“Não se pode passar a ideia de que há uma margem elevadíssima para reduções de impostos"

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo; Hugo Amaral; Diogo Simões
16 out 2023, 15:43
João Leão (AP/Armando França)

João Leão, ex-ministro das Finanças, considera que o financiamento da despesa pública, em particular com pensões e saúde, limita a margem para continuar a descer impostos

João Leão tem “o recorde na preparação de Orçamentos do Estado” em democracia, como faz questão de sublinhar na entrevista ao ECO. Foi secretário de Estado do Orçamento entre 2015 e 2020 e ministro das Finanças nos dois anos seguintes. Com o aumento dos apoios sociais, das pensões e a descida do IRS, daqui “a meio ano, um ano, as pessoas já vão sentir que recuperaram os rendimentos perdidos” devido à inflação. Mas avisa que “não se pode é passar a ideia que tudo é possível e que há uma margem elevadíssima para reduções massivas de impostos”.

Conhecido pelo pulso firme na gestão da despesa pública, o antigo governante considera que as cativações orçamentais já não são necessárias, porque já não estamos “numa situação de emergência em que era preciso contar à décima” e “Portugal agora é visto como um país com grande respeitabilidade ao nível financeiro”.

Sem o investimento público financiado pelos fundos europeus — e a recuperação de rendimentos – Portugal correria o risco de ter uma evolução da economia “igual à europeia ou pior”. “Se a situação económica se degradar muito mais do que o antecipado, é natural deixar funcionar os estabilizadores automáticos e que o défice se agrave”, defende.

O que é que distingue os Orçamentos do Estado de Fernando Medina dos de João Leão?

Era um contexto muito diferente. Enquanto secretário de Estado do Orçamento, o contexto inicial era a necessidade de se recuperar a credibilidade de Portugal do ponto de vista financeiro e sair do procedimento por défices excessivos. E depois, enquanto ministro de Finanças, tive um período da pandemia que não tinha inflação, mas em que havia muitas necessidades de natureza temporária que era preciso acorrer. Garantir a estabilidade da economia, a estabilidade do emprego e assegurar que as famílias não ficavam numa situação muito vulnerável. Agora temos um contexto muito diferente, marcado sobretudo pela guerra da Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022, e com um aumento muito grande de inflação e o choque de termos de troca sobre a Europa, que ficou um pouco mais pobre nesse ano. Em 2023, já houve alguma recuperação, mas este ano de 2024, do ponto de vista da generalidade dos grupos sociais, completa a recuperação de rendimentos face a esse efeito inflacionista. Daqui a meio ano, um ano, as pessoas já vão sentir que recuperaram os rendimentos perdidos.

O ministro das Finanças João Leão ficou conhecido por ter um pulso muito apertado no controlo da despesa. Fernando Medina anunciou que vai acabar no próximo ano com o controlo das finanças sobre as cativações e, portanto, os ministérios vão passar a ter autonomia sobre a gestão dessa dessa verba que fica cativada. Isso significa que já não é preciso um pulso apertado da parte das Finanças?

Dá-se uma importância demasiada ao efeito das cativações. Penso que serviam também como um símbolo desse tal rigor muito apertado na gestão da despesa pública e dos processos orçamentais.

Porque é que só agora que é que é levantada esta restrição?

É importante referir que as cativações são um instrumento que foi usado durante décadas e que esteve associado ao facto de Portugal ter tido, desde praticamente o início do século, dificuldades do ponto de vista financeiro e orçamental. Agora, em 2023 e 2024, deixa de pertencer ao grupo de países altamente endividados da Europa. Acabou de ter uma melhoria do rating para o nível “A”. Passou de “lixo”, há sete anos, para “A”. Portugal agora é visto como um país com grande respeitabilidade ao nível financeiro. Já não está no grupo dos países mais endividados, aquele grupo dos PIGS, com a Itália ou a Grécia.

Isso permite dar aos ministérios uma maior flexibilidade na gestão dos orçamentos?

Sim, já não temos a tal situação de emergência em que era preciso contar à décima. Temos um excedente de 0,8% este ano. Também se espera um excedente no próximo ano e a dívida pública vai ficar abaixo dos 100%. Por outro lado, há vantagens em serem os ministros setoriais e não o ministro das Finanças a gerir os seus próprios orçamentos. Dá-lhes mais responsabilidade, mais autonomia. Também conhecem melhor os seus processos.

