“Sou pobre, pareceu-me uma boa forma de ganhar dinheiro”: os pés estão a ter o seu momento de glória - e há quem esteja a lucrar com isso

CNN Portugal , MCP
16 abr 2023, 12:00
pés

“40% das pessoas do sexo biológico masculino terão algum grau de fetichismo”

Pés untados em óleo, com ou sem pedicure feita, de salto alto, descalços, limpos, sujos, suados ou de meias: as categorias em volta da podofilia não parecem acabar e o mercado do fetichismo com pés atrai cada vez mais utilizadores e criadores de conteúdos a plataformas como OnlyFans, Funwithfeet, Twitter, Instagram, Reddit ou ManyVids. 

“Sou pobre, pareceu-me uma boa forma de ganhar dinheiro.” Maria João tem 23 anos, trabalha num supermercado desde os 16, paga as despesas da casa, a matrícula de uma licenciatura e agora acresce a despesa de um problema de dentição que lhe exige mais de dois mil euros. Foi assim que decidiu criar uma conta de OnlyFans para vender fotos dos seus pés. 

Sim, pés. E justifica: “Vender fotos de corpo para mim é demais, mas pés são só pés", graceja enquanto faz scroll no seu telemóvel a exibir a quantidade de seguidores que lhe vão caindo à medida que a entrevista decorre. “E olhe, é um bom nicho”, aponta para o ecrã. 

“40% das pessoas do sexo biológico masculino terão algum grau de fetichismo”

É mesmo um bom nicho - mais do que se possa imaginar. Numa entrevista à CNN Portugal, o sexólogo Rui Ferreira Carvalho, da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC), refere que “alguns estudos de pequena escala indicam que 40% das pessoas do sexo biológico masculino terão algum grau de fetichismo com esta parte do corpo; o valor será ligeiramente inferior para o sexo biológico feminino, mas parece rondar cerca de um terço”. 

Aliás, a categoria de pés é, atualmente, uma das mais pesquisadas no Pornhub, ocupando o sexto lugar da tabela no ano de 2022. “Uma proporção significativa para algo que, de alguma forma, é importante normalizar e desestigmatizar para garantir às pessoas que não é uma prática ou um interesse que seja prejudicial ou indicativo de qualquer perturbação sexual ou de saúde mental”, desmistifica o sexólogo.

Não tão informada sobre estes dados, a ideia de Maria João começou a surgir em conversas entre amigos. Ao início não passava de uma piada, mas depois ouviu um podcast que lhe chamou à atenção. “Não me esqueço, era um rapaz a contar que estava com a namorada quando decidiu criar um Only Fans para vender fotos de pés. Eles chegaram à conclusão de que os pés dele eram mais bonitos, então ele passou a pintar as unhas e a ser o modelo e ela a fotógrafa. Em três meses fizeram 2000 dólares.”

Já Maria João, e nos dois dias a seguir a criar uma conta no Instagram para divulgar as suas fotos, recebeu a proposta de 2.500 euros semanais. Em troca? Teria de mandar todos os dias cinco fotos dos pés: quatro descalça, uma de meias e um vídeo.

Mas nem todas as propostas são de confiança. Na caixa de mensagens de Maria João caem muitas tentativas de burla que a deixam de pé atrás. “O que eu lhe disse foi que na segunda-feira mando-lhe parte e se eu receber 500 euros mando o resto do trabalho ao longo da semana. Ou então como é que confio? Quem pode dar 2500 euros todas as semanas pode dar 500 adiantados.”

Há uma visão “romantizada ou platónica" que alimenta a compra deste tipo de conteúdos

Apesar de poder existir por vezes algumas reticências, vários jovens como Maria João estão a migrar para plataformas como o OnlyFans. Neste tipo de espaços, os utilizadores acedem a conteúdos, maioritariamente eróticos, através de uma subscrição paga, com 20% de comissão que vai para a plataforma. As subscrições do serviço variam entre 5 a 50 dólares por mês, ficando ao critério do criador de conteúdos definir o valor. E a verdade é que, por mais excêntrico que isto possa parecer, funciona. 

Rui Ferreira Carvalho compreende o porquê. Em causa está uma “sensação e a busca de uma conexão ou de uma relação ultrapessoal (por parte do utilizador) que é diferente de uma divulgação generalizada ou genérica de conteúdos sexuais” - que se podem ver gratuitamente pela internet. “O facto de poder existir aqui uma visão um bocado romantizada ou platónica de que aquela pessoa em questão está a gerar conteúdos exclusivos para uma determinada pessoa poderá ser um estímulo positivo, prazeroso, que cause mais dopamina.”

Apesar da exponencial popularidade, enquanto uns utilizam este modelo de negócio sem pudores, revelando a sua identidade, há quem prefira manter o secretismo. “Claro que não meto o link do Only Fans na minha conta pessoal. Para que é que vou pôr no meu Instagram se, com apenas uma fotozinha dos meus pés, numa conta criada há dois dias, já tenho 85 seguidores a somar? Eles continuam a aparecer. Ainda que não veja mal, não gosto da ideia de expor isto na minha conta pessoal, para isso é que criei esta”, diz Maria João. 

Muitos dos criadores de conteúdo destes serviços são influencers, famosos, modelos ou atores pornográficos já com um grande número de seguidores nas suas redes sociais. É a partir daí que atraem um grande número de pessoas a pagar pelos seus conteúdos exclusivos e sustentam o seu negócio. Para alguém que não tenha esses números no seu Instagram, a não ser que seja muito ativo, dificilmente terá grandes lucros.

Maria João diz que, “parecendo que não dá trabalho” e “é difícil ser criativo”, pelo que acaba por negligenciar na gestão dos conteúdos. No entanto, isso não é um problema. “Eu não preciso de fazer muito dinheiro, não me importo de continuar a trabalhar no supermercado, quero é mais algum para ficar mais desafogada.”

Porque é que existem pessoas com fascínio ou fetiche por pés?

Para muitas pessoas é difícil compreender como é que alguém gosta de pés. Por vezes cheiram a queijo, facilmente acumulam fungos, têm calos, têm pele morta visível e as unhas ficam muitas vezes destratadas. Nada disto parece sexy. Mas existem algumas teorias para tentar justificar o que leva alguém a adorar pés. Do ponto de vista neurobiológico, pode ser mais fácil de perceber.

“Um facto curioso é que a área sensorial no nosso cérebro ligada aos pés - a que recebe informação do estímulo na parte sensitiva do toque nessa região - é muito grande, ou seja, conseguimos ter muita sensibilidade. Simultaneamente é uma área que, no nosso córtex, está muito perto das áreas genitais. Pode ser um dos fatores que explica porque é que existe uma relação tão próxima entre uma coisa e outra”, explica Rui Ferreira Carvalho.

Por ser um tema muito envolto em tabu e com algum estigma associado, acaba por ser desafiante fazer estimativas ou estudos para perceber a população com fetichismo ou parafernália ligada aos pés. No entanto, o sexólogo confirma que são dos fetiches mais comuns. Para Rui Ferreira Carvalho, “a internet e a divulgação de conteúdos sexualizados” trouxeram uma curiosidade “e uma maior perceção de que se trata de algo comum” - e isto pode contribuir aos poucos para a normalização da temática.

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