Pelos menos três eventuais crimes em causa: violência na assembleia geral do FC Porto, o que diz a lei

14 nov 2023, 19:37

Episódios que marcaram um dos dias "mais negros da história do clube", como disse André Villas-Boas, podem acabar com processos em tribunal. E até pode nem ser preciso haver queixa. Mais: "Os vídeos, mesmo os das redes sociais, podem ser utilizados como meios de prova"

Crime contra a liberdade de expressão, ofensas à integridade física ou até associação criminosa. Os episódios de agressões na assembleia geral do FC Porto, que já levaram inclusivamente o Ministério Público a abrir um inquérito, podem conter a prática de vários crimes puníveis por lei.

O advogado Paulo Saragoça da Matta diz à CNN Portugal que a tipificação dos crimes em causa depende muito do resultado das agressões. Um dos alvos da fúria de alguns dos sócios que estavam presentes no Dragão Caixa foi Henrique Ramos, um homem que até já trabalhou na estrutura do clube – acompanhava vários jogadores sul-americanos, como James Rodríguez.

Foi precisamente quando Henrique Ramos começou a falar que os ânimos se começaram a exaltar. Perante o olhar atento do presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, aquele associado criticou o facto de algumas das casas do clube não terem correspondência com as moradas dadas. Isto porque um dos pontos em discussão é a alteração de estatutos, que conferiria direito de voto a estas casas. Tudo isto já depois de a assembleia geral ter sido mudada do auditório para o Dragão Arena, dada a afluência maciça dos sócios.

Nos vídeos partilhados nas redes sociais é possível ver-se o momento em que Henrique Ramos é abordado por vários indivíduos, um deles o oficial de ligação aos adeptos (OLA), Fernando Saul. Outras pessoas juntaram-se à confusão, agredindo o adepto que tinha acabado de discursar e que acabou expulso do pavilhão com a intervenção dos seguranças.

Desde logo, e porque em causa também estava um ato democrático, Paulo Saragoça da Matta vê neste ponto um claro limite à liberdade de expressão do adepto. Mais, explica o especialista: estando aqui sinais de crimes como ofensas à integridade física, consumadas através das agressões, esses crimes “consomem” o atentado à liberdade de expressão. Muitas das agressões são visíveis nas imagens colocadas nas redes sociais e que não se limitaram a Henrique Ramos.

Com efeito, noutros vídeos é possível ver adeptos a empurrarem, a puxarem ou até mesmo a pontapearem outros sócios no pavilhão. Algumas imagens mostram o líder da claque dos Super Dragões, Fernando Madureira, envolvido nos confrontos.

As ofensas à integridade física podem ser simplesmente o manietar de algumas pessoas para que deixassem o pavilhão, até porque o caso de Henrique Ramos não foi o único – outros adeptos que gritaram palavras contra Pinto da Costa foram expulsos do recinto.

Mas há ainda outros dois possíveis crimes em causa: associação criminosa e participação em rixa. Paulo Saragoça da Matta não quis falar do caso em concreto, mas refere que, caso exista uma organização clara de mais de três pessoas e um certo comportamento, pode estar em causa aquele primeiro crime.

Foi o que entendeu o Ministério Público no caso da invasão à Academia de Alcochete, quando elementos ligados às claques do Sporting interromperam um treino da equipa e agrediram vários jogadores. Nesse caso, um dos crimes que foram para julgamento foi o de associação criminosa.

Já a participação em rixa parece o crime mais longe de poder acontecer. É que teria de haver um pressuposto de uma lesão grave causada às vítimas, o que não parece ter acontecido.

Além disso, e segundo Paulo Saragoça da Matta, para se verificar a participação em rixa “temos de ter um grupo de pessoas desorganizadas a atacarem-se mutuamente”.

Crime público ou é preciso queixa?

Mais uma vez, tudo vai depender da gravidade das agressões e do resultado das mesmas. Paulo Saragoça da Matta explica que, por exemplo, se alguma das agressões tenha resultado na perda de uma vista ou alguma lesão de gravidade semelhante, isso pode ser considerado um crime público, estando em causa um crime de ofensa à integridade física grave.

De acordo com o Código Penal português, isso é o resultado de agressões que resultem em consequências como as seguintes: privação de importante órgão ou membro, ou desfigurar a vítima grave e permanentemente; tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; provocar-lhe perigo para a vida.

Em qualquer um destes casos está em cena um crime público, pelo que a vítima não necessita de fazer queixa para que seja aberto um processo contra o agressor, que pode incorrer numa pena de prisão de dois a dez anos. No caso em concreto não foi possível apurar a extensão da gravidade das lesões provocadas nas pessoas agredidas.

Em todo o caso, haverá sempre lugar a um crime de ofensa à integridade física, mesmo que na forma simples e mesmo que não existam lesões resultantes das agressões, mesmo que temporárias. De resto, e de acordo com a jurisprudência que resulta de vários acordos dos tribunais da Relação, não é necessário que a agressão resulte em dor ou consequência para se verificar uma ofensa à integridade física. Na prática, mesmo que as vítimas não tenham ficado com consequências, o crime existiu na mesma.

Apesar disso, e tratando-se de um crime praticado na forma simples, a vítima ou outra pessoa teria sempre de apresentar queixa para fazer avançar o processo, uma vez que não se trata de um crime público.

Imagens, o que valem?

Apesar dos muitos relatos de pessoas que foram falando à porta do pavilhão – André Villas-Boas ou Nuno Lobo foram dois casos disso –, os crimes alegadamente em causa ocorreram todos dentro do Dragão Arena.

Aí, a única forma de perceber que existiram mesmo agressões é o visionamento das imagens, nomeadamente daquelas que foram publicadas nas redes sociais.

Paulo Saragoça da Matta lembra que, apesar de se tratar de um sítio privado, aquelas imagens podem perfeitamente ser utilizadas pelas autoridades caso venha a ser aberta uma investigação. “Os vídeos, mesmo os das redes sociais, podem ser utilizados como meios de prova. Estão a filmar num espaço privado que é de acesso público, pelo que podem filmar”, explica o penalista.

Outra situação diferente, e que também se pode verificar, é a possível cedência de imagens de videovigilância do Dragão Arena. Paulo Saragoça da Matta diz que, caso seja solicitado pela polícia, o FC Porto pode ter de ceder essas mesmas imagens para que ajudem na investigação.

A CNN Portugal contactou a PSP para perceber se deu entrada alguma queixa ou se os agentes foram chamados ao local, mas não obteve qualquer resposta.

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