Mas há outras verbas que se mantêm cativadas.

Nunca deixa de haver Ministério das Finanças, como numa empresa nunca deixa de haver um diretor financeiro, que é alguém que tem que assegurar que a dinâmica da evolução da despesa é consistente com os objetivos políticos e com a sustentabilidade das finanças públicas. Há um conjunto de decisões que envolvem sempre a participação das Finanças. Senão corria-se o risco de tomar decisões totalmente descoordenadas e de haver uma derrapagem durante anos.

O Programa de Estabilidade apresentado em abril apontava para um alívio no IRS de 525 milhões no próximo ano. Afinal, vão ser 1.327 milhões. Juntando outras medidas, como o IRS jovem, supera mesmo os 1.600 milhões. É cerca do triplo do que era estimado. Isto acontece só porque há folga orçamental ou porque no próximo ano vamos entrar num ciclo eleitoral com as eleições europeias em junho?

A evolução orçamental de Portugal com a saída da pandemia foi muito positiva e estendeu-se até este ano. Vamos ter um excedente de 0,8%, apesar de ainda haver muitas medidas temporárias que oneram o orçamento. Países como a Espanha e França, que saíram da pandemia com grandes dificuldades orçamentais, não têm o privilégio nem o luxo de chegar a um orçamento e iniciar reduções de impostos no IRS, porque não têm margem para isso. A França, por exemplo, tem um défice de mais de 4% e está ameaçada pelas agências de rating com um downgrade [corte na classificação de risco]. Tinha planeado uma redução de impostos, decidiu adiar, e o que está a fazer agora é de facto um aumento de impostos, ao retirar alguns apoios temporários. A generalidade dos países europeus não tem esta margem para reduzir os impostos.

A evolução no mercado de trabalho em Portugal durante a pandemia foi muito positiva e depois da pandemia ainda continua a ser muito mais positiva, agora já associada a uma forte imigração. Isso deu uma robustez adicional à economia e às finanças públicas, que deu margem para esta redução no IRS.

Mas a visibilidade sobre este excedente na receita fiscal já existe há alguns meses. Não acha que o Governo podia ter feito este alívio antes, como defendia o PSD?

Durante o ano faz mais sentido pensar em medidas temporárias, que aliviem grupos que estejam em particular vulnerabilidade, como aconteceu com o IVA Zero. A pressão que há nas prestações sociais e nas pensões é muito pesada. É na altura do Orçamento que se faz uma avaliação de como é que se abdica de uma receita de forma permanente, o que tem de ser enquadrado olhando para a evolução das despesas permanentes e das outras receitas. Agora percebo que também no debate político isso possa surgir por parte dos partidos para a afirmação das suas propostas.

O Governo poderá ter de lançar mão de novas medidas temporárias no próximo ano?

É verdade que há aqui um contexto geopolítico, não só com a guerra na Ucrânia e também agora a questão do Médio Oriente, que levanta dúvidas sobre o que pode acontecer, nomeadamente ao preço do petróleo e da energia. Seria um cenário negativo que esperemos que não se materialize. O que está previsto do ponto de vista de inflação é uma fase em que vamos normalizar e os preços passam a aumentar de forma mais gradual. Já se sabia que estava a vir uma desinflação, uma aterragem que ainda é relativamente suave da economia, e nesse contexto, espera-se que não sejam necessárias tantas medidas como foram nos últimos dois anos.

Vê no Orçamento a almofada para acudir a uma situação, por exemplo, de forte subida dos preços de energia?

Sim, porque nós partimos de um excedente de 0,2% do PIB, o que é positivo. Mas se a situação económica se degradar muito mais do que o antecipado, é natural deixar funcionar os estabilizadores automáticos e que o défice se agrave. E, nesse sentido, lançar mão de algumas medidas em função do contextos que não estamos neste momento a antecipar.

João Leão, ex-ministro das Finanças e vice-reitor do ISCTE, em entrevista ao ECO.

