Esta exposição sobre misoginia era só para mulheres: até um homem se queixar

CNN , Christy Choi e Manveena Suri
19 abr, 09:00
A entrada do Ladies Lounge no Museum of Old and New Art (Jesse Hunniford/MOMA)

Responsável pela exposição aproveitou a disputa em tribunal para confirmar a sua visão (e como uma extensão do seu projeto artístico)

Um museu na Austrália está a ser forçado a permitir a entrada de homens numa exposição de arte que foi originalmente concebida apenas para mulheres. Isto depois de um tribunal ter considerado que aquela prática era “discriminatória”, na sequência de uma queixa de um homem que ficou descontente por lhe ter sido barrada a entrada.

O Museum of Old and New Art (MONA) na Tasmânia foi condenado a deixar de recusar a entrada de “pessoas que não se identificam como mulheres” na sua exposição Ladies Lounge dentro de 28 dias, depois de uma decisão do Tribunal Civil e Administrativo da Tasmânia tomada na passada terça-feira.

A obra de arte experimental, com assinatura da artista e curadora Kirsha Kaechele, foi considerada pelo museu como um “espaço tremendamente luxuoso”, onde as mulheres se podem entregar a “petiscos decadentes, bebidas sofisticadas e outros prazeres femininos”.

Jason Lau, um visitante de New South Wales, que pagou o bilhete do museu no valor de 35 dólares australianos (cerca de 21 euros) foi impedido de entrar na exposição a 1 de abril do ano passado. Segundo a documentação entregue no tribunal, Lau acreditava ter assim experimentado discriminação de género de uma forma direta. “Sentiu-o com tanta força, ao ponto de levá-lo a apresentar uma queixa na Equal Opportunities Tasmania [entidade responsável pelo combate à discriminação]”, podia ler-se nas notas.

Durante o processo, Kaechele disse ao tribunal que negar a entrada de homens na misteriosa sala é uma parte fundamental da obra de arte – dando-lhes um gostinho da discriminação e da exclusão que muitas mulheres têm experimentado ao longo da história.

Kaechele afirmou acreditar que as mulheres “merecem direitos iguais e privilégios especiais na forma de direitos desiguais”, como uma forma de restituição das históricas injustiças que têm vivido, “por um mínimo de 300 anos”.

O Ladies Lounge, cercado por cortinas de seda verdes, contém “antiguidades valiosas e obras modernistas inestimáveis”, incluindo “duas pinturas que demonstram de forma espetacular o génio de Picasso”, segundo Kaechele (Jesse Hunniford)

Na decisão, o tribunal reconheceu que a exposição tinha “uma componente claramente participativa, que é intencionalmente discriminatória, para um propósito artístico de boa-fé que muitos podem não só apreciar, mas também simpatizar ou endossar”.

Contudo, destacou também que a lei antidiscriminação da Austrália, datada de 1998, “não permite a discriminação, por si, para fins artísticos com boa-fé”.

Uma extensão da arte

Ao longo do processo, Kaechele e os apoiantes da sua causa encararam o tribunal como uma extensão da sua arte, vestindo fatos azuis-escuros a condizer e sincronizando os próprios movimentos.

No seu depoimento em tribunal, a artista afirmou: “Estamos tão profundamente enraizados no domínio do homem que nem sequer vemos as inúmeras maneiras pelas quais aderimos e multiplicamos o seu reinado”.

A artista acrescentou que é por esse motivo que o Ladies Lounge se torna necessário, como “um espaço pacífico onde as mulheres se podem abrigar; um refúgio para pensar com clareza e saborear a companhia pura das mulheres – para escapar à invisibilidade a que foram sujeitas ao longo da história”.

Kaechele e a sua comitiva de azul no exterior do tribunal (Charlotte Vignau)

Kaechele afirmou, numa entrevista prévia ao The Project da ABC, que estava “grata” pela queixa feita por Lau, uma vez que lhe deu a oportunidade a testar a sua visão a nível legal. E avisou que uma decisão favorável à queixa significaria o fecho do Ladies Lounge.

“Se houver uma exigência de abertura aos homens, tal não vai acontecer”, disse.

Depois da decisão do tribunal da passada terça-feira, um porta-voz do MONA disse à CNN que a instituição estava “profundamente desapontada”. “Levaremos algum tempo a processar este desfecho e a considerar as nossas opções”, afirmou. E acrescentou: “Pedimos agora que a privacidade da artista seja respeitada”.

A conta oficial do museu no Instagram publicou uma resposta mais explícita: a fotografia de uma mão vestida de veludo, adornada com as iniciais KK, com o dedo do meio levantado. Uma seguidora comentou o seguinte: “Visitei em 2021 com o meu marido e adorei a novidade, por ser capaz de entrar numa sala aonde nenhum homem tinha permissão de ir. Era lindo: a sala, a instalação artística, o significado de tudo aquilo”.

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