido do Dr. Nuno Rebelo de Sousa, invocando o cargo de diretor de departamento da EDP no Brasil e presidente da Câmara de Comércio Brasileira, onde aquele solicitou a colaboração do SES para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma”.  O ex-governante garantiu ainda que “informou o Dr. Nuno Rebelo de Sousa de que o caso seria tratado como todos os outros, sem qualquer privilégio, porque todos os processos que chegavam formalmente constituídos eram sinalizados para as respetivas instituições”.

Por outro lado, refere ainda IGAS, Sales alegou que “no pedido de documentação que fez ao Ministério da Saúde não obteve quaisquer registos ou documentos que indiquem que ao seu Gabinete tenha chegado qualquer documento de formalização sobre este caso, nem quaisquer registos ou documentos que indiquem que a partir do seu Gabinete tenha sido enviada qualquer documentação ou mesmo feita qualquer diligência formal junto do Hospital de Santa Maria”.

Mas, conclui o relatório, a sua secretária pessoal fez esse mesmo contacto - que acabou por levar a que as gémeas conseguissem a marcação de uma consulta da especialidade que lhes deu acesso ao medicamento e que, foi, avisa a IGAS, marcada sem seguir as regras legais que são impostas a todos os cidadãos.

Saúde

Mais Saúde

Patrocinados