A economia trava de 2,3% este ano para 1,5% no próximo ano. E o crescimento, segundo as previsões do Governo, virá da procura interna, com a procura externa a ter um contributo negativo. E aqui sobressai muito o crescimento do investimento, 4,3%, em particular do investimento público, que se espera que seja um valor recorde. Mas quando falamos de investimento há sempre uma dose grande de incerteza. Ou seja, esta meta de 1,5% não poderá ser otimista?

Há uma certa incerteza, porque o investimento privado está condicionado por um contexto económico europeu mais desfavorável, com muitos países importantes a atravessarem uma estagnação ou um crescimento muito baixo. Por outro lado, o investimento está sujeito ao facto dos juros estarem muito mais elevados e isso também condiciona a evolução. Agora, o investimento público gera efeitos indiretos positivos não só sobre a procura interna, mas como sobre o próprio investimento privado. Portugal tem um montante muito elevado de fundos para executar, sobretudo do PRR [Plano de Reestruturação e Resiliência], que vai entrar agora numa fase, espera-se, de grande execução, sobretudo ao nível do investimento.

Vamos ter que melhorar claramente a execução.

Obter o financiamento, planear e concretizar demora sempre pelo menos dois anos. Portanto o PRR, como foi aprovado em 2021, agora vai entrar na fase em que se espera que comece a ser a ser executado e entre no terreno. Não se vai à loja e compra-se investimento. É algo muito demorado e que tem de vir planeado de trás.

Se não fosse este investimento do PRR e do PT2030 corríamos o risco da economia quase estagnar no próximo ano?

Sem este Orçamento, sem a recuperação de rendimentos que tem presente e sem o investimento público haveria o risco de termos uma evolução igual à europeia ou pior.

Se temos uma diminuição da receita de IRS, nos impostos indiretos o Estado prevê ir buscar mais 2,63 mil milhões de euros, o que corresponde a um aumento de 8,9%. O Governo não está a dar com uma mão para depois ir tirar com a outra?

A resposta tem de ser feita a dois níveis. Por um lado, há um aumento dos impostos que é natural. Mesmo que as taxas não mudem de ano para ano, a evolução dos preços e da economia faz com que os impostos aumentem. Por isso é que há uma tabela que está em todos os Orçamento do Estado, que diz qual o efeito das medidas tomadas sobre os impostos. Não olha para os agregados de impostos, mas diz o que é que resulta das medidas. As medidas que fazem descer os impostos são cerca de 2 mil milhões de euros, cerca de 1.700 milhões no IRS e cerca de 300 milhões de euros no IRC, que depois são compensados por menos de metade de medidas como o fim do IVA Zero e o aumento do ISP, que tinha sido uma redução temporária. Os impostos que resultam de decisões que estão previstas no Orçamento reduzem-se mais do que o que resulta das decisões de aumentar.

Por outro lado, há uma natureza diferente, enquanto a redução de impostos é de forma permanente, para 2024 e os anos seguintes, o aumento previsto é de impostos que tinham sido reduzidos de forma assumidamente temporária, como o IVA Zero e o ISP, que agora são retomados ao valor anterior.

Ainda assim, a carga fiscal vai bater um novo recorde. Sabemos que isso acontece, em parte, porque, como referiu, o emprego está em níveis muito elevados e os salários sobem, logo as contribuições sociais também também aumentam. Mas caminhamos para uma carga fiscal de 40% do PIB. Isso não quer dizer que há aqui margem para ir mais longe na redução dos impostos?

O que é mais claro e objetivo são as medidas de redução e de aumento de impostos. São medidas quantificadas e analisadas. Depois a parte estatística em termos de evolução do rácio, no final do ano vê-se. Em parte, isso reflete um grande sucesso da economia portuguesa na última década que tem sido a recuperação do emprego. O emprego aumentou um milhão de trabalhadores, praticamente, face a 2015. É um aumento de 20%. Isto é um grande sucesso não só para a economia, para as pessoas, para a sua vida, mas também em termos estruturais para as Finanças Públicas e, no futuro, para assegurar o nosso sistema social. Era mais fácil chegar aqui e dizer que os impostos são muito elevados. Ninguém gosta de pagar impostos. Se pudéssemos ter todos os serviços públicos sem impostos… A minha obrigação, é de, enquanto economista e antigo responsável das Finanças, falar de forma séria e objetiva sobre a realidade.

