Esquerda aponta "truques e brilharetes" do Governo, direita diz que "ISCTE é satélite do PS": foi assim o debate sobre o Programa de Estabilidade

20 abr 2022, 19:30
Fernando Medina durante o debate sobre o Programa de Estabilidade (António Cotrim/Lusa)

O ministro das Finanças, Fernando Medina, foi confrontado com as críticas da oposição ao Programa de Estabilidade do Governo. Mas na Assembleia da República, o tema que mais aqueceu o debate foi a polémica em torno do ISCTE e do antigo ministro, João Leão

"Contas certas" foi uma das expressões mais usadas pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, no debate sobre o Programa de Estabilidade, esta quarta-feira, no Parlamento. O governante reconheceu que o programa foi "desenhado num contexto de elevada incerteza" por causa da guerra na Ucrânia, mas defendeu que, neste quadro, é ainda mais importante uma “redução da dívida pública” para proteger empresas e famílias.

Sim, continuaremos a reduzir a dívida pública. Num contexto de crescimento e de elevada incerteza nos quais se perspetivam aumentos de juros, o maior contributo que o Estado pode oferecer aos portugueses é uma trajetória consistente de redução do endividamento", sublinhou.

Além da redução da dívida pública, Medina salientou os outros dois pilares estratégicos do documento: a "recuperação económica e social” e a “convergência com a União Europeia”.

Mas para a oposição este programa não é obra de Medina, antes do seu antecessor, João Leão, e está desatualizado. E a primeira intervenção do PSD chegou carregada de ironia. Duarte Pacheco começou por dizer que o ministro teve o “azar” de apresentar um programa que não é seu. "O que estamos aqui hoje a fazer é só cumprir calendário", acrescentou.

A mesma ideia seria lançada mais tarde por André Ventura, que se referiu a este programa como o “pack de João Leão”. "Este documento não é um Programa de Estabilidade, é um rascunho do seu antecessor, com tiques de maioria absoluta", atirou o líder do Chega.

O PSD instou depois o executivo a assumir medidas que respondam aos problemas da realidade, tendo em conta os efeitos da guerra. "Os factos deveriam obrigar os governos a mudar as políticas. O Governo que acabou de tomar posse já tem uma forte alergia à realidade", criticou o deputado social-democrata Afonso Oliveira.

Afonso Oliveira lembrou que o Conselho de Finanças Públicas "não se pronunciou" sobre o documento e, noutro momento do debate, o Chega notou que também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental defendeu que o programa não cumpria os requisitos legais.

Já para a Iniciativa Liberal, “o documento deixa claro que o PS está muito satisfeito consigo próprio e com o estado do país”. João Cotrim Figueiredo foi mais longe, disse que o PS está “deslumbrado com a maioria absoluta" e que já não demonstra um "otimismo irritante", mas um "otimismo delirante".

À esquerda, BE e PCP criticaram a preocupação do Governo com a redução da dívida pública. Mariana Mortágua falou num “truque” que o executivo usa para fazer “um brilharete”. "Quem ganhou com este brilharete? Olhem para o descontentamento que cresce na sociedade", atirou a bloquista, que de seguida acusou o Governo de congelar os salários da Função Pública e de não baixar a taxa da luz, em prol do défice.

“O método das contas certas pode ser muito atraente, como já foi para o ministro Centeno, mas o preço desse mérito é pago por todos os portugueses”, complementou a deputada, que criticou a degradação dos serviços públicos, como o Serviço Nacional de Saúde e a escola pública.

O PCP, por sua vez, acusou o Governo de "subordinação" a Bruxelas, apontou a “estagnação no investimento” e o “congelamento de salários e pensões”, num cenário de aumento de inflação que leva ao aumento dos preços. "A estabilidade que aqui se discute é a estagnação no investimento, é o congelamento dos salários. O Governo do PS assume-se como entusiasta defensor dessa obsessão do défice, agravando as restrições quando os problemas são mais gritantes", criticou o deputado Bruno Dias.

"O ISCTE é uma instituição de ensino superior público ou é um satélite do PS?"

