Estado gastou 6,5 milhões de euros em cinco edifícios vazios há 20 anos. Agora ninguém os compra

26 jun 2023, 21:43

Espaço de seis hectares fechado com grades de quatro metros de altura tem segurança 24 horas por dia. Despesas avolumam-se. Edifícios para lar de crianças tinham problemas de segurança

Quem visita Setúbal ou o estuário do Sado e olha para o Forte de São Filipe em direção à Serra da Arrábida dificilmente deixa de notar a presença de cinco edifícios brancos lado a lado. Foram construídos há duas décadas pela Casa Pia de Lisboa, mas até hoje nunca foram usados e nem a estrada para lá chegar está concluída. 

A obra, que além dos cinco edifícios incluiu muros, terraplanagens e quilómetros de grades de ferro de quatro a cinco metros de altura à volta dos seis hectares de terreno do antigo Convento de São Francisco, custou 6,5 milhões de euros e até hoje nunca serviu para nada. 

No papel, diz Rui Canas Gaspar, escritor e conhecedor da história de Setúbal, o projeto da Casa Pia apresentado no final da década de 1990 era “bonito”. Previa-se a recuperação da ruína do convento do século XV, além da instalação de uma escola e construção de uma piscina, espaços verdes e campos de jogos.

Vinte anos depois tudo continua vazio e fechado a cadeado, apesar das obras iniciais até terem obrigado a realojar mais de uma centena de pessoas que viviam na zona em habitações precárias, numa outra despesa paga, na altura, pela Câmara Municipal de Setúbal. 


Sem segurança para receber crianças

A Casa Pia anunciou que desistiu do projeto em 2004, pela voz da então provedora Catalina Pestana, mas a provedora que se seguiu entre 2006 e 2010, Joaquina Madeira, confirma ao Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) que depois disso ainda reavaliaram o caso. 

Além de ser um local isolado, os edifícios não tinham condições para receber menores e “retomar o projeto iria obrigar a uma despesa maior do que aquela que já tinha sido feita”, sendo que “o espaço já estava degradado e o investimento não se justificava".

Por outro lado, os edifícios têm “problemas de segurança por estarem à beira de um precipício”, diz Joaquina Madeira, acrescentando que não sabe será possível garantir a segurança do terreno.


Cáritas recusou edifícios

Com cinco edifícios fechados a degradarem-se, a Cáritas foi uma das instituições abordadas há mais de uma década pela Segurança Social e pela autarquia para ocupar o espaço, mas o seu antigo presidente, Eugénio Fonseca, revela que os edifícios tinham problemas evidentes, assumidos pela própria Segurança Social (que tutelava a Casa Pia). Adaptar os edifícios ficava mais caro que a obra inicial.

“Pelo que me descreviam os técnicos sociais, os edifícios não têm condições para qualquer atividade social”, refere Eugénio Fonseca, que acrescenta a evidente falta de segurança para qualquer criança e jovem que fosse viver para o lar projetado há mais de 20 anos pela Casa Pia. 

Além dos problemas de segurança, a filosofia da Casa Pia mudou drasticamente com o escândalo de pedofilia que abalou o país a partir de novembro 2002. 

Numa resposta por escrito, a Casa Pia confirma à TVI que só em obras gastou ali 6,5 milhões de euros, mas explica que as recomendações dos técnicos nomeados para pensar o futuro da instituição “indicavam uma clara e profunda alteração do modelo de acolhimento residencial de crianças e jovens, o qual se devia concretizar em estruturas inseridas na comunidade, em moldes semelhantes aos proporcionados por qualquer família". 

Na prática, depois do escândalo de pedofilia, não fazia sentido avançar com mais um grande lar para crianças institucionalizadas. 


Terreno e edifícios sem compradores

Os edifícios inicialmente feitos sem necessidade de licença por serem uma construção do Estado já estão hoje licenciados pela Câmara Municipal de Setúbal e passaram para a propriedade da empresa pública que gere imóveis do Estado. 

Numa resposta por escrito, a Estamo - Participações Imobiliárias, adianta que o espaço do antigo Convento de São Francisco, num total de seis hectares, incluindo a ruína do convento e os seis edifícios ‘novos’, esteve à venda em 2019 e 2020, mas não apareceu um único interessado. 

Os 5 milhões de euros na altura pedidos eram menos do que os 6,5 milhões já gastos numa obra incompleta, sem contar com outras despesas públicas entretanto realizadas como a segurança privada 24 horas por dia ou a recorrente limpeza de mato. 

A empresa pública adianta ao Exclusivo da TVI que “até ao presente não foi recebida qualquer manifestação de interesse no imóvel”, estando pendente um pedido junto do município para que os terrenos possam ter novos usos, nomeadamente turismo, residências sénior ou um equipamento de saúde.

A vereadora do urbanismo na Câmara de Setúbal optou por não ser entrevistada, mas adianta por escrito que o pedido da Estamo para o espaço do Convento de São Francisco e terrenos envolventes “não tem enquadramento no Plano Diretor Municipal em vigor”. 

O novo Plano Diretor Municipal que vai definir aquilo que se pode ou não fazer neste enorme espaço de seis hectares está há ano e meio à espera de ser ratificado pelo Governo que também tutela a empresa pública dona do espaço. 

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