Os dados mostram que o peso dos impostos em Portugal é mais baixo do que na maioria dos países ocidentais, em particular o peso dos impostos sobre o rendimento que são IRS e o IRC. Em particular no imposto sobre o rendimento pessoal, o IRS. A generalidade dos países ocidentais tem impostos sobre o rendimento mais altos que Portugal.

Juntando as contribuições sociais isso já não acontece.

Mesmo com as contribuições sociais. Só os países mais pobres de Leste é que têm os impostos sobre o rendimento mais baixos. São dados do Eurostat, pode verificar, relativamente a 2021 e a 2022, quando estiverem disponíveis. Mas há uma dimensão que não é fácil para nós. Por um lado, temos salários mais baixos do que muitos países europeus. Por outro, por termos os salários mais baixos, a estrutura de impostos tem que se adaptar a esses salários e começa a subir mais rapidamente. E nem sempre é fácil para os portugueses verem isso. Mas se queremos financiar também a despesa pública, e ter pensões e saúde em percentagem do PIB equivalente aos outros países, também não podemos ter impostos muito mais baixos em percentagem do PIB que os outros países. Eu penso que é bom haver esta margem e termos as contas muito sólidas e positivas no Orçamento e ter um excedente que nos permite fazer isto. Mas também temos que relativizar a margem que existe.

O que está a dizer é que Portugal já não tem grande margem para continuar a descer os impostos?

Há sempre alguma margem para o fazer, tem que se ir avaliando ano a ano. Não se pode é passar para a ideia que tudo é possível e que há uma margem elevadíssima para reduções massivas de impostos.

A margem agora já começa a ser pequena.

Para um país que tem a dívida pública que nós ainda temos, perto dos 100%, que tem desafios demográficos que vão pressionar nos próximos cinco, dez anos, muita despesa social na área das pensões e da saúde. A geração do baby boom, que cresceu ali perto do 25 de Abril, está a aproximar-se da reforma e quase metade das despesas do Estado é com os mais velhos, entre a saúde e as pensões e algumas funções sociais. Temos desafios do ponto de vista dessa despesa muito elevados no futuro.

Temos espaço para baixar, mas já é pequeno.

A redução foi substancial este ano. Se pensarmos o que é permanente nesta redução, é bastante significativo. Abdicámos de quase cerca de 10% do IRS num ano.

Os aumentos na Função Pública vão variar entre os 6,8% e os 3%, segundo o que resultou da última negociação. A única alteração que ocorreu face à proposta original do Governo foi aumentar de 2% para 3% o aumento salarial nos ordenados acima de 1.807 euros. Acha justo que a subida tenha sido apenas nos salários mais altos?

Os salários mais altos é que tinham um aumento percentual à partida menor. Temos um aumento global da massa salarial que é superior a 5%, segundo está previsto. Mas na administração pública há realidades muito diferentes. Por um lado, os salários mais baixos têm um aumento superior, os tais cerca de 6%, e depois os salários mais altos têm um aumento de 3%. Mas mesmo entre os salários mais altos, há contextos diferentes. Eu conheço isto bem de muitos anos a ver carreiras e revisões de carreiras. Muitos não ficam nos 3%, porque há revisões de carreiras, há um suplemento que é criado. No caso dos médicos vão ter aumentos muito superiores, com a dedicação plena e na passagem das USF [Unidades de Saúde Familiar] para o tipo B.

Acha então que a Frente Comum não tem razão nas queixas que faz?

Achei bem que no contexto inflacionista se tivesse feito um aumento percentual maior nos salários mais baixos. Se há coisa que se pode perguntar é como está a ser distribuído o esforço nas diferentes carreiras? Sabemos que há carreiras que são revistas, como os médicos. Na área da Defesa também foi anunciado um aumento de suplemento bastante significativo. Vão ter aumentos superiores aos 3%, mesmo nos salários mais altos.

Esse desequilíbrio pode criar tensões dentro da Administração Pública e mais contestação.

Há um desequilíbrio sempre difícil de gerir. Muitas vezes esses aumentos e revisões de carreiras tem a ver com setores onde há descontentamento e dificuldades.

Os que reivindicam mais acabam por conseguir aumentos maiores.