O tema que mais aqueceu o debate foi, no entanto, a polémica que envolve o ISCTE e o ex-ministro das Finanças, João Leão. A polémica foi levada ao hemiciclo por Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal. O deputado afirmou que o antigo governante saiu do Governo "não sem antes atribuir ao seu futuro empregador um financiamento que não atribuiu a outras instituições". "E, sabendo que o próprio ministro já foi curador do ISCTE, tenho uma dúvida muito abstrata: o que é o ISCTE?”, começou por questionar.

“O ISCTE é uma instituição de ensino superior público ou é um satélite do PS com direito a fundos públicos para empregar ex-dirigentes do PS e distribuir diplomas a futuros quadros do PS?”, atirou.

O deputado da IL enumerou depois várias ligações entre aquela instituição e o PS: “O ISCTE tem uma reitora que já foi ministra do PS, a sua chefe de gabinete é casada com um atual ministro do PS - que também já foi curador -, os assessores de comunicação do ISCTE estão ligados ao PS, dois terços dos alumni políticos são do PS, assim como sete ministros que já tiveram algum tipo de ligação ao ISCTE.” 

Em resposta ao deputado dos liberais, o ministro garantiu que seriam "prestados todos os esclarecimentos" sobre essa matéria e aproveitou para lembrar, com ironia, que, tal como o deputado Carlos Guimarães Pinto, também ele foi formado na Universidade do Porto. Os esclarecimentos acabaram por ser dados ao mesmo tempo que o debate decorria, por João Leão. O antigo ministro emitiu um comunicado sobre a controvérsia, no qual explicou que “o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) submeteu apenas um único projeto, o do ISCTE, para financiamento”, razão pela qual apenas esse financiamento obteve a aprovação do seu gabinete.

As muitas "temporadas" do Novo Banco

O Novo Banco foi outro dos assuntos quentes do debate. Na sua primeira intervenção, Mariana Mortágua questionou Medina sobre uma nova injeção de capital no Novo Banco. “Bem sei que ouvi o senhor ministro a dizer, na apresentação do Orçamento do Estado para 2022, que não traria nem mais um cêntimo para o Novo Banco, mas leio o programa de Estabilidade e vejo que o programa tem mais 138 milhões para ativos por impostos diferidos”, apontou. “A minha pergunta é muito simples: vai ou não o Governo fazer uma injeção de capital no Novo Banco de cerca de 138 milhõs de euros em ativos diferidos?”, perguntou.

Na resposta, Fernando Medina garantiu que "não está prevista nenhuma transferência para o Novo Banco”. "Não procure criar uma nova história inventando uma transferência que não existe", afirmou para depois acrescentar que a deputada até pode criar "uma nova história" mas que "como todas as segundas temporadas não terá o sucesso da primeira". Mortágua respondeu mais tarde que o ministro "comenta os Óscares sem ver os filmes" pois "a primeira temporada do Novo Banco foi um desastre de bilheteira". 

O "programa míope" que representa o "desperdício de uma oportunidade"

A deputada do PAN, Inês de Sousa Real, defendeu que o Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo não só “não cumpre com a lei de enquadramento orçamental”, como também “é um programa míope” que não tem “visão a médio e longo prazo, em particular em relação às alterações climáticas”.

Este Programa de Estabilidade deveria ser uma oportunidade única de garantirmos um instrumento de compromisso do Governo para o combate às alterações climáticas, em particular a aceleração da descarbonização”, acrescentou, mostrando ainda algum ceticismo em relação à previsão de crescimento da economia portuguesa de 5%. 

Já Rui Tavares, do Livre, referiu o "desperdício de uma oportunidade". O deputado salientou que "há duas maneiras de olhar" para o documento em debate: "ou como o cumprimento de uma obrigação, uma rotina, ou como ocasião para pensar estrategicamente o país". "De uma das formas, o que produzimos é o que o PSD pede, em vez de um programa de estabilidade, outro programa de estabilidade. Se olharmos de outras das formas, antecipando o futuro, veremos, como defende o Livre, que um programa de estabilidade que não seja ao mesmo tempo um programa estratégico é um desperdício de uma oportunidade", apontou.

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