Acabam por conseguir mais. E também aqueles que estão sujeitos a questões políticas mais sensíveis, como agora a saúde.

Há aqui outra questão que é o salário mínimo da função pública, que passou para 821,83 euros e excede ligeiramente o mínimo de existência, pelo que ficará sujeito a IRS. Isto faz sentido?

O Governo assegurou que não vai estar sujeito a retenção. Mas, como diz, está sujeito a IRS no final. Mas com as outras bonificações adicionais acaba, na prática, por não ter IRS. Mas também estaríamos a falar de uma coisa muito baixa.

João Leão, ex-ministro das Finanças e vice-reitor do ISCTE, em entrevista ao ECO

Todos recuperam do impacto da inflação, incluindo o privado

O IVA Zero acaba e passa a ser uma verba atribuída apenas a quem recebe apoios sociais. Isto não é um reconhecimento pelo Governo de que a medida devia ter tido sempre esse desenho?

Na altura e ao contrário da maior parte dos meus colegas economistas, achei que o Governo fez bem. Os preços dos produtos alimentares tinham aumentado de forma muito elevada. A própria classe média e média a ser afetada por esse aumento e o facto de ser nos produtos alimentares, que as famílias que têm mais filhos consomem mais, também beneficiam mais disso, e de forma temporária e em acordo com o setor, mostrou ser relativamente eficaz e funcionou.

Devia então ter mantido o formato?

Entretanto, parte dos produtos alimentares já normalizaram. Por um lado, deixaram de aumentar, alguns até baixaram, e entretanto as pessoas estão a recuperar os seus rendimentos. Este ano, a remuneração por trabalhador tem estado a aumentar cerca de 8%, em média. E portanto as pessoas estão a recuperar o tal rendimento que permite depois também fazer face a esses preços. Não só os trabalhadores como os pensionistas.

Os pensionistas recuperaram uma parte em 2023, porque tiveram um aumento de cerca de 8% e a a inflação vai ser cerca de 5%. Agora, em 2024, com este aumento superior a 6% para a generalidade dos pensionistas, que vai ser superior à inflação do próximo ano, de 3%, eles completam a recuperação do rendimento. Os pensionistas recuperam todo o poder de compra que tinham perdido com o efeito inflacionista. No salário mínimo até é mais do que isso. Vai ficar bastante acima em termos reais, com um aumento de 5% a 6% face a 2021. Mesmo nas outras prestações sociais, como o Complemento Solidário para Idosos, os abonos de família, o próprio RSI, também acontece o mesmo. Ou seja, vão ter aumentos que vão permitir ter um rendimento real mais elevado do que tinham em 2021, antes do surto inflacionista.

 

E no setor privado?

Mesmo no setor privado, com os aumentos salariais que se está a ver. Com este efeito do IRS, que para muitos salários vai dar uma bonificação adicional de cerca de dois pontos percentuais. Os salários é provável que aumentem no próximo ano cerca de cinco pontos, Portanto, mesmo nos salários do setor privado vamos ter aumentos no próximo ano de rendimento em termos líquidos de 5, 6, 7 pontos percentuais, bastante acima da inflação. Também aí vão recuperar totalmente do efeito inflacionista. Tivemos aqui dois anos difíceis do ponto de vista do impacto no poder de compra das famílias, mas agora há uma recuperação completa dessa perda. Para a generalidade dos grupos. Não totalmente para todos, mas para a esmagadora maioria da população.

O Orçamento do Estado para 2024 prevê um excedente de 0,2% do PIB, ainda assim menor do que os 0,8% para este ano, Tendo em conta que as taxas de juro vão permanecer elevadas por mais tempo, tem sido esse o mantra dos bancos centrais. Não faria sentido ser mais ambicioso em relação ao excedente do próximo ano?

Muitos Governos e ex-colegas meus estão agora com dificuldade para reduzir os défices orçamentais. Portugal, como parte de uma situação tão positiva, ainda tem margem e pode dar-se ao luxo de não ter que melhorar o seu saldo orçamental. Pode até reduzir o excedente orçamental. Dada essa margem, e temos que reconhecer que a população portuguesa face a outros países da Europa ocidental tem rendimentos mais baixos e sofreu um pouco o efeito inflacionista, faz sentido assegurar que no próximo ano a generalidade dos grupos consiga recuperar o rendimento em termos reais.

No contexto atual de aumento taxas de juro e dos desafios demográficos que nós temos, com a dívida pública tão elevada, apesar de ter baixado bastante, seria desadequado com o mercado de trabalho e a economia ainda numa situação muito positiva passarmos para uma situação claramente deficitária. Isso colocaria, sem necessidade, a economia numa situação de maior vulnerabilidade.

Nesse contexto de dívida pública ainda com um valor absoluto muito elevado e taxas de juro altas, faz sentido que o excedente orçamental passe a reverter para um novo fundo de investimentos estruturantes em vez de abater à dívida?

A dívida pública está a reduzir-se bastante.

Mas a conjuntura económica pode, de repente, mudar e o valor absoluto da dívida está lá.

Em relação ao fundo, penso que o Governo já indicou que vai investir na própria dívida pública, pelo que não aumenta a dívida pública para efeitos líquidos. Se fosse investir noutras coisas, já aumentava. Como o fundo investe e consolida, não faz aumentar a dívida pública.

Concorda então com a criação deste fundo para investimentos estruturantes?

Sim. Penso que do ponto de vista comunicacional é também uma forma de explicar às pessoas que têm de se preparar para os desafios futuros.

A despesa pública corrente vai crescer 7,2% para 110,63 mil milhões de euros, o equivalente a 40% do PIB. Não começa a ser um nível demasiado elevado para o país?

A despesa corrente, a parte mais permanente da despesa, aumenta bastante no próximo ano. A parte de prestações, pensões, etc. A inflação não melhora as contas públicas de per si. Por isso é que os outros países da Europa, França, Espanha e Itália, estão todos com problemas. Não tem nenhum efeito positivo. Tem apenas um impacto temporário, porque aumenta mais rapidamente a receita do que a despesa, mas esse impacto desfaz-se. Portanto, o que aconteceu foi, em 2022, e um pouco em 2023, essa despesa de natureza mais permanente reduziu-se e agora o que está a fazer é voltar ao normal. A recuperar o efeito, no sentido contrário.

Os exercícios de revisão da despesa pública têm, nos últimos anos, resultado em poupanças pouco expressivas, quando olhamos para a despesa total da administração pública. Não deviam ser mais ambiciosos?

Eu penso que é um trabalho contínuo, que exige muito conhecimento, para ser bem feito. Tem sido feito com alguma eficácia. Mas é um trabalho que é exigente e que exige muito conhecimento para ser sustentável.

Mas não devia ser mais ambicioso?

Na área da saúde a despesa vai aumentar, isso não está em causa. E tem de aumentar porque as necessidades com o envelhecimento da população vão aumentar. Mas há muitas áreas em que se pode melhorar e afinar. Por exemplo, só construir o Hospital de Lisboa Oriental vai ser um exercício enorme de revisão de despesa, porque deixamos de ter três ou quatro pequenos hospitais aqui que são extremamente ineficientes na sua provisão pública. Na saúde, há muitas áreas onde com a melhoria das infraestruturas, com a otimização de processos, se pode melhorar muito.

Diria que o problema da saúde em Portugal, mais do que de dinheiro é um problema de gestão do sistema?

Há dez anos, quando Portugal estava sob a troika, quando estava no procedimento por défices excessivos, havia outros problemas muito grandes. A preocupação com a saúde estava sempre presente, mas quando o desemprego está nos 15 ou 20%, as pessoas também se dedicam a outros problemas. Agora, como do ponto de vista mais macroeconómico, financeiro, do emprego, do défice e da dívida as coisas parecem mais resolvidas, é natural que a saúde sobressaia. Não é a minha área de especialidade, mas não diria que a saúde está muito pior do que há 10 ou 20 anos. Sempre houve problemas.

Não existiam problemas tão agudos como agora.

Não estou certo. Temos muito mais profissionais. Não gosto de fazer coisas casuísticas, mas tenho visto muitas vezes casos de eu ou outras pessoas irem ao SNS e ficarem muito bem impressionados com o serviço prestado e outros casos que nem tanto. Mas se formos ver a produção na área da saúde, tem estado aumentar bastante nos últimos anos.

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